AMEAÇA RELIGIOSA À SOCIEDADE BRASILEIRA
15/08/2010
"Cruzada evangélica avança sobre o congresso", um perigo para
a liberdade de pensamento e a opção de vida.
"Escalada evangélica
Embalada pelos 36 milhões de fiéis do país, segundo
estimativas do IBGE, bancada religiosa trabalha para
praticamente dobrar o número de representantes na Câmara
dos Deputados
Ezequiel Fagundes
Quatro anos depois de sua maior crise, quando escândalos
de corrupção mancharam a reputação de alguns dos seus
principais integrantes, a bancada evangélica na Câmara
dos Deputados quer alcançar o milagre da multiplicação
dos votos. Com dogmas flexíveis, diferentemente da
Igreja Católica, que restringe a filiação de padres e
párocos em partidos políticos, pastores e líderes
evangélicos das mais variadas denominações arregaçaram
as mangas embalados pelo crescimento sem limites do
protestantismo no país. De 2000 a 2010, conforme
estimativa do censo do IBGE, que será finalizado em
outubro, o número de fiéis evangélicos deve saltar de
26,1 milhões para mais de 36 milhões. A maioria tem
baixa renda, baixa escolaridade e mora nas periferias
das cidades, conforme estudo do cientista político Cesar
Romero Jacob, da PUC do Rio de Janeiro.
Mirando essa escalada, lideranças políticas evangélicas
já dobraram os joelhos em prol de um recorde histórico:
conquistar 90 das 513 cadeiras de deputado federal. O
levantamento reservado é da Frente Parlamentar
Evangélica (FPE) com base em registros de candidaturas
repassadas pelas maiores igrejas evangélicas do país.
Devido à dança das cadeiras das eleições de 2008, a
bancada evangélica tem hoje 51 representantes, divididos
em partidos grandes e nanicos.
Mas, enquanto os evangélicos lutam por mais espaço no
Parlamento, os sacerdotes católicos são praticamente
alijados da vida pública. Por causa do rigor da Igreja,
a bancada católica só tem dois representantes – os
padres deputados José Linhares (PP-CE) e Luiz Couto
(PT-PB). Os dois tentam a reeleição, entretanto, a
novidade de que se tem notícia é o registro da
candidatura do prefeito de Alto Alegre dos Parecis,
Máriton Benedito Holanda, o Padre Ton, candidato a
deputado federal pelo PT de Rondônia. Na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o petista Padre João
é o único entre 77 parlamentares.
Tanto os evangélicos quanto os católicos afirmam que não
detêm a relação dos candidatos religiosos que vão
disputar a eleição de outubro. O mesmo ocorre com o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que alega que faz os
registros das candidaturas de acordo a profissão
informada por cada postulante.
Com enorme penetração no estado do Rio de Janeiro, a
Igreja Assembleia de Deus, da qual um dos maiores
expoentes é o pastor e apresentador de TV Silas Malafaia,
almeja dobrar o número de representantes na Câmara dos
Deputados. Embora Malafaia não seja candidato, a
congregação trabalha para eleger 40 deputados federais
com a bênção de mais de 8,5 milhões de fiéis.
Especula-se que a tática arrojada, na realidade,
representa uma nova ofensiva da seita frente ao fracasso
nas últimas eleições, quando metade da bancada foi
barrada nas urnas por suspeita de participação com a
Máfia dos Sanguessugas.
Em São Paulo, onde está concentrado o maior número de
integrantes, a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd),
do empresário e bispo Edir Macedo, quer ver sua bancada
saltar de oito para 17 deputados federais. Em 2006, a
bancada da IURD foi atingida em cheio pela repercussão
negativa provocada pela renúncia do bispo Carlos
Rodrigues (ex-PL), que depois virou réu por corrupção
passiva e lavagem de dinheiro no processo do mensalão
que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). No
Senado, o bispo Marcelo Crivella (PRB-RJ) concorre a
mais um mandato de oito anos.
Com uma proposta menos arrojada, a Igreja Apostólica
Renascer em Cristo, dos bispos Estevam e Sônia
Hernandes, ora pela reeleição do bispo Gê Tenuta (DEM-SP)
e pela eleição do cantor gospel Marcelo Aguiar (PSC),
que cumpre mandato de vereador por São Paulo.
Comunicólogo de TV e rádio, teólogo e empresário têxtil,
Gê Tenuta transferiu seu domicílio eleitoral de São
Paulo para se candidatar a deputado federal pela Bahia.
Atualmente, mora em Salvador. Fundada em 1986, no
apartamento do casal Hernandes, a Renascer ganhou
notoriedade mundial depois que o jogador Kaká saiu em
defesa dos bispos, suspeitos de vários problemas com a
Justiça.
