FIÉIS VÍTIMAS DA FÉ
A "certeza da das
coisas que se não veem" já causou muitos males à humanidade, entre eles a
morte de muitas pessoas, até mesmo os que acreditavam na chamada 'verdade', mas se
aventuraram a dizer alguma realidade divergente.
"Momentos antes da morte,
muitas
vítimas do Tribunal do Santo Ofício pronunciaram algumas palavras em testemunho
de sua inabalável fé. Tamanha era a convicção com que faziam esses breves
discursos, que sensibilizavam, às vezes, as pessoas presentes nos autos de fé,
como eram chamadas as cerimônias de execução. Para evitar tais “blasfêmias” da
parte dos “hereges”, não raro cortavam a língua dos condenados, ou os
amordaçavam.
Vale dizer que “ainda no século XI e na primeira metade do XII, protestaram
contra a execução de hereges as vozes mais autorizadas na igreja. Eram, ora
s.Bernardo, ora Wazo, bispo de Liége, aqui Hildeberto, bispo de Mans, ali
Ruperto de Deutz. Relembravam esses cristãos haver Cristo vedado formalmente
atos como esses que os papas prescreviam; e asseguravam que o único efeito desse
proceder seria gerar a hipocrisia, aumentar decididamente o horror e o ódio dos
homens contra a igreja repleta de sangue, contra um clero ávido de perseguições.
Só a teoria da infalibilidade podia-nos levar a conceber como, em toda a série
dos papas desde Luciano III, não existisse ao menos um que se dispusesse a tomar
outro caminho. Se não tivesse havido particular esmero em cultivar essa teoria,
e fazê-la vingar a todo o transe, homens brandos, caracteres benévolos como
Honório III, Gregório X, Celestino V, sem nenhuma dúvida teriam atenuado a
crueza das disposições decretadas por seus antecessores, e imposto raias a essa
onipotência ilimitada, em que os papas investiram esses inquisidores vorazes,
fanáticos, sanguinários” (1)
Impossível quantificar as vítimas da Inquisição. É certo que
milhares sofreram a
pena capital, a tortura, a prisão perpétua; famílias que ficaram na mendicância
em razão do confisco total dos bens; muitos deixaram a terra natal para fugir às
perseguições. Vejamos alguns exemplos.
Arnaldo de Bréscia – Seguidor do ex-padre Pedro Bruys, também
queimado
na fogueira, em 1126, por haver combatido a corrupção do clero e se
convertido ao Evangelho, Arnaldo de Bréscia, religioso italiano, fez severa
oposição ao poder temporal dos papas; desejava o retorno da Igreja de Roma à
simplicidade do Evangelho da igreja primitiva; rejeitava os sacramentos;
condenava a interferência da igreja no Estado, a adoração aos mortos, o
sacrifício da missa. Perseguido, procurou refúgio na França, e depois na Suíça.
Em 1155, sob o comando direto do papa Adriano IV, foi denunciado, preso em Roma,
enforcado e seu corpo reduzido a cinzas.
Giordano Bruno – (1548-1600). Mártir da liberdade do pensamento, um dos maiores
pensadores do século XVI. Filósofo, astrônomo e matemático italiano, Filippo
Bruno, após ingressar aos 17 anos no convento de San Domenico Maggiore, em
Nápoles, adotou o nome de Giordano, tendo sido ordenado padre em 1572.
Semelhantemente a Galileu, defendeu o heliocentrismo, o sol como o centro do
sistema, tese não admitida pela Igreja Católica. Além disso, Giordano
acreditava na astrologia e na reencarnação. Expulso da Ordem dos Dominicanos,
foi excomungado e considerado herege. Fez vários estudos e escreveu alguns
livros. Denunciado por seu amigo Giovanni Mocenigo, papista fanático, recebeu a
sentença de morte do Santo Ofício após oito anos em prisão. Sem nunca haver
abjurado suas idéias, foi levado à fogueira aos 52 anos de idade, no dia 17 de
fevereiro de 1600, no Campo di Fiori, em Roma. Tiveram o cuidado de colocar uma
mordaça em sua boca para que não pronunciasse qualquer “blasfêmia”.
Olhou com indiferença e desprezo um crucifixo que fora colocado diante dele,
para ser beijado. Em carta de 14.2.2000 dirigida ao Reverendo Reitor da
Pontifícia Faculdade Teológica da Itália Meridional, por ocasião de um congresso
de estudos sobre a personalidade de Giordano Bruno, o cardeal Ângelo Solano,
admite “falhas” com relação ao caso. Eis um trecho:
“É por isto que, entre os sinais do Jubileu, o Sumo Pontífice pôs o da
purificação da memória, pedindo a todos um ato de coragem e de humildade ao
reconhecer as próprias faltas e as de quantos tiveram e têm o nome de cristãos.
