O amor não mata. O que mata é a
falta de amor e a depressão grave
Histórias da literatura, como a de Romeu e Julieta, e vários outros mitos do
amor romântico valorizam o suicídio como forma de demonstrar amor. Isso é um
engano, pois o amor está ligado à vida, à alegria. Quando amamos ficamos mais
bonitos, mais criativos, cheios de vida. Se o amor acaba, sofremos, é claro, mas
para matar a dor não é necessário matar-se.
Em abril, lemos nos jornais a trágica história de uma jovem linda e talentosa
que se matou e deixou cartas na quais dizia que “morria por amor”. Em sua triste
despedida, falava que era impossível continuar vivendo sem a companhia de seu
amado. O que eu gostaria de frisar com este artigo é que não se morre de amor e
sim por falta dele, ou de amor-próprio, e por depressão grave.
O amor romântico valoriza o suicídio. Filmes, livros e revistas falam de jovens
que se matam “por amor”, comparando-os a Romeu e Julieta, os personagens de
William Shakespeare (1564-1616) considerados os maiores exemplos do amor
romântico.
Romeu e Julieta é a história de um terrível engano. Julieta é proibida pela
família de viver com Romeu e, aconselhada por frei Laurence, toma uma poção que
fará com pareça morta. A ideia é enganar a todos para que Romeu venha
resgatá-la. Mas antes que o frade avise Romeu sobre a poção alguém lhe fala da
morte da amada. Ao lado dela, no jazigo, ele também toma veneno e morre. Julieta
acorda e, vendo Romeu morto, mata-se com o punhal dele.
Vários exemplos na literatura que alimentou nossa formação glamourizam a
patologia e de certa forma estimulam jovens deprimidos a cometer suicídio, como
se fosse um ato louvável. Os mitos têm grande influência em nossa vida. Os
jovens se identificam com esses heróis românticos e tentam repetir sua história.
Quem pensa em matar-se está extremamente confuso. A depressão baixa as defesas e
a pessoa perde o controle. Sente que algo dentro de si tem que morrer e confunde
a morte simbólica com a morte real. Quer matar a dor, a angústia, não aguenta
mais sofrer. Precisa é curar a alma, tratar-se para renascer. O amor é para ser
vivido. Se mata, a si ou ao outro, não é amor. O amor de verdade é alegre, tem
momentos de loucura, de paixão, mas é pura alegria. O amor nos deixa criativos,
bonitos, cheios de vida.
Mas às vezes o amor acaba, e quase nunca isso acontece ao mesmo tempo para os
dois envolvidos. Há sempre um que sofre e não se conforma. Nada mais terrível
num relacionamento do que ser rejeitado e conviver com o fato de que aquele a
quem ainda amamos não nos ama mais.
Apesar do sofrimento, porém, temos que entender que é preferível a verdade cruel
do que viver numa mentira ou com alguém que não nos deixa por pena ou covardia.
Aquele que é abandonado deveria até agradecer ao outro, que foi honesto, por já
não viver mais com alguém que não o ama mais. Se o outro nos deixa, temos a
chance de refazer a vida, de amar novamente. Isso é possível em qualquer idade.
Quando descobrimos uma traição, ou o fim de um amor, passamos por várias fases
de luto, é como se fosse uma morte. Experimentamos a negação — “Não, ele
ainda me ama” —, a revolta — “Não vou permitir, não me separo!” —, a
depressão — “Ele não me quer, quero morrer!” — e finalmente, com o tempo,
a vida vence, aceitamos a perda, voltamos a nos amar e recomeçamos. Como propõe
a bonita canção de Ivan Lins (65) e Vitor Martins:
“Começar de novo/
E contar comigo/
Vai valer a pena/
Ter amanhecido/
Ter me rebelado/
Ter me debatido/
Ter me machucado/
Ter sobrevivido/
Ter virado a
mesa/ Ter me conhecido/
Ter virado o
barco/ Ter me socorrido/
Começar de novo/
E só contar comigo/
Vai valer a pena/
Já ter te esquecido/
Começar de
novo...”.
(Revista Caras, 24 de Junho de 2011 (EDIÇÃO 920 - ano 18).