O VOTO NO BRASIL

 

BREVE HISTÓRICO DO VOTO NO BRASIL

Noticia-se que ainda no tempo da Colônia o Brasil experimentou pela primeira vez o exercício do voto. Isto se deu por volta de 1532 na então denominada Vila de São Vicente, hoje Estado de São Paulo. O pleito destinava-se a eleger o Conselho Municipal, ou seja, era na verdade a instalação de uma unidade administrativa da coroa, ou melhor, da Colônia Portuguesa. Considerando que o Brasil foi descoberto oficialmente em 1500, temos que 32 anos passados da descoberta o Brasil votou. Começava assim o longo processo eleitoral no Brasil. Interessante é que embora em um tempo bastante distante, já naquela ocasião era proibido permanecerem no local de votação autoridades da coroa, tal medida velava para que não houvesse intimidação na hora do voto, esta era a intenção, “ao menos em tese”. Contudo, difícil acreditar piamente. Poliani Castelo Branco, (2004, P.1).

Embora se tenha notícia de que aconteceu a referida eleição para o Conselho Municipal, devemos entender e aceitar com certa reserva, visto que o voto não era um instrumento aceito deliberadamente durante o império, fosse aqui ou em qualquer outro lugar do mundo, principalmente porque nesse período histórico, reinava o império, e como cediço o regime absolutista abominava o voto. O que determinava e prevalecia era o poder de império, o rei, a coroa. Note que o escrutínio e a forma como se exerce o direito do sufrágio, merecendo anotar que a forma como se votava naqueles idos tempo, nada lembra o voto democrático da atualidade.

Segundo leciona JAIRO NICOLAU, em Democracia e os três Poderes no Brasil, subtítulo A Participação Eleitoral no Brasil (2001.p 255, ss). O voto no Brasil a exemplo do que aconteceu na Europa e América do Norte, também era restritivo, isto é, nem todos podiam votar. Tínhamos o voto censitário que levava em conta a condição econômica, o voto capacitário, onde se observava a capacidade intelectual, quanto ao sexo, só o masculino tinha direito ao voto e a idade quase sempre maiores de 21 anos.

As primeiras eleições no Brasil se davam de acordo com a legislação portuguesa, a exemplo do que falamos na introdução. Entretanto, sabemos que a primeira Constituição do império foi outorgada em 1824, logo depois de o Brasil se tornar independente de Portugal. A Carta do império não fez restrições explicitas quanto à alfabetização quanto ao direito de voto dos analfabetos, mas implicitamente proibia ou excluía estes de exercitarem o voto, porque embora não vetasse a participação exigia que a Cédula Eleitoral (não havia título de eleitor) fosse assinada. Logo, só podia assinar quem fosse alfabetizado, daí que mesmo não estando textualmente escrito. Em nosso entendimento a Constituição do Império vetou o direito de voto aos analfabetos. Em 1842 permitia-se que os analfabetos votassem e fossem votados, uma inovação.

Posteriormente o voto para os analfabetos foi novamente proibido. O primeiro título foi instituído em 1875 e tinha o nome de título de qualificação, segundo NICOLAU (2002, apud ABREU 1987, p 43), havia um espaço no título de qualificação para inserir as informações se o cidadão sabia ler e escrever. Analisando que os serviços de levantamento eram precários, esses dados constantes do título de qualificação serviram para mostrar a radiografia da população. Consta por exemplo, de acordo com dados levantados por ABREU nas listas de qualificação para as eleições de 1876 no Rio de Janeiro, que a paróquia da Candelária registrou que todos os seus eleitores eram alfabetizados, enquanto de outro lado a paróquia de Santa Cruz apresentava o pior índice de analfabetismo (57,3%). Vale dizer, segundo o mesmo autor, a Candelária apresentava-se índice de pessoas ricas e alfabetizadas, enquanto a Paróquia de Santa Cruz um dos piores índices de pobreza e analfabetismo.

No ano de 1881 editou-se uma Lei denominada Lei Saraiva, essa lei trazia garantia explicita de direito ao voto para os analfabetos, mantinha a exigência de informação em espaço próprio para saber se o eleitor sabia ler e escrever, acrescentando que outro poderia assinar por quem não soubesse.