Alguns importantes simpósios desenvolveram-se nesta direção - como por exemplo
sobre o anti-semitismo, a
inquisição e João Hus - que se realizaram com o
patrocínio da Santa Sé, para estabelecer no plano histórico o desenvolvimento
efetivo dos acontecimentos e discernir aquilo que neles deve ser julgado pouco
conforme com o espírito evangélico. Semelhante verificação parece importante
quer para pedir perdão a Deus e aos irmãos pelas faltas eventualmente cometidas,
quer para orientar a consciência cristã para um futuro mais vigilante na
fidelidade a Cristo. Portanto, Sua Santidade soube com prazer que, precisamente
com estes sentimentos, essa Faculdade Teológica quer recordar
Giordano Bruno
que, no dia 17 de Fevereiro de 1600, foi executado em Roma na Praça "Campo de
Fiori", após o veredicto de heresia pronunciado pelo Tribunal da Inquisição
Romana”
<www.cleofas.com.br/html/igrejacatolica/historiadaigreja/giordanobruno.html>.
Galileu Galilei (1564-1642) – Físico, matemático e astrônomo italiano,
fez numerosas descobertas nos campos da Física e da Astronomia. Com uma luneta
por ele inventada, descobriu as montanhas da Lua, os satélites de Júpiter, as
manchas solares, as fases de Vênus, os anéis de Saturno. Por 17 anos assume a
cátedra na Universidade de Pádua. Conclui que a Terra gira em torno do Sol, e
dá fundamentação científica à Teoria Heliocêntrica de Copérnico.
Suas
descobertas e ensinos foram considerados uma heresia pelos censores romanos, sob
a alegação de que contrariavam as Sagradas Escrituras. Acabrunhado,
doente, preso em Roma, assinou sua retratação. Antes, os inquisidores lhe
mostraram a sala de tortura e os respectivos instrumentos. Combalido e ajoelhado
diante dos representantes do papa Urbano VIII (1623-1644), leu e assinou sua
retratação:
“Eu, Galileu Galilei, tendo sido trazido pessoalmente ao julgamento e
ajoelhando-me diante de vós, Eminentíssimos e Reverendíssimos Cardeais,
Inquisidores Gerais da Comunidade Cristã Universal contra a depravação
herética... juro que sempre acreditei em cada artigo que a sagrada Igreja
Católica, Apostólica de Roma, sustenta, ensina e prega. Mas porque
este Sagrado
Ofício ordenou-me que abandonasse completamente a falsa opinião, a qual sustenta
que o Sol é o centro do mundo e imóvel, e proíbe abraçar, defender ou ensinar de
qualquer modo a dita falsa doutrina... com sinceridade de coração e verdadeira
fé, abjuro, maldigo e detesto os ditos erros e heresias, e em geral todos os
outros erros e seitas contrárias à dita Santa Igreja; e eu juro que nunca mais
no futuro direi, ou afirmarei nada, verbalmente ou por escrito, que possa
levantar semelhante suspeita contra mim; mas se eu vier a conhecer qualquer
herege ou qualquer suspeito de heresia, eu o denunciarei a este Santo Ofício ou
ao Inquisidor Ordinário do lugar onde eu estiver. Juro, além disso, e prometo
que cumprirei o observarei inteiramente todas as penitências que me foram ou
sejam impostas por este Santo Ofício. Mas se por acaso eu vier a violar qualquer
uma de minhas ditas promessas, juramentos e protestos (o que Deus não permita),
sujeitar-me-ei a todas as penas e punições que foram decretadas e promulgadas
pelos sagrados cânones e outras constituições gerais e particulares contra
delinqüentes assim descritos. Portanto, com a ajuda de Deus e de Seus Santos
Evangelhos, que eu toco com minhas mãos, eu, abaixo assinado Galileu Galilei,
abjurei, jurei, prometi e me obriguei moralmente ao que está acima citado; e, em
fé do que, com minha própria mão assinei este manuscrito da minha abjuração, o
qual eu recitei palavra por palavra”.
A Santa Inquisição não só condenou os ensinos de Galileu, mas também os de
Copérnico. O “Tribunal de Deus” assim se pronunciou:
“A tese de que o Sol é o centro do sistema e não se move ao redor da Terra, é
néscia, absurda, teologicamente falsa e herética, sendo frontalmente contrária
às Sagradas Escrituras... A segunda proposição, a de que a Terra não é o centro
do sistema mas sim move-se ao redor do Sol, é absurda, filosoficamente falsa e
pelo menos segundo o ponto de vista teológico, contrária à verdadeira fé”
(2)
Galileu livrou-se da fogueira, mas passou vários meses sob prisão. Muito doente
e cego, veio a falecer no dia 8 de janeiro de 1642. Em janeiro de 1998, passados
356 anos, o papa João Paulo II formalizou o tardio pedido de perdão ao notável
astrônomo.
