Bolsonaro está aparelhando o Estado Brasileiro
A começar pela parte mais óbvia: o aparelhamento das instituições que teriam o
poder de investigar a cúpula do Governo
Por Almir Felitte
Nos pouco mais de 13 anos de Governo petista no Brasil, a direita e a mídia
tradicional do país (não seriam a mesma coisa?) se acostumaram a dizer uma
espécie de mantra que, repetido por tanto tempo, acabou ganhando ares de verdade
e se espalhou pelo resto do povo: o PT teria aparelhado o país.
Ironicamente, essa máquina pública que o Partido dos Trabalhadores foi acusado
de ter aparelhado foi a mesma que, por anos, tentou derrubá-lo do poder, até
conseguir fazê-lo em 2016. Um movimento político que, 3 anos depois, culminou
com a subida ao poder de Jair Bolsonaro. O atual Presidente, que soube surfar
como ninguém no discurso do “risco vermelho” desse PT “aparelhador”, vai dando
mostras, porém, de que é ele quem vai realizar um dos
maiores aparelhamentos do Estado já vistos na história do Brasil.
A começar pela parte mais óbvia: o aparelhamento das instituições que teriam o
poder de investigar a cúpula do Governo. Já na campanha, Bolsonaro deu indícios
de seu objetivo ao declarar que não se comprometeria a respeitar a lista
tríplice elaborada pelos procuradores para nomear o próximo Procurador Geral da
República.
Por ironia, apesar de não ser obrigatório, foi o Governo
Lula quem inaugurou a tradição de respeitar a lista, algo que se manteve até o
fim do Governo Dilma, sendo quebrada apenas por Temer, que resolveu
nomear a 2ª colocada Raquel Dodge. FHC, aliás, chegou a fazer ainda pior,
nomeando o 7º colocado. Bolsonaro, seguindo o exemplo dos presidentes tucano e
emedebista, já disse que não ficará vinculada à lista [1].
E podemos ver algo ainda pior acontecer na Suprema Corte. É que,
em 2015, o Congresso havia aprovado a “PEC da Bengala”,
emenda que aumentou, na Constituição, a idade de aposentadoria compulsória de
Ministros do STF de 70 para 75 anos. Ironicamente, a medida foi uma forma de
evitar que Dilma pudesse nomear novos Ministros para a Corte, postergando
as próximas aposentadorias apenas para depois que o Governo Dilma acabasse.
Agora, o Governo Bolsonaro e sua base já atuam para revogar a PEC, apenas 4 anos
depois de sua aprovação [2]. O primeiro passo já parece ter sido dado, aliás,
com a proposta de Reforma da Previdência, que retira o tema da Constituição para
passar a tratá-lo por Lei Complementar. Dessa forma, Bolsonaro não precisaria
mais do apoio de 3/5 do Congresso para revogar a “PEC da Bengala” e a matéria
ficaria sujeita ao processo legislativo mais simplificado de Lei Complementar,
alterável com “metade mais um” do Congresso.
Caso isso aconteça, o Governo Bolsonaro teria a possibilidade de nomear 4 novos
Ministros do STF para ocupar a vaga de outros 4 que se aposentariam até 2022.
Sem as alterações na “PEC da Bengala”, Bolsonaro nomeará apenas dois.
Difícil duvidar que o grupo político do Presidente não seria capaz de fazer algo
do tipo. Até porque esse mesmo grupo já agiu de forma muito mais descarada em
outras ocasiões. Como foi no caso do COAF, órgão responsável por desvendar os
primeiros casos do “laranjal” do PSL em um escândalo que acabou escalando para
um ainda mais escandaloso envolvimento da família Bolsonaro com milícias do Rio
de Janeiro acusadas de terem assassinado Marielle.
Uma das primeiras medidas do Presidente foi transferir o
COAF para o Ministério da Justiça de Sergio Moro e exonerar o então presidente
do órgão para nomear um novo. O segundo passo foi
impor uma espécie de censura [3] aos servidores do órgão, impedindo-os,
por meio de Decreto assinado pelo próprio Jair, de se comunicar com a imprensa a
respeito de casos examinados pelo COAF. Era a blindagem perfeita ao filho
Flávio, de longe o mais enrolado com o “laranjal” e as milícias.
Mas nem só de blindagens a investigações é formado o aparelhamento do Estado por
Bolsonaro. A perseguição ideológica a opositores, é
claro, também é um dos objetivos desse apoderamento da máquina pública.
A prática começou com as perseguições e demissões de funcionários com cargos em
comissão que tivessem se manifestado contra o Presidente durante a campanha.
