GLADIADORES PRONTOS PARA A BATALHA

 

“Prontos para a batalha”: os gladiadores da IURD
por David Ayrolla · 5 de março de 2015

Causou polêmica a divulgação recente de vídeos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) do Ceará apresentando jovens fiéis marchando, vestindo fardas militares pretas e verdes, prestando continência e gritando palavras de ordem. Este grupo, intitulado “Gladiadores do Altar”, faz parte de um programa de formação de evangelizadores realizado pela Universal e motivou um intenso debate sobre a natureza e os riscos de uma legião religiosa com formação militar surgindo no país.

De um lado, há aquela parcela da sociedade que vê nisto uma ameaça a um país laico mas predominantemente religioso, como o nosso. Do outro, há aqueles que entendem este “exército” apenas como um simbolismo que, além de não representar nenhum perigo, seria apenas uma forma pensada pela IURD para incentivar os jovens a pregar o evangelho. Quem está com a razão?

Muito embora nem todas as disputas argumentativas tenham uma resposta tão evidente, a esta é relativamente fácil de se chegar. Mesmo que a IURD tenha a melhor das intenções (e isso é discutível), claramente a criação de um exército religioso incorre em risco para uma sociedade como a nossa!

Ainda que o simbolismo militar esteja presente na nomenclatura ou na estrutura de outras organizações a redor do mundo (como o “Exército da Salvação” ou os escoteiros), o risco aqui é o de unir dois componentes conhecidos por gerar uma mistura instável e de fácil combustão: fé religiosa e disciplina militar. Enquanto a primeira dá a justificativa para qualquer atitude em nome da sua crença, a segunda fornece as ferramentas necessárias para doutrinar e preparar soldados para se submeterem a qualquer ordem, sem questionamento. E ambas têm todos os dispositivos necessários a gerar fanáticos cegos pelos seus ideais.

Não obstante haja um certo exagero em afirmar que a formação desta legião da IURD implicará inexoravelmente na criação de um grupo paramilitar, é inegável que o que se forma ali é um grupo treinado para, no mínimo, parecer com um exército. É um simbolismo perigoso, ainda mais para uma esfera alinhada com alguns preceitos ideológicos da extrema-direita. É inevitável que se tema que, ainda que criada com fins pacifistas, esta ferramenta possa sair do controle, sobretudo com a mudança gradual das lideranças e do avanço do radicalismo religioso no país. A história é rica em casos semelhantes.

Basta um mero exercício de imaginação e podemos conjecturar o que pode acontecer se, em um única destas unidades, um líder fundamentalista considerar que, digamos, um terreiro de umbanda ou um evento ateísta nas proximidades é ofensa demasiada para uma crença que possua tropas à disposição. A ferramenta está lá, e o fundamentalismo não é conhecido por ponderar seus atos. Não é necessário que se pegue em armas para que se intimide alguém, sobretudo se o que você tem é uma legião submissa incondicionalmente. O que pode se seguir a isso é o inqualificável…

Os Gladiadores do Altar já contam com 4.300 participantes, e não se restringem apenas à unidade do Ceará, espalhando-se por igrejas da Universal espalhadas por todo o país (e também já no exterior). Seu logotipo é o gládio (espada de lâmina curta utilizada pelas legiões romanas) e um escudo. Entre seus lemas, está o bordão “Prontos para a batalha!”. A pergunta que obviamente surge é: batalha contra o quê? Quem é o inimigo, corpóreo e concreto, que demanda uma legião física para enfrenta-lo?

Depois da polêmica, vários vídeos da Universal mostrando reuniões do grupo, que em tudo se assemelhavam ao ritual militar de reunião e doutrinação de tropas, foram retirados do ar. Se o objetivo do grupo é nobre e a preocupação é injustificada, qual o motivo da retirada destes vídeos? Terá a IURD percebido a contradição inerente à criação destas tropas?

As armas dos gladiadores eram gládios, maças, tridentes e outras armas mortíferas, não palavras ou ensinamentos. E um exército impõe seus objetivos não pela argumentação ou pela educação, e sim pela força. Não há simbolismo mais destoante para quem alega promover a paz e o amor!

David Ayrolla é carioca, mas tem dúvidas se nasceu no planeta certo. Cético até a medula, vê na ciência e na filosofia as melhores ferramentas para a compreensão do universo. Vlogger do canal PAPO DE PRIMATA, tem como principais hobbies cinema, literatura e discussões acaloradas com os amigos (de preferência, regadas a cerveja bem gelada).

http://papodeprimata.com.br/prontos-para-a-batalha-os-gladiadores-da-iurd/

 

 

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