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De como Charles Darwin concebeu A Origem
das Espécies
e aprofundou suas teses
Carlos Graieb
Marc Deville
Embora os gênios costumem ser representados como
pessoas "inspiradas", que têm idéias brilhantes a partir do vácuo, o fato é que
quase sempre o inverso é verdadeiro. Em vez de ser atingidos por um raio
fulminante, homens que entram para a História como luminares trabalham anos e
anos em suas teses revolucionárias. O naturalista inglês Charles Darwin
(1809-1882) é um ótimo exemplo disso. Ele ficou conhecido como o pai do
evolucionismo. Sua teoria diz que as várias espécies de vida não foram criadas
já "prontas", mas evoluíram no correr das eras, obedecendo ao princípio da
"seleção natural". Quando Darwin é mencionado, é inevitável que logo em seguida
surja o nome de sua obra-prima, A Origem das Espécies (1859), em que ele
condensou suas idéias pela primeira vez. Mas Darwin não foi autor de um livro
só. Ele trabalhou na teoria da evolução por vinte anos, antes de publicá-la. E,
nos anos que se seguiram a 1859, continuou apurando seus argumentos. Será que é
importante conhecer os textos que vieram antes e depois de A Origem das
Espécies? É claro que sim, e uma prova em dose dupla acaba de chegar às
livrarias. O Darwin "aprendiz" está em As Cartas de Charles Darwin
(tradução de Vera Ribeiro; Unesp/Cambridge; 339 páginas; 32 reais), uma
excelente coletânea que cobre os anos de 1825 a 1859. Já o Darwin maduro, que
aprofunda suas teses, está em A Expressão das Emoções no Homem e nos
Animais (tradução de Leon de Souza Lobo Garcia; Companhia das Letras;
376 páginas; 26 reais), um clássico traduzido pela primeira vez para o
português.
Enquanto
escrevia A Origem das Espécies, Darwin se viu atormentado por uma dúvida:
abordar ou não a evolução humana. Ele sabia que os religiosos atacariam
violentamente o livro. Falar sobre o homem era jogar mais lenha na fogueira.
Assim, ele apenas deixou implícito que os humanos tinham evoluído de ancestrais
primitivos, em vez de ter sido sido criados "à imagem e semelhança de Deus". Uma
discussão minuciosa só veio bem mais tarde, com os dois volumes de A
Descendência do Homem (1871) e, posteriormente, com A Expressão das
Emoções no Homem e nos Animais. Este último, lançado em 1872, visava à
derrubada de um tabu: o de que apenas os homens podem externar emoções, pois seu
rosto foi esculpido para expressar "as coisas sutis do espírito". A primeira
parte da argumentação no livro talvez pareça banal, mas não era tão fácil de
engolir 130 anos atrás. Observando animais domésticos e selvagens, Darwin
demonstra que a habilidade de expressar emoções não é algo que torne os humanos
especiais, pelo contrário: é algo que compartilhamos com todos os outros bichos.
A segunda parte do argumento é mais importante. Ela diz que os "movimentos
expressivos" também são fruto da evolução, ou seja, se consolidaram nas espécies
ao longo do tempo. Segundo Darwin, o fato de as expressões humanas serem as
mesmas entre ingleses e nativos da Polinésia não quer dizer que todos foram
"criados iguais", mas sim que são descendentes de um mesmo ancestral.
Darwin
passou uma década procurando a melhor forma de abordar "o problema do homem".
Foram precisos quase vinte anos para que ele desse forma à teoria da evolução.
No volume de sua correspondência, há páginas fundamentais sobre seu método de
trabalho, suas dúvidas e certezas. Em 1844, por exemplo, ele fez suas primeiras
confissões a um colaborador: "Estou quase convencido de que as espécies não são
(isto é como confessar um assassinato) imutáveis". Mas há muito mais nas cartas:
opiniões políticas, relatos de viagem, intimidades. Por meio delas pode-se
constatar, por exemplo, o ferrenho antiescravismo de Darwin. No campo das
viagens, a mais importante é sem dúvida a que ele empreendeu a bordo do
Beagle, um navio que o trouxe aos trópicos, onde recolheu amostras de flora
e fauna e teve os primeiros lampejos da teoria da evolução. No trajeto, Darwin
passou pelo Brasil. Aportou na Bahia e no Rio de Janeiro e, em 1º de março de
1832, fez uma descrição de Salvador, deixando-se contaminar pelo espírito da
terra: "Dá vontade de levar uma vida sossegada numa região assim". Um dos
aspectos mais curiosos da vida de Darwin foi sua saúde: ele sofria com
misteriosas dores de estômago, tinha tremores e vômitos incontroláveis. As
causas dessa doença nunca foram esclarecidas, mas a epopéia estomacal está toda
registrada nas cartas.
O século XX foi pródigo na derrubada de totens. Karl
Marx veio ao chão com o Muro de Berlim. Sigmund Freud ficou capenga, pois muitas
de suas hipóteses não puderam ser comprovadas. Mas Darwin resistiu e resiste aos
ataques mais duros. Hoje, a maioria de seus opositores se reúne sob o rótulo do
criacionismo. Eles continuam defendendo a idéia de que Deus criou as formas de
vida tais como elas são. De tempos a tempos, até obtêm uma vitória política.
Em 1999, no Estado americano do Kansas, impediram por lei
que a evolução fosse ensinada em algumas escolas.
Mas, no campo estritamente científico, não adianta espernear: a biologia é uma
disciplina darwinista. A cada dia surgem novas linhas de estudo ancoradas no
darwinismo. Os pesquisadores podem até discordar em minúcias. Uns dizem que a
evolução é gradual; outros, que ela ocorre em saltos. Mas um ponto ninguém põe
em questão. E ele é justamente a genialidade de Darwin.
Espírito animal
Em trechos do livro de
1872, Charles Darwin mostra que a expressão de sentimentos não é prerrogativa do
gênero humano, e sim algo comum a várias espécies. Alguns exemplos
O medo nos cães
Mesmo o mais fraco dos medos é invariavelmente demonstrado
colocando-se o rabo entre as pernas. Esse gesto é acompanhado
pelo repuxar das orelhas; mas elas não são coladas contra a cabeça como quando o
cão rosna e também não são abaixadas como quando ele se sente satisfeito e
afetuoso.
A afeição nos gatos
Eles se mantêm em pé, de costas levemente arqueadas, cauda erguida
perpendicularmente e orelhas em pé. O desejo de roçar-se em alguma coisa é tão
forte nesse estado de espírito que eles freqüentemente podem ser vistos
roçando-se contra pés de cadeiras e mesas, ou contra batentes de porta.
A fúria nos cavalos
Os cavalos, quando enfurecidos, jogam suas orelhas para trás, projetam a cabeça
e descobrem parcialmente os dentes incisivos, prontos para morder. Quando
dispostos a dar coices, geralmente, por hábito, repuxam as orelhas; e seus olhos
voltam-se para trás de maneira peculiar.
O prazer nos macacos
Eles mostram os dentes e soltam uma espécie de risada. Tão logo sua risada
desaparece, uma expressão, que podemos chamar de um sorriso, passa pelo seu
rosto. Ou seja, uma expressão de satisfação, da mesma natureza que um sorriso
incipiente e semelhante àquela tantas vezes vista no rosto do homem, pode ser
nitidamente reconhecida nesse animal.
http://veja.abril.com.br/110209/p_072.shtml
Ver mais sobre a genialidade de Darwin
em O DNA, CÓDIGO DA VIDA.
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