Isso nos lembra que quando o Brasil se tornou independente surgiram as primeiras legislações eleitorais, diga-se de passagem, genuinamente brasileiras, na ocasião os eleitores podiam ceder o direito de voto a terceiras, ou seja, podia-se votar por procuração o que facilitava bastante as fraudes. As criticas dos autores há pouco citados encontra demonstram que tal possibilidade era um estímulo aos ilícitos eleitorais.

Fazendo um breve paralelo com a história eleitoral contemporânea, considerando que o ambiente era propício para coações diversas, nos parece tranqüilo que a delegação de voto era mesmo um engodo, não sendo outro entendimento a nosso sentir. Veja que o artigo 8º da mesma lei determinava que a partir do ano de 1882 os eleitores deveriam saber ler e escrever, essas verificações seriam feitas no mês de setembro sendo que deveriam fazer prova pela assinatura aposta por quem requeresse. De certo modo estabelecia-se implicitamente a exclusão de boa parte da sociedade (poucos privilegiados sabiam ler e escrever), por outro lado seguia os ditames dos Estados Europeus.

3 A RENDA E O DIREITO DE VOTO

Como suscitado em linhas passadas, durante longos tempos a renda é condição essencial para adquirir direito a voto e também para ser votado. O Brasil, não fugiu à regra, até porque era Colônia de Portugal, e essa exigência era comum tanto na Europa como na América do Norte, igualmente ocorria nos demais países da América Latina. A Constituição de 1824 estabeleceu critérios a esse respeito. Os votantes deveriam perceber uma renda líquida anual de 100$000 (cem mil réis), por bem de raiz, comércio ou emprego, estes escolhiam os eleitores, enquanto os eleitores a quem era assegurado eleger os representantes dos cargos públicos deveriam ter renda anual de 200$000 (duzentos mil réis). Valendo lembrar que tanto as eleições para a Câmara e Senado quanto para as Assembléias Provinciais se davam em dois turnos e indiretas. VIANNA (Org. 2002 p 256 ss).

No Brasil segundo conceituados autores a renda não foi o obstáculo maior ao direito de voto, porque a quantidade exigida a ser declarada era pequena, 100$ 000 para votantes (cem mil réis) e 200$000 (duzentos mil réis por ano) para eleitores. O Decreto Imperial de nº 846 de 1842 redefiniu esses valores para 200$000 e 400$000 (mil réis) respectivamente. De o que possibilitava a participação de muitos votantes e eleitores (op. cit. P.259), isso até 1875. Naquela época já havia privilégios, no que tange à comprovação,  visto que algumas categorias eram dispensadas de comprovar rendas, a exemplo dos Clérigos, oficiais militares dentre outros. Ibidem (p.258). A partir da segunda metade do século XIX muitos países adotaram a abolição da exigência de renda e propriedade para garantir direito ao voto, uma vergonha corrigida mesmo que tardiamente.  Sobre esses aspectos e características veremos em ponto apropriado mais adiante.

NICOLAU 2002 (apud SOUZA, 1979, p 26)1 relembra o texto comentado por SOUZA realçando que:

[...], porém responde-se que ninguém pode viver sem uma renda de 200$000, que o simples jornaleiro não vence por dia menos que 1$ , 1$500 e 2$000. Incluem-se, pois, na lista os cidadãos em litígio, e, por seu turno, aqueles que nesse sentido trabalham vão alegar o mesmo que haviam há pouco refutado, para excluir os votantes do adversários.

A respeito do Processo de Qualificação, aquele em que se apurava a renda, NICOLAU, (1999, apud Francisco Belizário de Souza, 1872), recita a crítica do autor à exigência de renda e propriedade, conveniência e fraude, ao sistema precário de da forma de apuração para qualificação, que entendemos apropriada conforme segue:

A condição a que se recorre mais geralmente para justificar todas as exclusões e inclusões é possuir-se ou não a renda legal. A Lei constitucional não podia definir em que consistia e como se reconhecer a renda líquida de 200$000; as leis regulamentares nunca o fizeram. A prova única que oferecem as partes litigantes perante a junta é a pior possível. A pior absolutamente falando, tanto se rebaixa o homem! E no caso especial das contendas eleitorais é prova tão má que não há termos que a qualifique. Fulano e Sicrano, os dois mais indignos miseráveis da freguesia juram, mediante qualquer paga, que 10, 20, 30 indivíduos têm renda legal para serem qualificados votantes, e tanto mais correntemente juram, quando por si nada sabem. Mas decoram bem o papel. [...].