Apoio ao sobrinho
Em Minas Gerais, a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ)
tenta emplacar a segunda geração política no Congresso
sem abrir mão da eleição do deputado federal Mário de
Oliveira (PSC), fundador e líder supremo da seita, e seu
irmão, o também pastor e deputado estadual Antônio
Genaro (PSC). Depois de 24 anos de Congresso, Mário vai
apoiar para deputado federal o sobrinho Stefano Aguiar
dos Santos (PSC). Com cerca de 300 mil fiéis e 600
igrejas no estado, Stefano vai buscar votos no interior,
enquanto o tio mira os fiéis de Belo Horizonte. Na ALMG,
Genaro tenta o sétimo mandato consecutivo, mas lançou o
filho Leandro Genaro (PSC) para o mesmo cargo.
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Oficialmente, a Igreja Católica não
manifesta apoio a candidato ou partido. Somente sua
militância leiga tem sinal verde da cúpula para entrar
na vida pública. “Somos contrários à participação de
sacerdotes na política partidária. É assim no mundo
inteiro”, explica o presidente da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Geraldo Lyrio Rocha,
arcebispo de Mariana, na Região Central de Minas.
Apesar da marcha dos evangélicos, o coordenador do
núcleo político da CNBB, padre Ernane Pinheiro, não se
mostra preocupado com o fenômeno. “ A gente faz questão
de não seguir o exemplo dos protestantes”, declarou.
Diferentemente do que pensa o comando da Igreja, o padre
e deputado Luiz Couto (PT-PB) entende que a CNBB deveria
rever seus conceitos e passar a estimular a entrada de
sacerdotes na política. “Nós temos voto segmentado, mas,
na realidade, representamos todo o povo brasileiro. Acho
muito positiva a entrada de religiosos na Câmara dos
Deputados. A Igreja Católica poderia apoiar isso”,
argumentou.
Líder da frente parlamentar evangélica, o deputado
federal João Campos (PSDB-GO) considera ainda modesta a
representação na Casa. Segundo Campos, apesar de terem
51 cadeiras, os evangélicos precisam se mobilizar mais
para defender bandeiras como a diminuição da carga
tributária, combate à corrupção e a distribuição de
riquezas. “Precisamos avançar muito mais. Nossa
representação ainda está muito aquém se comparado ao
número de protestantes no país. Existe uma projeção que
mostra que somos quase um terço da população”, avaliou.
Sem fazer qualquer distinção de denominação, o
cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio de
Janeiro, afirma ser danoso para a democracia a entrada
de religiosos na política. Autor dos estudos
Religião e sociedade em capitais brasileiras (2006) e
Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no
Brasil (2003), Jacob entende que a partidarização da
religião pode afetar o estado democrático de direito.
“No limite nós podemos nos
transformar no estado teocrático do Irã. Os
grandes pensadores do século 18 fizeram um grande
esforço para separar a religião da política.
Essa aproximação é ruim para os dois lados. Quem tem
arma, no caso dos religiosos é a Bíblia, não pode se
meter na política partidária”, considera.
Para combater esse crescimento, o especialista defende
um maior rigor do Ministério Público Eleitoral. De
acordo com Jacob, os religiosos, principalmente os
evangélicos, que têm maior representação, deveriam ser
proibidos de pedir votos durante os cultos. “Isso é uma
concorrência desleal. Como as congregações ganham
isenção fiscal dos governos, as igrejas não podem ser
usadas para fazer campanha eleitoral.”
Na mesma linha, o filósofo e analista político Denis
Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, se diz contrário a qualquer manifestação religiosa
na política. Apesar da modesta participação de
sacerdotes na Câmara dos Deputados, o especialista
alerta que as lideranças católicas atuam fortemente
junto a movimentos sociais. “Recentemente, várias
entidades ligadas à Igreja Católica lançaram um
plebiscito para limitar a propriedade rural no país. Os
católicos influenciam diretamente na política nacional,
apesar de ter poucos sacerdotes no Congresso.” Como
exemplo de militância política, Rosenfield cita uma
pesquisa que mostra que os católicos detêm praticamente
a mesma quantidade de concessões de rádio e TV que os
evangélicos." (Estado de Minas, 15/08/2010).
O risco maior que isso representa é
retornarmos aos tempos de repressão à liberdade de
pensamento. Que os religiosos que se encontram no
poder têm sido um entrave ao desenvolvimento científico,
atualmente, é público e notório; a perseguição às
minorias, como homossexuais por exemplo, tende a se
agravar também. O esforço de
transformação em lei das suas idéias ultrapassadas tem
trazido prejuízo social; e, o pior ocorrerá, bastando
uma igreja, seja qual for ela, conseguir a maioria do
parlamento. Daí, para regressarmos aos absurdos que
ocorriam na Idade Média e os horrores que ocorrem hoje
no Irã e outros países de domínio muçulmano, é, na
figura popular, apenas um pulo. Os chamados homens de
deus são um perigo para a liberdade humana.