Onyx chegou a chamar a ação publicamente de “despetização”. Até aí, pode-se
dizer que o Governo está em seu direito, já que os cargos em questão eram de
livre nomeação. Mas é claro que a coisa não para por aí…
É que o Governo Bolsonaro já mostrou a intenção de
influenciar até mesmo os cargos concursados em dois planos que podem causar o
maior movimento de aparelhamento do Estado já visto na história recente do
Brasil.
O primeiro deles seria o fim da estabilidade dos servidores públicos, proposta
que já vem sendo ventilada desde a transição entre os Governos Temer e Bolsonaro
e é pautada em mais uma das “mentiras repetidas mil vezes”, no caso, de que
servidores não podem ser demitidos. Hoje, acertadamente, a
estabilidade garante que os servidores passem por um processo diferenciado para
que sejam demitidos, justamente para se evitar que hajam perseguições de cunho
político dentro da máquina pública do país.
O fim da estabilidade facilitaria a demissão de servidores
efetivos (concursados) e escancararia a porta para a perseguição política de
funcionários que não “rezassem pela cartilha bolsonariana” dentro das
instituições públicas. Seria a porta aberta para Bolsonaro promover a
contratação e manutenção apenas de servidores que o apoiassem. Seria
o aparelhamento do Estado na sua forma mais bruta.
Mas ainda pode ficar pior…
Na primeira minuta [4] revelada sobre a Reforma da Previdência, chegou-se a
ventilar a hipótese de que militares mais antigos da reserva poderiam ser
aproveitados em cargos de servidores efetivos, hoje, ocupados apenas por
concurso público. Outra proposta que vai nesse sentido é a do Deputado Coronel
Chrisóstomo [5], do PSL de Bolsonaro, que quer reservar
20% das vagas de concurso público para reservistas que saiam do serviço militar
obrigatório.
Todas são medidas que deixam bastante claro que o grupo político de
Bolsonaro tem uma real intenção de lotear todos os cargos
públicos do Brasil com pessoas próximas ao Governo, seja através da
contratação direcionada de “amigos” ou seja pela perseguição descarada aos
desafetos.
Perseguição ideológica, aliás, que não fica restrita a contratações e demissões.
O aparelhamento do Estado por Bolsonaro que ir muito além dos cargos públicos, e
um de seus principais alvos é a educação.
O caso da semana envolvendo o Ministro Vélez Rodriguez foi simbólico. Em um
comunicado oficial do MEC, o Ministro sugeria, de uma forma um tanto coercitiva,
que professores e alunos gravassem vídeos nas escolas enquanto cantavam o hino
nacional e liam uma carta que, ao fim de seu texto, repetia o slogan de campanha
de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Pra além da clara improbidade administrativa ao desrespeitar o princípio da
impessoalidade, o ato mostra bem como o Governo
Bolsonaro enxerga a máquina pública brasileira: uma grande peça de publicidade
pronta a atender seus interesses privados.
Chega a ser irônico para um Presidente que chegou onde chegou tendo, como um dos
principais pontos de seu discurso eleitoral, o mote de um projeto chamado
“Escola Sem Partido”. Aliás, a medida deixa claro que o projeto é, na verdade,
uma tentativa de implantar a “Escola de um só partido”, no caso, o de Bolsonaro.
Diante da flagrante ilegalidade, Vélez teve de voltar atrás. Assim como tiveram
de voltar atrás em outro episódio envolvendo a educação, o caso do Decreto sobre
material didático que previa, entre outras coisas, a possibilidade de livros sem
referências bibliográficas e com propagandas privadas.
Se a ausência de referências bibliográficas abre as portas para que o Governo
coloque o que bem entender nos livros, sem precisar atender a maiores rigores
científicos, a questão da possibilidade de propagandas é tão flagrantemente um
sequestro da coisa pública que vou me dar ao luxo de sequer tecer maiores
comentários.
E assim, de sequestro em sequestro, em apenas 2 meses de Governo, vai ficando
claro que o Brasil parece, mesmo, ter adentrado uma “Nova Era”.
Uma era em que o público e o privado se confundem num movimento em que a
máquina pública vai, aos poucos, perdendo todos os seus resquícios democráticos
para ganhar a cara de uma elite política cujo único objetivo é entregar as
riquezas do país ao capital estrangeiro enquanto arrocha ainda mais a classe
trabalhadora.
Aos poucos, o Brasil vai ganhando ares autoritários já sentidos em países como
Hungria e Turquia, numa mistura com os ares argentinos de um liberalismo
subserviente às elites e raivoso contra a grande massa de trabalhadores. Ares
que parecem, cada dia mais, nos levar a um abismo de autoritarismo e miséria.
Almir Felitte é advogado, graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo (USP).
<https://www.justificando.com/2019/02/28/bolsonaro-esta-aparelhando-o-estado-brasileiro/>
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