Não há como não reconhecer a visão externada por Francisco Belisário de Souza. Em análise perfunctória, podemos observar a repudia de se exigir renda para que o homem possa exercer o seu direito inalienável de votar, rebaixa o homem a condição desprezível. Pode-se lê nas entrelinhas que há uma indignação quanto ao meio adotado para se provar renda, além da precariedade. A crítica ecoa preocupante dado que as testemunham são corrompidas para declarem falsamente. Outro aspecto importante trata-se da facilidade de manipulação, de aleijamento do processo, vez que em face das conveniências dos interessados pode-se incluir ou excluir determinada pessoa, facilitando as fraudes. Ficando assim ao talante dos qualificadores decidirem sobre as verdades fabricadas. Assevera ainda a falta de lei e a imprevisibilidade constitucional acerca dos meios de prova de renda, não há se quer um instrumento capaz de proceder à aferição de renda senão os testemunhos duvidosos.

Sobre o mesmo raciocínio anterior dado que julgamos importante a sagacidade quanto a crítica apresentada, valemo-nos mais uma vez de NICOLAU recitando a fala de Zacarias de Góes e Vasconcelos de 1876. Já naquela época havia preocupação e indignação quanto as classes e respectivos vencimentos que podiam votar. Vale citar:

Qual é o inválido, esse infeliz que tem uma perna de menos, e agite uma bandeira para guiar bondes, que não ganhe 300$000 ou 400$000 por ano? O mais humilde da ordem da indústria, um servente que carrega pedras, tijolos e barro para uma, ganha pelo menos mil tantos réis por dia: logo tem mais de 400$0000 por ano (apud PORTO, 1989, p 105).

Resta claro que as críticas confluem positivamente e depõem em favor da democracia. De modo que considerada a importância do voto, as pessoas não deveriam ser excluídas por não possuírem rendas e que os meios utilizados para apurar quem podia ou não votar eram falhos e facilmente manipuláveis. Em paralelo bastante simples de ser estabelecido, bastava aos cidadãos de hoje observarem as dificuldades encontradas para exercer o voto na ocasião citada e como o é em dias atuais, para saber reconhecer o valor do voto, verdadeiro instrumento de democracia e dignidade da pessoa.

4 ABOLIÇÃO DE RENDA COMO REQUISITO PARA O DIREITO DE VOTO

O requisito de poder econômico não foi uma peculiaridade da política brasileira, pelo contrário, a Europa considerada o berço da democracia fazia uso desse expediente bem antes do Brasil. Sendo este colônia de um país europeu não era nenhuma novidade que aqui também fosse adotado. Pois bem, como dito anteriormente o cidadão precisava apenas declarar que tinha renda ou propriedade, outros nem eram preciso e adquiriam o direito por presunção. Porém, em 1875, não bastava dizer que tinha as posses, era necessário fazer prova. Por volta de 1881 a legislação endureceu ainda mais, fazendo outras exigências para a comprovação da renda. Mesmo nessa época, algumas categorias de pessoas eram dispensadas ou isentas de comprovarem renda gozavam de privilégios ( A exemplo dos Clérigos, oficiais, Diretores de escolas, Portadores de diploma superior, dentre outros conforme explica o autor passim. ). Contudo, as exigências para a comprovação de renda atreladas ao direito de voto foram constantes e perduraram por todo o império.

De suma importância registrar uma das primeiras medidas da fase Brasil República concernente ao voto, foi a abolição da exigência de renda para todo o eleitorado. E essa mudança se deu no mesmo ano em que o Brasil proclamou a República, não custa lembrar que foi em 1889. Outros países também aboliram a exigência de renda e propriedade. Mesmo antes de países considerados berços democráticos (a exemplo da França que concedeu o direito de voto sem comprovação de renda para os homens isoladamente em 1792 e depois em 1848, Op. Cit. p 259. ) tomarem essa medida, outros, onde prevaleceu a ditadura anteciparam a abolição de tão famigerado requisito. NICOLLAU 1999 (apud KATZ, 1997, p 218 a 229).

Leciona que na América Latina, o Uruguai o fez em 1830, enquanto Colômbia 1853, Venezuela 1858, Chile 1885 e Equador 1861 foram os primeiros a dispensar a exigência da comprovação de renda e propriedade. Isto ainda no século XIX. A Argentina 1912 e Peru 1920, portanto já nas primeiras décadas do século XX seguiram o exemplo dos vizinhos países latinos.

