SOMOS O QUE O CÉREBRO DETERMINA
Operário americano teve barra de metal
atravessada em cérebro, em 1848, e mudou temperamento
Phineas Gage não passou por qualquer cirurgia, perdeu o olho esquerdo e teve a
parte frontal do cérebro totalmente comprometida
Renato Grandelle
17/08/2012 - 23:47
RIO - Parte do tratamento para casos como o de Eduardo Leite tem Phineas Gage
como referência. Não se trata de um pioneiro da neurocirurgia — ao menos não no
mundo acadêmico. Gage, como Leite, era um operário. Em 1848, ele se dedicava à
abertura de novas estradas de ferro no Leste dos EUA. Aos 25 anos, à frente de
uma equipe de funcionários, ele abria ferrovias fazendo furos profundos em
rochas e enchendo-os com dinamites. Mas, num dia de trabalho em setembro daquele
ano, um fusível ficou fora do lugar, e uma explosão fez uma barra de 20
centímetros entrar sob a bochecha esquerda de Gage, sair pelo topo de seu crânio
e cair a cinco metros dali.
Não se sabe se Gage perdeu a consciência naquele momento. Mas, poucos minutos
depois, e para espanto de seus colegas, ele conseguiu andar 1,2 quilômetro até o
posto médico mais próximo. O operário não passou por qualquer cirurgia. A
abertura em seu crânio foi coberta por fitas adesivas e uma compressa.
Gage perdeu o olho esquerdo e teve a parte frontal do cérebro totalmente
comprometida — o que, para os cientistas, queria dizer pouco (ou nada) naquela
época.
— Pensava-se que o córtex frontal não tivesse uma função — explica Cristiano
Milani, coordenador do Departamento Científico de Neurorreabilitação da Academia
Brasileira de Neurologia. — Na verdade, ele é uma ligação de praticamente todas
as regiões. Comportamento, execução do raciocínio, inteligência, vontade,
memória, tudo tem associação com o córtex frontal.
Gage foi o primeiro a mostrar aos
médicos a importância da área afetada. Suas mudanças de comportamento
tornaram-no um estudo de caso. O operário, quando voltou ao trabalho, nunca mais
reconquistou a liderança de seu grupo. Antes dedicado, Gage, em sua versão
pós-acidente, era “agitado, irreverente, entregando-se às vezes à mais grosseira
profanação”, como descreveram seus patrões. Era incapaz de aceitar conselhos
ou de ver suas vontades contrariadas. Os próprios colegas diziam que aquele com
quem trabalhavam “não era mais o Gage”.
Boa parte de sua trajetória tornou-se especulação. Sabe-se que ele, infeliz na
ferrovia, procurou emprego em outros estados americanos. Gage trabalhou,
inclusive como cocheiro, e teria se apresentado como atração circense em Nova
York. Não deu certo na função e trocou seu país pelo Chile, onde morou por sete
anos. De volta aos EUA, foi morar com a mãe em São Francisco em 1859, quando sua
saúde já estava se deteriorando. Morreu no ano seguinte, aos 36, supostamente
por complicações depois de uma crise convulsiva. Não foi realizada uma autopsia
em seu cérebro.
— Recomenda-se uma avaliação neuropsicológica para casos de lesão no córtex
frontal — diz Milani.
<https://oglobo.globo.com/rio/operario-americano-teve-barra-de-metal-atravessada-em-cerebro-em-1848-mudou-temperamento-5829182>
O caso de Gage exemplifica bem que somos o
que está determinado no nosso cérebro.
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