John Wycliffe (1330-1384) - Teólogo inglês, precursor da Reforma, pregava
uma Igreja sem a direção papal; combateu a exploração popular com o lucrativo
negócio da venda de indulgências, e condenou o excesso de bens materiais dos
clérigos. Doutor de Teologia, advogado eclesiástico a serviço da Coroa, nomeado
reitor de Lutterworth em 1374. Sua maior obra, contudo, foi a tradução das
Escrituras para o inglês, abrindo caminho para que a Palavra de Deus fosse
conhecida na Inglaterra. Ousado e destemido, acusou o clero romano de criar
clima de tensão e horror ao ameaçar os fiéis com excomunhão; de tentar conter a
propagação da Palavra ao proibir a leitura da Bíblia e a sua tradução para
línguas conhecidas do povo. Ensinava a salvação somente pela fé em Cristo e a
infalibilidade das Escrituras. Chamado a retratar-se por ocasião de uma
enfermidade que muito o enfraqueceu, disse: “Não hei de morrer, mas viver e
denunciar novamente as más ações dos frades”.Tendo sido levado pela terceira vez
ao tribunal eclesiástico, e acusado de heresia, Wycliffe declarou: “Com que
julgais estar a contender? Com um ancião às bordas da sepultura? Não! Estais a
contender com a Verdade, Verdade que é mais forte do que vós e vos vencerá”.
* Deus livrou Wycliffe da fogueira: faleceu repentinamente após um ataque de
paralisia. Sua voz silenciou, mas sua fé em Jesus Cristo fez discípulos em
todo o mundo. Mais de quarenta anos após sua morte, seus ossos foram exumados e
publicamente queimados, e as cinzas lançadas em um riacho vizinho (3).
John Hus (1369-415) - Divulgador das idéias de Wycliffe, natural da
Boêmia (região histórica da Europa central, hoje integrante da República Tcheca,
cuja capital é Praga) depois de completar o curso superior ordenou-se sacerdote,
havendo exercido o cargo de professor e mais tarde de reitor da universidade de
Praga. Hus, embora não estivesse de acordo com todos os ensinos de Wycliffe,
ficou bastante influenciado pelas idéias desse inglês, e resolveu aprofundar-se
mais no estudo da Bíblia. O segundo passo foi denunciar o verdadeiro caráter do
papado, o orgulho, a ambição e a corrupção da hierarquia. Defendia a Bíblia como
sendo a única regra de fé e prática do cristão, e ensinava que a Palavra de Deus
podia ser pregada por qualquer pessoa.
Excomungado e acusado de heresia, Hus foi finalmente condenado no Concílio de
Constança (1414-1415), no sudoeste da Alemanha, ao qual compareceu, também, como
réu, o “antipapa” João XXIII, este acusado por vários crimes cometidos durante
seu ministério no período de 1410 a 1415: fornicação, adultério, incesto,
sodomia, roubo, simonia, assassinato. O antipapa foi condenado por cinqüenta e
quatro crimes, mas não recebeu a sentença de morte. Juntamente com outros
“papas” que disputavam o cargo, foi deposto. Preso e lançado numa asquerosa
masmorra, Hus escreveu a um amigo: “Escrevo esta carta na prisão e com as mãos
algemadas, esperando a sentença de morte para manhã... Quando, com o auxílio de
Jesus Cristo, de novo nos encontrarmos na deliciosa paz da vida futura, sabereis
quão misericordioso Deus Se mostrou para comigo, quão eficazmente me sustentou
em meio de tentações e provas”.
Antes de ser levado ao local da execução, suas vestes sacerdotais foram
arrancadas, numa cerimônia de degradação, e sobre sua cabeça colocaram uma
carapuça de papel com a inscrição “Arqui-herege”. “Com muito prazer”, disse Hus,
“levarei sobre a cabeça esta coroa de ignomínia por Teu amor ó Jesus, que por
mim levaste uma coroa de espinhos. Invoco a Deus para testemunhar que tudo que
escrevi e preguei foi dito com o fim de livrar almas do pecado e perdição; e,
portanto, muito alegremente confirmarei com meu sangue a verdade que escrevi e
preguei”. As chamas começaram a tomar conta do seu corpo. Hus orou várias
vezes até perder a voz: “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim”. O
martírio de Hus se deu em 6 de julho de 1415, no mesmo dia de sua condenação.
Suas cinzas foram jogadas no rio Reno.