No outro quadrante e merecendo nota, estão os países europeus, que embora tenham sido os precursores da democracia só vieram banir a exigência de renda na primeira metade do século XX. Poucos países da Europa antecederam a abolição antes da virada do século XIX. Conforme o autor citado, foram eles, Suíça 1848, Austrália 1856, Alemanha 1867, França efetivamente só aboliu a exigência 1875, Nova Zelândia 1889, Espanha 1890, Grécia 1894. Por seu turno já no século XX a tendência da abolição se tornou incontestável, a Europa adere à abolição, em 1906 Finlândia, 1907 Áustria, 1909 Suécia, 1910 Portugal, Dinamarca 1915, Holanda 1917, Reino Unido 1918, Itália 1919, Noruega 1919, Bélgica 1920, Canadá 1920. O Japão seguiu o exemplo europeu e latino só 1925. (Op. cit. p 259).

O direito de voto de que nos referimos há pouco era assegurado apenas ao sexo masculino, visto que o voto não era exercido pelo sexo feminino. Tema que se possível abordaremos oportunamente.

Entendemos que a abolição ajudou a levar muitos países ao caminho da democracia, mas temos dúvidas se em todas elas o objetivo último fosse de fato a democracia, isso deve ser observado considerando que as conquistas das massas quase sempre são decorrentes de pressões da classe inferior ou por interesse de manutenção ou manipulação da classe dominante, ou os chamados blocos que dominam o poder. Não há conquistas espontâneas, sempre existe um ponto crucial, pressões sociais que levam às mudanças.

5 OS ANALFABETOS E O DIREITO DE VOTO

Desde muito cedo o analfabetismo se tornou um obstáculo para boa parte da população, não apenas no Brasil, como em várias outras partes do mundo. Podemos afirmar com segurança que a questão do cidadão analfabeto ainda é um grave problema social que assola e atinge a dignidade da pessoa humana excluindo-as do deleite do mais elementar direito inerente ao ser humano. Basta lembrar que o homem sem letra está praticamente excluído de participar da vida social de seu país. Ele não tem acesso aos cargos públicos, ,o trabalho em empresas, trabalho em geral, conseguia quando muito trabalhos escravos ou assemelhados (o que nos parece, salvo outro juízo, que ainda é uma realidade em várias partes do mundo, o que não é diferente em muitas regiões desse imenso Brasil). O analfabeto teve o direito de voto vetado por muitos séculos.

Todavia, hoje ainda que facultativo o cidadão brasileiro tem a opção de votar, contudo, não lhes assegura o direito de ser votado. Merece uma reflexão no sentido de que o cidadão analfabeto serve às conveniências, mas não há uma recíproca verdadeira, pois que se levado ao pé da letra se torna um instrumento funcional de fácil manipulação, quando não raras vezes por imposição.

Segundo ensina NICOLAU (2002 apud ABREU 1987, p 43), a história da exclusão dos analfabetos dista desde o tempo do império, e permaneceu por boa parte do período republicano em que se negou o direito de voto a essas pessoas, a esse ponto, a Carta do Império editada em 1824 silenciou-se quanto a exigência de alfabetização como requisito para direito ao voto. No entanto, como dito, a exigência da assinatura imposta por legislação posterior acabou por excluir os analfabetos da vida política do país.

Segundo o mesmo autor, embora a Constituição não vedasse a participação dos analfabetos havia legislação infra relacionada a direito eleitoral que exigiam a assinatura do votante ou eleitor na Cédula Eleitoral. Conforme se vê, é mesmo que dizer que os analfabetos não podiam vota, veja que por mais que esforçamos para pensar diferente não resta outra lógica decorrente.

Já abordamos o assunto no tópico relacionado a renda, mas como interessa para esse instante, façamos uma referência aos estudos realizados por Jairo Nicolau, VIANNA (Org. 2002, p 261,), que em 1876 nas Freguesias de Guaratiba e Santa Cruz a população analfabeta ultrapassava a casa dos cinqüenta pontos percentuais, respectivamente (52,3%) e (57,3%), ambas no Rio de Janeiro (aqui ou autor O autor cita como fonte as Listas de Qualificação dos Eleitores, do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro).

