|
|
|
|
SENTENÇA DE TIRADENTES
"Mostra-se que entre os chefes, e cabeças da Conjuração, o primeiro que suscitou
as ideas de república foi o Réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o
Tiradentes, Alferes que foi da Cavallaria paga da Capitania de Minas, o qual há
muito tempo, que tinha concebido o abominavel intento de conduzir os povos d'aquelia
Capitania a uma rebelião, pela qual se subtrahissem da justa obediência devida à
dita Senhora, formando para este fim publicamente discursos sediciosos, que
foram denunciados ao Governador de Minas antecessor do actual, e que então sem
nenhuma razão foram despresados, como consta afl. 74, folhas 68v., folhas 127v.,
e fl. 2ª do Ap. n. 8 da devassa principiada n'esta cidade: e supposto que
aquelles discursos não produzissem n'aquelle tempo outro effeito mais do que o
escandalo e abominação que mereciam, com tudo, como o réo viu que o deixavam
formar impunemente aquelias criminosas praticas, julgou por occasião mais
oportuna para continuaras com maior efficacia no armo de Jesus Christo de 1788,
em que o actual governador de Minas tomou posse do governo da capitania e
tratava de fazer lançar a derrama para completar o pagamento das cem arrobas de
ouro, que os povos de Minas se obrigaram a pagar anualmente pelo offerecimento
voluntário que fizeram em 24 de março de 1734, aceito e confirmado pelo Alvará
de 3 de Dezembro de 1750, em lugar da capitação desde então abolida.
Porem persuadindo-se o réo que o lançamento da derrama para completar o computo
das cem arrobas de ouro não bastaria para conduzir os povos à rebellião, estando
elles certos em que tinham offerecido voluntariamente aquelle computo como um
subrogado muito favoravel em lugar do quinto do ouro que tirassem nas minas, que
são um direito real em todas as monarchias, passou a publicar que na derrama
competião a cada pessoa as quantias que arbitrou, que seriam capazes de
atemorizar os povos, e a pretender fazer com temerario atrevimento e horrenda
falsidade odioso o suavíssimo e iluminadissimo governo da dita senhora, e as
sabias providencias dos seus ministros de Estado, publicando que o actual
governador de Minas tinha trazido ordem para opprimir e arruinar os leaes
vassalios da mesma senhora, fazendo com que nenhum d'elles pudesse ter mais de
dez mil cruzados, o que jura Vicente Vieira da Motta a fl. 60, e o tenente
coronel Basilio de Brito Malheiro a fl. 52v., ter ouvido d'este réo, e a fl.
108, da devassa tirada por ordem do governador de Minas, e que o mesmo a ouvira
a João da Costa Rodrigues a fl. 57 e ao conego Luiz Vieira a fl. 60 da devassa
tirada por ordem do vice-Rei do Estado.
Mostra-se que tendo o réo Tiradentes publicado aquelias horríveis e notorias
falsidades, como alicerce da infame machina que pretendia estabelecer,
communicou, em Setembro de 1788 as suas perversas idéas ao réo José Alvares
Maciel, visistando-o n'esta cidade a tempo que o dito Maciei chegava de viajar
por alguns reinos estrangeiros para se recolher à Vilia-Rica, de onde era
natural, como consta a fl. 10 do Ap. n. 1 e fl. 2 do Ap. n. 112 da devassa
principiada nesta cidade; e tendo o dito réo Tiradentes encontrado no mesmo
Maciei não só approvação, mas também novos argumentos que o confirmaram nos seus
execrandos projectos, como se prova a fl. 10 do dito Ap. n. 1 e a fi. 7 do Ap.