Jerônimo de Praga (1360-1416) - Reformador religioso tcheco. Seguidor de
John Hus e de John Wycliffe, apoiou o primeiro em seu movimento de reformas.
Condenado à fogueira como herege. Jerônimo, embora consciente do risco que
corria, apresentou-se ao Concílio de Constança no ano de 1414 para defender seus
princípios cristãos. Logo após haver confirmado suas idéias “heréticas”, foi
encarcerado numa masmorra e alimentado a pão e água. Doente, debilitado e
abandonado por amigos, cedeu à pressão dos inquisidores e declarou que
retornaria à fé católica. Ainda assim, retornou à prisão e lá permaneceu por
trezentos e quarenta dias. Durante esse tempo refletiu sobre a sua fraqueza de
fé e se sentiu envergonhado de haver cedido. Verificou que não valia a pena
negar as verdades bíblicas para salvar a pele. Novamente perante o Concílio,
Jerônimo falou: “Estou pronto para morrer. Não recuarei diante dos tormentos que
me estão preparados por meus inimigos e falsas testemunhas, que um dia terão que
prestar contas de suas imposturas diante do grande Deus, a quem nada pode
enganar. De todos os pecados que cometi desde minha juventude, nenhum pesa tão
gravemente em meu espírito e me acusa tão pungente remorso, como aquele que
cometi neste lugar fatídico, quando aprovei a iníqua sentença dada contra
Wycliffe e com o santo mártir John Hus, meu mestre e amigo”.
E prosseguiu Jerônimo: “Confesso-o de todo o coração e declaro com horror, que
desgraçadamente fraquejei quando, por medo da morte, condenei suas doutrinas.
Portanto, suplico a Deus Todo-poderoso Se digne perdoar meus pecados, e em
particular este, o mais hediondo de todos. Provai-me pelas Escrituras que estou
em erro, e o abjurarei”. Um papista perguntou: - Quem pode entender as
Escrituras antes que a igreja as haja interpretado? Ao que respondeu Jerônimo: -
São as tradições dos homens mais dignas de fé do que o Evangelho do nosso
Salvador?”
Quando as chamas começaram a queimar seu corpo, orou ao Pai: “Senhor, Pai
Todo-poderoso, tem piedade de mim e perdoa os meus pecados; pois sabes que
sempre amei Tua verdade”. Suas cinzas, tal como aconteceu com as de Hus,
foram lançadas ao Reno (4).
Joana d’Arc (1412-1431) - Contribuiu para mudar os rumos da guerra de cem
anos entre a França e a Inglaterra, ficando conhecida como a heroína francesa.
Vítima de uma traição, é feita prisioneira e entregue ao Tribunal do Santo
Ofício para julgamento espiritual. O inquérito é comandado por Messire Pierre
Cauchon, bispo de Beauvais, a quem coube intermediar o resgate da donzela por
dez mil escudos franceses. A alegação era a de que, por ela, “Deus tinha sido
ofendido sem medida, a Fé excessivamente afrontada, e a Igreja desonrada”.
Por causa de suas ousadas atitudes, como, por exemplo, vestir-se como homem, foi
acusada de feiticeira, sortílega, bruxa, pseudoprofeta, invocadora de espíritos
malignos, idólatra, maldita, amaldiçoada, escandalosa,
sediciosa, perturbadora
da paz do País, incitadora de guerras, cruelmente
sequiosa de sangue humano,
mentirosa, perniciosa,
abusadora do povo, mágica,
supersticiosa, cruel,
dissoluta, invocadora de diabos, apóstata, cismática e herege.
Joana d´Arc, com apenas 19 anos, foi queimada publicamente na Praça do
Mercado Velho, em Rouen (França), em 30 de maio 1431. Vinte e cinco anos
depois a Igreja Católica revisou o processo da heroína e concluiu por sua
inocência. Em 1909 a “Donzela de Orléans” foi beatificada, e
canonizada em 1920, por ato do papa Bento XV (Coleção Vidas Ilustres - Os
Libertadores, Fernando Correia da Silva, Editora Cultriz, pg 117-152).
Martinho Lutero (1483-1546) - Considerado o fundador da doutrina
protestante, de naturalidade alemã, doutorou-se em Teologia pela Universidade de
Wittenberg, e, por esse tempo, leu pela primeira vez a Bíblia. Tendo sido tomado
de um imenso desejo de ter uma comunhão mais estreita com Deus, resolveu ser
monge e entrou na Ordem dos Agostinianos, no ano de 1505, tornando-se frade em
1507. Lutero levava uma vida de simplicidade, de jejum e orações. A leitura da
Bíblia lhe havia despertado a consciência.