Lamentavelmente o Brasil foi o último país da América a conceder efetivamente o voto aos analfabetos, através da Emenda Constitucional nº 25. Mesmo assim com ressalvas. Logo é fácil presumir que ainda temos muitos cidadãos carentes de representação no parlamento brasileiro. Para se ter uma idéia da dimensão do que falamos, o último senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)5, realizado em abril de 2007, informa que a população atual é estima em 186.243.677 (cento e oitenta e seis milhões,duzentos e quarenta e três mil e seiscentos e setenta e sete) brasileiros. Verificando que o último levantamento sobre o número de analfabetos realizado em 2000 mostrou que temos 13% de analfabetos, se considerarmos a mesma proporção, teremos a assustadora marca de mais de vinte milhões de analfabetos. Essa quantidade de excluídos é superior a população de centenas de países, algo assustador.

6 O VOTO FEMININO

As mulheres sempre foram companheiras dos homens desde que o mundo é mundo, mas nem sempre tiveram os mesmos direitos a eles deferidos. No que diz respeito ao direito de voto não foi diferente, durante séculos foram excluídas, o sexo feminino não tinha voz, não tinha voto. Pensar que o voto é um direito nato, pelos menos na nossa visão, lembrar que as mulheres foram banidas dos processos políticos ao redor do mundo, sejam por quais motivos encontrassem para justificar, concebemos como posições discriminatórias e autoritárias que se alongaram demasiadamente até que pudessem enfim ser reconhecidas e a elas estendido o direito ao voto.

A Carta Constitucional de 1824, não proibiu o voto feminino assim com asseverado anteriormente não proibiu o voto dos analfabetos, explicitamente os requisitos eram os de renda, ofício e idade. A segunda Constituição brasileira de 1891 não o fez, mas também não o assegurou explicitamente. Só com o advento do Código Eleitoral de 1932, desta feita sem reservas. Essa situação de exclusão não era atribuída apenas ao Brasil, note-se que o mundo negava às mulheres o direito de votar e serem votadas. Às mulheres, foi negado o maior e mais legítimo instrumento de democracia ao longo da história da humanidade, situação que só veio mudar na virada do século XIX para XX.

Segundo leciona NICOLAU em estudos realizado acerca do assunto, apenas a Nova Zelândia concedeu expressamente o direito de às mulheres, o que se deu em 1893. VIANNA org. (2002, p 264/265). Talvez pelos longos anos em que ficaram anônimas ou por questões ordem particular, quase não houve alistamento feminino. Mas os estudos mostraram que pelo menos três mulheres requisitaram o direito de voto na primeira república, Jairo Nicolau (apud PORTO, 2000, p 430 a 432) constatou que ao menos três eleitoras tentaram efetivar o registro eleitoral no período da República Velha, uma em Minas Gerais no ano de 1906, outra na Cidade de Mossoró no Estado do Rio Grande do Norte em 1927 e a última no mesmo estado no ano de 1928.

Observe-se que ao longo de 41 anos, desde o início da república em 1889 até 1930, a tentativa de registro de três mulheres como eleitoras é irrisória, quase inexistente, o que denota a total exclusão do sexo feminino do processo eleitoral no país. Essa realidade só experimentou mudanças expressivas (Falamos expressivas, não na quantidade, mas porque houve garantia expressa do direito de voto.) com o advento do Código Eleitoral de 1932, com efeito, Art. 2º, in verbis “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo (negrito nosso), alistado na forma deste código”. Ao reconhecer e garantir o direito de voto ao sexo feminino o Brasil demonstra amadurecimento político no que tange ao processo eleitoral, por conseqüência apresenta avanços no campo dos direitos de seus cidadãos.

Na América Latina o Brasil foi o segundo país a conceder o voto às mulheres, o primeiro foi o Equador em 1928, tendo estes se antecipado a muitos países europeus, a exemplo do que aconteceu com a abolição da exigência de renda. Vale citar algumas datas alusivas ao momento em que as mulheres conquistaram o direito ao voto (rol exemplificativo). No século XX a Austrália foi a primeira nação a reconhecer o direito de voto para as mulheres, lá elas passaram a votar em 1902, Canadá, Alemanha e Dinamarca 1918, Estados Unidos 1920, a França só em 1944, Itália e Japão 1946, Argentina e Venezuela 1947, enfim na América Latina o último país a conceder o voto às mulheres foi a Colômbia em 1957 enquanto na Europa Portugal fez concessão em 1974, momentos importantes na política eleitoral para as mulheres, vez que era reconhecido o direito de voto sem restrições. VIANNA (Org. P 264/265, NICOLAU, apud KATZ, 1997, p 218-230).