n. 4 da dita devessa, sahiram os referidos réos d'esta cidade para Vilia-Rica,
capital da capitania de Minas, ajustados em formarem o partido para rebelião; e
com effeito o dito réo Tiradentes foi logo de caminho e examinando os animos das
pessoas a quem faltava, como foi aos réos José Ayres Gomes e padre Manoei
Rodrigues da Costa: chegando à Vilia-Rica, a primeira pessoa a quem os
sobreditos dois réos Tiradentes e Maciei faltaram foi ao réo Francisco de Paula
Freire de Andrade, que então era tenentecoronel commandante da tropa paga da
capitania de Minas, cunhado do dito Maciei; e supposto que o dito Francisco de
Paula duvidasse no princípio conformar-se com as idéias d'aquelles dois perfidos
réos, o que confessa o dito Tiradentes a fl. 10 v. do dito Ap. n. 1, comtudo,
persuadito pelo mesmo Tiradentes com a falsa asserção de que n'esta cidade do
Rio de Janeiro havia um grande partido de homens de negócio promptos para
ajudarem a sublevação, tanto que elia se effectuasse na capitania de Minas, e
pelo réo Maciel seu cunhado, com a phantastica promessa de que logo se
executasse a sua infame resolução, teriam socorros de potências estrangeiras,
referindo em confirmação d'isto algumas praticas, que dizia ter por lá ouvido,
perdeu o dito réo Francisco de Paula todo o receio, como consta a fl. 10 v e fl.
11 do Ap. n. 1, e fl. 7 do Ap. n. 4 da devassa desta cidade, adoptando os
perfidos projectos dos ditos dois réos para formarem a infame conjuração de
estabelecerem na capitania de Minas uma república independente.
Mostra-se quanto ao réo Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes,
que esta monstruosa perfídia depois de recitar naquelas escandalosas, e
horrorosas assembéas as utilidades, que reultariam do seu infame projecto, se
encarregou de ir cortar a cabeça ao General, como consta a fl. 103 v. e fl. 107
e Aps. n. 4, fl. 10 e n. 5 a fls. 7v. da devassa d'esta cidade, e fis. 99v. da
devassa de Minas, e conduzindo-a faria patente ao povo e tropa, que estaria
formada na maneira sobredicta, não obstante dizer o mesmo réo a f I. 1 1 v. do
Ap. n. 1, que só se obrigou a ir prender o mesmo General, e conduzilo com sua
família fora dos limites da capitania, dizendo-lhe, que se fosse embora;
parecendo-lhe talvez que com esta confissão ficaria sendo menor o seu delicto.
Mostra-se que este abominavel réo ideou a forma da bandeira que devia ter a
república, que devia constar de tres triangulos com aliusão ás tres pessoas da
Santissima Trindade, o que confessa a fl. 12 do Ap. n. 1, ainda que contra este
voto prevaleceu o réo Alvarenga, que se lembrou de outra mais ailusiva à
liberdade, que foi geralmente approvada pelos conjurados.
Tambem se obrigou o dito réo Tiradentes a conduzir para a sublevação a todas as
pessoas que pudesse. Confessa a fl. 12 Ap. n. 1, e satisfez ao que prommeteu
fallando em particular a muitos, cuja fidelidade pretendeu corromper,
principiando a expor-lhes as riquezas d'aquella capitania, que podia ser um
imperio florescente, como foi a Antonio de Affonseca Pestana, a Joaquim José da
Rocha, e n'esta cidade a João Nunes Carneiro e a Manoei Luiz Pereira, furriei do
regimento de artilharia; consta a fl. 16 e fl. 18 da devassa d'esta cidade; os
quaes como atalharam a prática por onde o réo principiava ordinariamente a
iludir os animos, não passou avante a communicar-lhes com mais clareza os seus
malvados e perversos intentos,- confessa o réo a fl. 18 v., Ap. n. 1.
Mostra-se mais que o réo se animou com sua costumada ousadia a convidar
expressamente para o levante ao réo Vicente da Motta, confessa este a fl. 73 v.,
e no Ap. n. 20, e o réo a fl. 12 v., Ap. n. 1, e era tal o excesso e
descaramento d'este réo, que publicamente formava discursos sediciosos onde quer
que se achava, ainda mesmo pelas tavernas, com o mais escandaloso atrevimento,
como se prova pela testemunha a fl. 71, 73, Ap. n. 8, fl. 3 da devassa d'esta
cidade, a fl. 58 da devassa de Minas, sendo talvez por esta descomedida ousadia,
com que mostrava ter totalmente perdido o temor das justiças e o respeito e
fidelidade devida à dita Senhora, reputado por um heroe entre os cunjurados,
como consta a fl. 102 e Ap. 4, a fl. 10 da devassa d'esta cidade.