Em 1510 esteve sete meses em Roma, a fim de tratar assuntos relacionados com a
Ordem, e voltou de lá impressionado com o que vira: luxo, pompa, casas suntuosas
para os monges que não raro de banqueteavam fartamente. E não apenas isso. Ele
se encheu de espanto ao ver a iniqüidade entre o clero, “gracejos imorais dos
prelados, profanação durante a missa, desregramento e libertinagem”. “Ninguém
pode imaginar”, escreveu ele, “que pecados e ações infames se cometem em Roma...
Se há inferno, Roma está construída sobre ele”.
Ainda em Roma, quando fazia penitência subindo de joelhos a “escada de Pilatos”,
ouviu uma voz dizendo: “O justo viverá pela fé” (Rm 1.17). Entendeu, então, que
os homens não podem alcançar a salvação por ritos, sacramentos e penitências,
como ensinava Roma.
Lutero se indignou com a venda de indulgências. Pecados cometidos, ou os que
porventura fossem praticados no futuro, eram perdoados pela Igreja, bastando que
o pecador pagasse certa quantia. Lutero pregava que somente o arrependimento e a
fé em Jesus Cristo poderiam salvar o pecador. O destemido sacerdote resolveu
tomar uma atitude extrema. No dia 31 de outubro de 1517 afixou na porta da
igreja do castelo de Wittenberg, cidade da Alemanha, noventa e cinco teses
contra as indulgências, fato que teve grande repercussão. Era a primeira vez que
um servo do papado se rebelava com tão grande ousadia. Com base na Bíblia,
mostrava que o papa nem qualquer homem pode perdoar pecados. “Mostrava que a
graça de Deus é livremente concedida a todos os que O buscam com arrependimento
e fé”. Rapidamente os ensinos de Lutero se espalharam pela Europa, e as verdades
bíblicas começaram a se instalar nos corações. “Assim será a palavra que sair da
minha boca: ela não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz, e
prosperará naquilo para que a enviei” (Isaías 55.11).
“Aquele que deseja proclamar a verdade de Cristo ao mundo, deve esperar a morte
a cada momento”. Com esse pensamento Lutero se dirigiu a Augsburgo, cidade
alemã, onde se defrontaria com os representantes do papa Leão X (1513-1521). O
prelado inquisidor, cheio de ódio, disse-lhe: “Retrate-se ou mandá-lo-ei a
Roma”. Roma seria o fim do caminho, o caminho da morte, a morte na fogueira, tal
qual acontecera com seu amigo John Hus. Na madrugada do dia seguinte, estando a
cidade às escuras, Lutero conseguiu se evadir de Augsburgo contando, para isso,
com a ajuda de amigos. Escapou milagrosamente das mãos do representante papal
que intentara prendê-lo.
Embora diante de tantas dificuldades, já classificado de herege, excomungado e
condenado, Lutero não diminuiu suas severas críticas ao papado e às doutrinas
romanas. Disse: “ Estou lendo os decretos do pontífice e... não sei se o papa é o
próprio anticristo, ou seu apóstolo...” Enquanto a Igreja de Roma subtraía
elevados recursos financeiros ao povo, com heresias, superstições e ameaças,
Lutero se aprofundava no estudo da Bíblia. Declarava abertamente que não havia
distinção entre pecado mortal e pecado venial, pois afirmava, “pecado é pecado,
sem gradação, e qualquer pecado leva ao inferno, pois afasta o pecador de Deus”.
Boa parte de seus sermões era destinada a protestar contra o comércio das
indulgências, dizendo que estas eram inúteis. E perguntava: “Se o Papa pode
libertar as almas do purgatório quando lhe dão dinheiro, por que não esvazia de
uma vez o purgatório?”
A um enviado do papa Leão X, que lhe propôs uma reconciliação e alegou, como
argumento, a autoridade do papa, Lutero respondeu com firmeza: “Só na Bíblia e
não no papa reside a autoridade”. E continuou: “O próprio Cristo é o chefe da
Igreja e não o papa. Não lhe é permitido estabelecer um artigo de fé, sem base
bíblica. O papa é soberano legítimo, não com direito divino, mas humano”.
No dia 15 de junho de 1520, com a bula Exurge, o papa Leão X “condenou quarenta
e uma proposições de Lutero, ameaçando-o de excomunhão, se não se retratasse
dentro de sessenta dias”. Essa bula condenava, em suma, a liberdade de
consciência. O historiador Schaff assim definiu o documento: “Podemos inferir
daquele documento em que estado de servidão intelectual estaria o mundo
atualmente, se o poder de Roma houvesse conseguido esmagar a Reforma. Difícil
será avaliar quanto devemos a Martinho Lutero, no terreno da liberdade e do
progresso...” Num gesto memorável de audácia, destemor e ousadia, Lutero queimou
a bula papal em praça pública a 10 de dezembro de 1520.