Sabendo que em 1933 ocorreram eleições no Brasil, temos que foi a primeira vez em que as mulheres puderam de fato e de direito exercitar o direito de voto. No ano seguinte nosso país conheceu sua terceira Constituição, a Carta de 30 se deu na Era Vargas, nela reafirmou-se o direito ao voto feminino, conforme expressava seu artigo 109. Interessante que o voto para os homens que preenchessem os requisitos era obrigatório, já para as mulheres não, exceto se estivessem no exercício de função pública remunerada, estando sujeitas às sanções e salvas determinadas por lei. Assim, se não fossem funcionárias públicas, mesmo que presentes os demais requisitos, nem o alistamento ou voto eram obrigatórios. Ibidem.

Tanto as Constituições quanto a legislação eleitoral infra, mantiveram o direito de voto para as mulheres e ao contrário do passado, ampliaram o direito de participação na vida política o país. Há por exemplo cota mínima assegurada ( Refiro-me ao percentual mínimo que cada partido deve reservar para candidatas) às mulheres para as disputas dos vários pleitos nacionais seja em eleições majoritárias, seja minoritárias.

Hoje é possível afirmar que as mulheres ganharam espaço e importância na vida política do nosso país. Apenas O cargo de Presidente da República ainda não foi ocupado por uma mulher, todos os demais cargos eletivos já foram e muitos ainda são ocupados pelo sexo feminino. Temos várias senadoras, Deputadas Federal, Deputadas Estaduais e Distritais, centenas de Vereadoras, Prefeitas e Governadora. Resta claro que a atividade política feminina ascende a cargos do mais alto escalão seja na esfera Federal, Estadual, Distrital ou Municipal. Como exemplo da importância que hoje ocupam, basta dizer que temos Ministras de Estado, do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, muitas Desembargadoras, Juizas e vários outros cargos públicos. Na iniciativa privada não é diferente, há executivas nos mais altos cargos de direção de várias empresas. No plano internacional, Embaixatriz, Presidentas, etc...

Portanto, quanto a participação da mulher na política nacional, mormente no que diz respeito a direito de voto e em todo o processo eleitoral, é inegável o espaço conquistado.

7 IDADE COMO EXIGÊNCIA AO DIREITO DE VOTO

A questão do direito de voto condicionado à idade é antiga e existiu tem qualquer sociedade, logo, no Brasil não foi diferente. Nas primeiras eleições a idade exigida era um pouco elevada se considerado que em dias atuais o jovem com 16 (dezesseis) anos tem direito a voto. De fato uma evolução quanto à idade, mas não foi sempre assim. Nota-se que a Carta de 1824, quanto à idade como requisito para assegurar o direito de voto verifica-se duas idades distintas. A primeira idade segundo estabelecia expressamente que os homens a partir de 25 (vinte e cinco) anos tinham direito a voto.  A segunda idade exigida se referia ao casamento, já que a Constituição falava que se fossem oficiais militares ou casados podiam votar com 21 (vinte e um) anos. Esta era a regra, contudo, havia exceções. Dizia ainda a Carta de 1824 que para os bacharéis e os clérigos de ordem sacra não havia limite de idade.  Ademais, acerca da idade havia restrições a alguns grupos determinados. VIANNA Org. (2002, p 266), a teor do texto de NICOLAU. Há várias outras peculiaridades importantes relativas a Constituição de 24 (vinte e quatro) e o direito de voto. Por hora não cabe aqui serem lembradas, vez que desejamos ater ao aspecto da idade.

A Constituição de 1891 foi a primeira da república e, com ela vieram uma série de mudanças, inclusive quanto ao direito de voto. Sobre a idade, estabeleceu que seria de 21 (vinte e um) anos, houve um avanço quanto a idade mínima exigida, já que poderia se podar indiferente de preencher os requisitos citados no parágrafo anterior.