Mostra-se mais que com o mesmo perfido animo e escandalosa ousadia partiu o réo
de Vilia-Rica para esta cidade em Março de 1789, para o intento de publicar, e
particularmente com as suas costumadas praticas convidar gente para o seu
partido, dizendo ao coronel Joaquim Silverio dos Reis, que reputava ser do
numero dos conjurados, encontrando-o no caminho perante várias pessoas - Cá vou
trabalhar para todos-o que juram as testemunhas a fis. 15 fis. 99 v. fls. 142
fls. 100 e fls. 143 da devassa d'esta cidade; e com effeito continuou a
desempenhar a perfida comissão de que se tinha encarregado nos abomináveis
conventiculos, faltando no caminho a João Dias da Motta para entrar na rebelião,
e descaradamente na estalagem da Varginha perante os réos João da Costa
Rodrigues e Antonio de Oliveira Lopes, dizendo a respeito do levante - que não
era levantar, que era restaurar a terra - expressão infame de que já se tinha
usado em casa de João Rodrigues de Macedo, sendo reprehendido de faliar em
levante, o que consta a fl. 61 da devassa d'esta cidade e a fl. 36 da devassa de
Minas.
Mostra-se que n'esta cidade fallou o réo com o mesmo atrevimento e escandalo, em
casa de Valentim Lopes da Cunha, perante várias pessoas, por ocasião de se
queixar o soldado Manoei Corrêa Vasques de não poder conseguir a baixa que
pretendia, ao que respondeu o réo, como louco furioso, que era muito bem feito
que soffresse a praça, e que o açoitassem, porque os cariocas americanos eram
fracos, vis e de espíritos baixos, porque podiam passar sem o jugo que soffriam,
e viver independentes do reino, e o toleravam; mas que se houvesse algum como
elle réo, talvez que fosse outra cousa, e elle agora receiava que houvesse
levante na capitania de Minas, em razão da derrama que se esperava, e que em
semelhantes circunstâncias seria fácil havei-o; de cujas expressões sendo
reprehendido pelos que estavam presentes, não declarou mais os seus perversos e
horríveis intentos; consta a fl. 17 e fl. 18 da devassa d'esta cidade.
E sendo o vice-rei do Estado a esse tempo já informado dos abominaveis projectos
do réo, mandou vigiar-lhe os passos, e averiguar as casas onde entrava, e de que
tendo elle alguma noticia ou avizo, dispôz a sua fugida pelo sertão da capitania
de Minas, sem dúvida para ainda executar os seos malvados intentos, se pudesse,
occultando-se para este fim em casa do réo Domingos Fernandes, aonde foi preso, achando-se-lhe as cartas dos réos
Manoel José de Miranda, e Manoel Joaquim de Sá
Pinto do Rego Fortes, para o mestre de campo lgnacio o auxiliar na fugida.
Portanto condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes,
alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas Gerais, a que, com baraço e
pregação, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da fôrca, e nela morra
morte natural para sempre e que, depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e
levada a Vila Rica, aonde, em o lugar mais público dela, será pregada em um
poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro
quartos e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das
Cebolas, aonde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de
maiores povoações, até que o tempo também os consuma; declaram o réu infame,
e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e
Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para
que nunca mais no chão edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu
dono pelo bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se
conserve em memória a infância dêste abominável réu".
(Fonte: Casos Criminais Célebres, René Ariel Dotti, RT, São Paulo, SP)
Essa de penalizar os filhos e netos pelos atos do ascendente era
ainda uma das penas de inspiração divina, como teria dito o
deus dos judeus e cristãos: “eu, o
Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos
até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam”
(Êxodo, 20: 5).
Ver mais em JUSTIÇA DIVINA NO
BRASIL
|
..
|
. |
|
|