Por mais de uma vez Lutero compareceu diante dos emissários de Roma. Aconselhado
a não se apresentar em razão do risco que corria, Lutero respondeu: “Ainda que
acendessem por todo o caminho de Worms a Wittenberg uma fogueira... em nome do
Senhor eu caminharia pelo meio dela; compareceria perante eles... e confessaria
o Senhor Jesus Cristo”.
Na presença do imperador Carlos V, da Alemanha, de príncipes e delegados de
Roma, que esperavam uma retratação do excomungado herege, Lutero falou: “A menos
que eu seja convencido pelo testemunho das Escrituras, não posso retratar-me e
não me retratarei, pois é perigoso a um cristão falar contra a consciência. Aqui
permaneço, não posso fazer outra coisa; queira Deus ajudar-me. Amém”.
As tentativas de reconciliação do sacerdote Martinho Lutero com o papado, ou
seja, os planos de fazê-lo voltar ao aprisco de Roma fracassaram todos:
“Consinto em que o imperador, os príncipes e mesmo o mais obscuro cristão,
examinem e julguem os meus livros; mas sob uma condição: que tomem a Palavra de
Deus como norma. Os homens nada têm a fazer senão obedecer-lhe. No tocante à
Palavra de Deus e à fé, todo cristão é juiz tão bom como pode ser o próprio
papa, embora apoiado por um milhão de concílios. Deus não quer - dizia ele - que
o homem se submeta ao homem, pois tal submissão em assuntos espirituais é
verdadeiro culto, e este deve ser prestado unicamente ao Criador”. Alertado de
que estava proibido de subir ao púlpito, recusou-se a obedecer: “Nunca me
comprometi a acorrentar a Palavra de Deus, nem o farei”.
Tão logo expirasse o prazo de um salvo-conduto que o imperador lhe concedera,
Lutero, conforme resolução do Concílio, deveria ser preso, todos os seus
escritos destruídos; a ninguém era permitido dar-lhe comida ou bebida, e os seus
discípulos sofreriam igual condenação. Isto, em outras palavras, significava
FOGUEIRA. O plano de Deus era outro. Para livrá-lo da morte, um grupo de amigos
“seqüestrou” a Lutero e o transportou, através da floresta, para o castelo de Wartburgo, construído nas montanhas, e de difícil acesso. Em 1534 traduziu a
Bíblia para o alemão e escreveu muitas obras. O líder da Reforma Protestante
faleceu em 1546 na sua cidade natal de Eisleben, na Saxônia, Alemanha (Coleção
Vidas Ilustres – Líderes Religiosos, Ruth Guimarães, Editora Cultrix,
pg.237/253).
William Gardiner – Inglês protestante da cidade-porto de Bristol, desenvolveu
seus estudos em Lisboa a partir dos 23 anos de idade. Indignado com as práticas
idólatras que grassava em Portugal, decidiu trabalhar em prol de uma reforma
religiosa naquele país. Estava preparado para morrer por essa causa, mas
faltou-lhe prudência. Durante a cerimônia de casamento do filho do rei de
Portugal e a Infanta da Espanha, estando a catedral lotada por pessoas de todas
as classes, não suportou ver a adoração à hóstia. “Correu até o cardeal, tomou a
hóstia em suas mãos, e pisoteou-a”. Ali mesmo foi ferido com um golpe de espada.
Indagado pelo rei, respondeu: “Faço isso por uma honrada indignação ao ver as
ridículas superstições e idolatrias aqui praticadas”. Depois de haver sofrido
terríveis torturas, Gardiner foi assado em fogo lento (5).
Encimas – Queimado vivo por ordem do papa e de um conclave de cardeais porque se
converteu ao protestantismo. Um irmão dele foi preso porque encontraram em seu
poder um Novo Testamento em castelhano, mas fugiu do cárcere antes de ser
executado. A igreja Católica não admitia distribuição ou leitura da bíblia em
outras línguas (6).
Fanino - Erudito secular, ganhou muitas almas para Cristo. Mesmo sabendo pela
boca dos inquisidores que sua família ficaria na miséria, não apostatou da fé.
Respondeu que estava entregando sua família aos cuidados do excelente
administrador Jesus Cristo. No dia da execução estava muito feliz. Instado a
falar, pronunciou suas últimas palavras: “Cristo susteve toda a angústia e lutou
com o inferno e a morte por nossa causa. Através de seus padecimentos, quem nele
crê é livre de temores”. Foi estrangulado, e seu corpo, queimado. As cinzas
foram espalhadas pelo vento (7).