Em 1934 tivemos nova Constituição, a primeira da era Vargas, nesse documento político, algumas vedações foram mantidas, mas quanto à idade, esta foi reduzida para 18 (dezoito anos). Embora tenha havido legislações posteriores que regularam o processo eleitoral no Brasil, período entre a Constituição de 1934 e a de 1946, quanto a idade nada foi mudado, mantendo-se inalterado o direito de voto aos dezoito anos. Nos parece importante consignar que mesmo sendo reconhecido como uma evolução a diminuição da idade como exigência para exercitar o voto, algumas pessoas ou classes, ou grupos de pessoas continuaram excluídas desse direito, mesmo tendo os demais requisitos. É que a condição social ou a função que ocupavam se tornava obstáculo. Como exemplo, podemos citar que um cidadão com mais de dezoito anos, mas que fosse praça de pré, não podia votar, assim como os mendigos. A situação para estes só conheceu mudança com a Emenda Constitucional de 1985, ocasião em que adquiriram direito ao voto. (ainda hoje os conscritos são proibidos de votar).

Na Constituição atual, promulgada em 1988, reconhecida como a Constituição cidadã, a idade como requisito para votar novamente sofreu mudanças. Desta feita reduziu-se e tornou facultativo tanto o alistamento quanto o voto para os jovens entre 16 (dezesseis) e 17 (dezessete) anos. Obviamente que acima de 18 (dezoito) e abaixo de 70 (setenta) estavam na regra ordinária e estariam obrigados a votar. Foi uma inovação que permitiu ao jovem expressar sua vontade nas urnas, demonstrando a visão de participação democrática na qual o Brasil está inserido e numa outra vertente aumentando o número de jovens cidadãos em condições de votar.

8 CONCLUSÃO

Depois de vagar por muitas idéias buscando concluir este pequeno ensaio, ciente de que muito ainda há para ser dito sobre o assunto, entretanto, parece-nos que a idéia principal que de fato era expressar a importância do voto em uma sociedade, jaz tranqüila em linhas volvidas. É evidente que o tema não se esgota, como dito, trouxemos alguns aspectos relativos ao voto, ou ao direito ao voto, o que se pressupõe existem vários outros a serem tratados. O que por hora não é o caso, muito embora o tema seja tentador.

Alinhavando o pensamento pudemos observar que o Brasil em algumas situações antecipou-se aos países latinos, europeus, asiáticos, nas várias situações relacionadas a política eleitoral e em especial no que concerne ao direito de votar, em outros ficou atrás de democracias frágeis. Mas no contexto geral não há demérito para o nosso país, hoje seguramente se pode afirmar que o Brasil é de fato e de direito (aqui com algumas ressalvas do que esta assegurado no formalismo) uma democracia, se ainda não completamente sólida, mas em vias de solidificar, firmando-se definitivamente como Estado Democrático de Direito.

Com tranqüilidade pode-se dizer que o voto é o legítimo instrumento de democracia, não importa se vamos votar para escolher representante de sala de aula, presidente de bairro, de conselhos, chefe de estado, chefe o executivo, membro das casas legislativas, todos são eleitos através do voto. E mais, o voto tem o mesmo peso, mesma importância, tanto o voto do mais humilde trabalhador como o voto de um rico empresário vale a mesma coisa. Não há mais espaço no Brasil para imposição de vontades ou absolutismo, há sim espaço para crescimento da democracia, ou melhor dizendo, para a sedimentação e responsabilidade dos cidadãos com o nível democrático alcançado, melhorando e aperfeiçoando o caminho trilhado que nos trouxe ao atual estagio de democracia.

Vimos que um dos maiores obstáculos ao direito de voto e, por conseguinte de exclusão social era a questão econômica do cidadão, hoje já superado. Constatamos que durante séculos os pobres, mendigos, escravos e algumas outras classes foram excluídas do direito de escolha de seus representantes. Em outros países isso também aconteceu.

No Brasil, essas distorções ou tratamento desigual não existem mais (quanto ao direito de votar – em outros aspectos ainda persiste outras segregações), visto que qualquer pessoa que esteja em condições de alistamento eleitoral pode exercitar o voto, ele é universal. Com isso cremos que houve progresso, o país evoluiu, talvez como fruto do amadurecimento ou quem sabe pelas lutas em busca de direito ou ainda por ambas. De modo geral é correto afirmar que quanto a exigência de renda ou posse de bens de raiz, como condição para alcançar o direito de voto, definitivamente foi superada em nossa sociedade.