Dominico – Erudito militar, tornou-se um zeloso protestante. Após
apresentar o
papa como o Anticristo, foi preso. Quando consultado da possibilidade de
renunciar às suas doutrinas, respondeu: “Minhas doutrinas?! Não sustenho
doutrinas próprias. O que prego são doutrinas de Cristo, e por elas darei meu
sangue. E ficarei feliz em padecer pela causa de meu Redentor”. Sofreu o
martírio do enforcamento na praça do mercado (8).
A lista das vítimas da perseguição religiosa parece interminável. O inglês John
Fox (1517-1587), perseguido durante o reinado da rainha Maria, a Sangrenta, na
Inglaterra, no tempo da Inquisição, deixou-nos um minucioso relato dos massacres
e crueldades contra os protestantes, homens e mulheres que deram suas vidas em
prol da causa do Evangelho. São relatos impressionantes não só pela demonstração
de fé desses mártires, mas também pela brutalidade de seus algozes. Conforme
relato do referido compêndio, o papa milanês Pio IV, em 1560, ordenou “que todos
os protestantes fossem severamente perseguidos nas províncias italianas, e um
grande número de pessoas de todas as idades, classes sociais e de ambos os sexos
sofreu o martírio”. Sobre esse massacre, um certo católico romano, erudito e
humano, escreveu a um nobre senhor: “Não posso, meu senhor, deixar de revelar os
meus sentimentos a respeito das perseguições que ocorrem na atualidade. Creio
que se trata de algo cruel e desnecessário. Tremo ante a forma pela qual a morte
é aplicada. Parece mais um matadouro onde se degolam carneiros e ovelhas, do que
a execução de seres humanos... Minhas lágrimas caem agora sobre o papel... Outra
coisa devo mencionar: a paciência com que enfrentavam a morte... oravam
fervorosamente a Deus com muito ânimo” (9).
Antonio Ricetti, cidadão de Veneza, Itália, ano de 1542, sob a liderança do papa
romano Paulo III. “Um bom cristão tem o dever de entregar não somente os seus
bens e os seus filhos, senão também a própria vida, para a glória de seu
Redentor; por isso, estou decidido a sacrificar tudo neste mundo passageiro, por
amor à salvação em um mundo que permanecerá eternamente”. Com estas palavras Ricetti rejeitou renunciar a sua fé, como sugerido por seu filho, e não aceitou
uma propriedade rural oferecida pelos papistas, caso abraçasse a fé católica.
Com uma pesada pedra amarrada aos seus pés, foi jogado no mar. Igual destino
teve o italiano Francisco Spinola (10).
Juan Mollius, italiano, professor, sacerdote aos 18 anos, ao ler as verdades do
Evangelho descobriu os erros da Igreja de Roma, dentre outros,
Purgatório,
Transubstanciação, Missa, Confissão Auricular, Oração pelos Mortos, Hóstia,
Peregrinações, Extrema-Unção, Cultos em idioma desconhecido, e outros. Foi
enforcado em 1553, tendo o corpo queimado (11).
Francis Gamba – Preso e condenado à morte pela sentença de Milão, Itália. No
local da execução, um monge apresentou um crucifixo a ele, a quem Gamba disse:
‘Minha mente está tão cheia dos verdadeiros méritos e da verdadeira bondade de
Cristo que não quero um pedaço de pau sem sentido para fazer-me pensar Nele’.
Por causa dessa expressão sua língua foi arrancada e ele foi em seguida
queimado. Igual destino tiveram Juan Alloysius, Algério e Jacob Bovellus (12).
Um certo moço inglês, que estava em Roma, ao ver a procissão da eucaristia,
gritou: “Miseráveis idólatras, que deixais ao verdadeiro Deus para adorar a um
pedaço de comida”. Por ordem do papa, foi levado amarrado ao tronco pelas ruas
de Roma; teve sua mão direita cortada, e finalmente queimado. Outro que sofreu o
martírio das chamas, logo após o do moço inglês, foi um venerável ancião, que
assim reagiu ao ver um crucifixo diante de seus olhos: “Se não tirares este
ídolo de diante de minha vista, me obrigas a cuspir nele”
Cipriano Bustia foi lançado aos cães porque, com as seguintes palavras, rejeitou
o convite de tornar-se católico: “Prefiro antes renunciar à vida, ou até mesmo
tornar-me um cão”. Pablo Clemente, ao ver alguns cadáveres de protestantes, que
lhe foram apresentados como meio de conseguir sua retratação, disse: “Podeis
matar o corpo; porém, não podeis prejudicar a alma de um verdadeiro crente; e
acerca do terrível espetáculo que me mostrastes, podeis ter a certeza de que a
vingança de Deus alcançará os assassinos desta pobre gente, e os castigará pelo
sangue inocente derramado”. Foi imediatamente enforcado (13).