Em outra esfera de requisito, mas no mesmo contexto de direito ao voto, participamos e colaboramos com a exclusão da mulher na vida política, veja que durante boa parte da historia elas não tinham o direito de voto, foram sumariamente proibidas de exercer um direito legítimo e que entendemos natural e inerente ao ser humano que é poder escolher quem deseja que vá lhe representar, se não por outros motivos, aos menos para reivindicar o contrato social estabelecido. E sobre esse assunto, o voto feminino, antecedemos em muito outros países, apenas como ilustração, na América Latina apenas o Equador reconheceu o direito de voto às mulheres antes que o Brasil. Na Europa, países com reputação de berço da democracia como a França, só reconheceu esse direito em 1944, a Grécia em 1952 e Portugal incrivelmente só o fez em 1974, sendo um dos últimos a conceder o voto à mulher, na média geral a grande maioria dos países só reconheceram o voto feminino à partir da década de quarenta do século passado. Entendemos que foi sem qualquer dúvida uma evolução que reservou ao Brasil um lugar de destaque no cenário mundial.

O analfabetismo foi outro entrave enfadonho na vida dos brasileiros, ficou clarividente que os analfabetos foram impedidos de votar em vários países, a regra era que determinadas classes sociais não podiam votar, somente uma pequena parcela da população podia exercer esse direito. Entre nós a Constituição de 88 assegurou o direito de voto para os analfabetos, contudo não podem ser eleitos, apenas eleitores, assim entendemos que em parte o problema foi superado no Brasil. Para termos uma idéia do que representa a quantidade de analfabetos, basta comparar o último senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Uma população estimada em pouco mais de 186 milhões de pessoas, onde 13% (treze por cento) são analfabetas, em mais de 5.560 (há dados que afirma ser 5.564) municípios, isso nos dá cerca de quase 24 milhões de analfabetos, número expressivos, se considerarmos que há países com população inferior a essa quantidade.

Vimos que em determinado período da historia tivemos uma população com mais de 50% (por cento) de analfabetos, então hoje o quadro é favorável, embora esteja longe de ser o ideal. De modo que o Brasil a exemplo de outras nações evolui significativamente nas questões eleitorais, mas não suficiente para termos uma sociedade justa.

É preciso que continuemos a buscar melhores condições e garantias, não obstante as diversas conquistas que possibilitaram a todos os brasileiros exercer o voto. É lamentável quando ouvimos o noticiário e deparamos com denúncias de compra de votos, uma parcela da sociedade ainda não se deu conta das dificuldades e do tempo que se levou para conseguirmos alcançar esse direito. A compra e venda de votos é criminosa, injusta e trás consigo uma enxurrada de sujeira que mancha um processo eleitoral considerado de ponta. Precisamos contribuir para que mazelas como essa não faça parte da nossa cultura. Valorize o seu voto, ele é importante, não tem preço. Se você vende o seu voto quem o comprou nada lhe deve, você não terá nem direito nem moral para cobrar uma postura do candidato eleito.

Temos visto que a justiça eleitoral aos poucos vem ganhando força e respeito ao punir e cassar mandatos quando provado que o candidato utilizou meios ilícitos para se eleger. O melhor instrumento para banir essa prática é impor uma punição severa, esperamos que esta continue a ser a postura da justiça eleitoral.

Enfim, as diretas já, a Carta de 1988, as eleições diretas, melhoria da legislação eleitoral, maior ação de fiscalização e controle pelo Superior Tribunal Eleitoral e Tribunais Regionais, a revolução experimentada com o uso da urna eletrônica, considerada modelo mundial e, a sistemática do processo eleitoral brasileiro, foi por derradeiro o fator preponderante manutenção do estado democrático de direito.

Agora o momento exige uma revolução moral e consciência social, ao depositar o seu voto na urna, pense bem o longo caminho trilhado até chegarmos ao ponto que hoje nos encontramos, mais importante, a liberdade de escolher aqueles que iriam cuidar do destino de nossos compatriotas.

*Valorize seu voto ele é a mais genuína ferramenta que lapida a democracia. (Do autor)

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José VIRGÍLIO Dias de Sousa
Perfil do Autor: Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, Especialista em Direito Constitucional e Administrativo/Docência Unversitária Pela PUC - GOIÁS/GEPC, Ciências Penais Pelo IELF/LFG, Agente de Polícia e Vice - Presidente da União Goiana dos Policiais Civis.
 

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