Nos Vales de Piemonte, no século XVIII, no noroeste da Itália, país onde a
Igreja Católica detinha inegável supremacia e poder absoluto,
inúmeras vidas
foram ceifadas porque rejeitaram a proposta de retratação. O “êxito” das
atrocidades nessa região deveu-se ao empenho do duque de Sabóia, de comum acordo
com o papa Clemente VIII (1592-1605). Vejamos uma amostra das atrocidades.
Sebastião Basan foi atormentado por quinze meses e depois
queimado; Sara Rastignote des Vignes, de 60 anos, ao recusar rezar a alguns santos,
foi
destripada e degolada; a jovem Martha Constantine foi
violentada pelos soldados,
teve os seios cortados, morrendo em conseqüência da hemorragia; o protestante
Pedro Symonds, de 80 anos, foi jogado em um precipício, amarrado pelos pescoço e
calcanhares; Esay Garcino, cortado em pedaços; Jacob Perrin e
Maria Raymondete,
esfolados vivos; Magdalena Pilot,
esquartejada; Giovanni Pelanchion, por recusar
tornar-se papista, foi amarrado a uma mula e arrastado pelas ruas de Lucerna, e
depois degolado; Jacob Michelino, presbítero de uma igreja, e vários
protestantes, foram pregados por meio de garfos fixados em seus ventres;
Giovanni Rostagnal, um protestante de oitenta anos, teve suas
orelhas e nariz
cortados e assim encontrou ficou sangrando até morrer (14).
NOTAS:
01)JANUS, O Papa e o Concílio, 2a ed., tradução e introdução por Rui Barbosa,
São Paulo, Saraiva, 1930,
pp. 521/2
02)DONATO, Hernani, Coleção Vidas Ilustres, vol.VI, Editora Cultrix, 1961, pp.
147,151,152. E artigos diversos na Internet.
03)WHITE, Ellen G., O Grande Conflito, Casa Publicadora Brasileira, Ed.
Condensada, 1992, pp.50/59.
04)Ibid. pp.68/71
05)FOX, John, O Livro dos Mártires, publicado em latim
em 1554, 1a ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2001, p. 86
06) Ibid. p. 100
07) Ibid. p.100/101
08) Ibid.p.101
09) Ibid.p.117/118
10) Ibid. p.114/115
11) Ibid. p.116
12) Ibid. p.117
13) Ibid.p.127/129
14) Ibid. pp. 120/125
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A promessa dita divina é:
»SALMOS [91]
"1 Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Todo-Poderoso
descansará.
2 Direi do Senhor: Ele é o meu refúgio e a minha fortaleza, o meu Deus, em quem
confio.
3 Porque ele te livra do laço do passarinho, e da peste perniciosa.
4 Ele te cobre com as suas penas, e debaixo das suas asas encontras refúgio; a
sua verdade é escudo e broquel.
5 Não temerás os terrores da noite, nem a seta que voe de dia,
6 nem peste que anda na escuridão, nem mortandade que assole ao meio-dia.
7 Mil poderão cair ao teu lado, e dez mil à tua direita; mas tu não serás
atingido.
8 Somente com os teus olhos contemplarás, e verás a recompensa dos ímpios.
9 Porquanto fizeste do Senhor o teu refúgio, e do Altíssimo a tua habitação,
10 nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda.
11 Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em
todos os teus caminhos.
12 Eles te susterão nas suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra.
13 Pisarás o leão e a áspide; calcarás aos pés o filho do leão e a serpente.
14 Pois que tanto me amou, eu o livrarei; pô-lo-ei num alto retiro, porque ele
conhece o meu nome.
15 Quando ele me invocar, eu lhe responderei; estarei com ele na angústia,
livrá-lo-ei, e o honrarei.
16 Com longura de dias fartá-lo-ei, e lhe mostrarei a minha salvação."
Mas os fatos mostram que nenhuma proteção há para quem acredita nesse deus.
* Pensam os religiosos que seu deus tenha
livrado Jonh Wycliffe da fogueira. Se fosse esse suposto deus que o tivesse
livrado, tê-lo ia mantido vivo, e o teria feito também com outras vítimas da fé.
O "ataque de paralisia" deve ter sido resultante de um acidente vascular cerebral,
coisa desconhecida na época, que o matou.
Não obstante creiam que o deus perfeito, justo, bom seja
fiel em suas promessas, nenhum deus, nenhum jesus, nenhum anjo, ou
qualquer outro ser imaginário apareceu para defender essas pessoas tão sinceras
que acreditavam estar defendendo a verdade divina contra outros que também
estavam convictos de estar defendendo a palavra do mesmo deus. Aí está o
risco de uma igreja comandar o poder político. Toda sorte de mal é feita
em nome do bem.
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RELACIONAMENTO RELIGIOSO
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