A carta deixada por Wellington
Menezes de Oliveira - jovem de 23 anos que matou 12 crianças, deixou
outras 11 feridas e depois se suicidou na escola Tasso da Silveira, no
bairro de Realengo, no Rio de Janeiro - dá pistas sobre um possível
comportamento delirante do atirador, segundo especialistas consultados
pelo G1 .
Apesar de destacarem ser
impossível fazer uma análise completa somente pela leitura da carta (veja
íntegra no final deste texto), os profissionais concordam em um
ponto: a organização das idéias de Wellington na carta é confusa e
alguns trechos apontam preocupações típicas de delírios como limpeza ou
pureza ("os impuros não poderão me tocar sem
luvas").
Para Fábio Barbirato, médico
da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), os traços do delírio são
notados em vários trechos da mensagem. "Há uma certa falta de lógica que
acompanha tudo o que está escrito. Especialmente no trecho que ele fala
sobre os animais, aquilo parece estar muito desagregado, não parece
fazer sentido."
O psiquiatra da ABP também
afirma que Wellington não tinha plena consciência de seus atos. "Ao
analisar o caso, parece que o atirador vivia um possível quadro
esquizofreniforme. É como se fosse um corte na realidade, ele acreditava
no seu mundo e esquecia tudo o que estava em volta. Talvez, no futuro,
ele pudesse avançar para uma esquizofrenia de verdade."
Já para o psicólogo Fábio
Leyser Gonçalves, do Centro de Análises do Comportamento, a carta mostra
que a ação do atirador foi premeditada. “De certa maneira, ele é
coerente. O que em termos de saúde mental não quer dizer muita coisa.
Muitas vezes o delírio existe junto com a organização", afirma.
Essa carta deixa a gente muito
na dúvida. Um psicopata faz mal a alguém, mas nunca quer sair
perdendo. Ele manipula todos para não sair em prejuízo
nunca. Já a pessoa que se mata está sempre, de alguma forma,
perdendo." Fábio Barbirato, médico da Associação Brasileira
de Psiquiatria
“É um pensamento ordenado, mas delirante.
Especialmente quando ele passa essa ideia de pureza, de
ser um
indivíduo casto, de certa forma até 'superior'.”
Gonçalves também comenta um possível
sentimento de heroísmo no ato de Wellington. "O texto está
organizado em volta deste tema da pureza, como se ele tivesse um
propósito, uma missão."
Psicopata ou psicótico?
Barbirato descarta a hipótese de se tratar de um psicopata. "Com
base apenas na carta, é possível notar que o Wellington não parece
ser uma pessoa perversa, malvada", afirma o especialista.
"Vejo que ele matou muito mais por raiva
do que pura e simplesmente por desprezo. Ele ajoealhava as crianças
e disparava. Se você for pensar em psiquiatria forense, era uma
pessoa que queria humilhar a outra", explica o psiquiatra.
"Wellington também escreve se preocupar com Deus, com os animais. Um
psicopata não se preocupa com o que o outro pensa."
Barbirato reconhece, porém, que a mensagem
é enigmática e confusa. "Essa carta deixa a gente muito na dúvida.
Um psicopata faz mal a alguém, mas nunca quer sair perdendo. Ele
manipula todos para não sair em prejuízo nunca. Já a pessoa que se
mata está sempre, de alguma forma, perdendo”, diz Fábio.
Sexualidade
Os especialistas também comentaram sobre um possível desconforto de
Wellington com a própria sexualidade. "Há uma conotação de
sexualidade na carta. Claro que não dá para saber se a pessoa sofreu
abuso ou não, mas os temas de pureza, de castidade, estão
presentes", afirma Barbiroto.
Essa vontade de ficar perto da
mãe, de ser puro, pode ser indício de um trauma com a
própria sexualidade, o desejo de se manter puro, casto." Francisco Algodoal, psicanalista e
psiquiatra
da Sociedade Brasileira de Psicanálise
Já o psicanalista e psiquiatra Francisco
Algodoal, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, acredita que
apenas hipóteses vagas podem partir a partir somente da mensagem
deixada pelo atirador. "A coerência do texto vai, aos poucos,
deslizando para algo delirante", diz.
Algodoal somente arrisca estabelecer
alguma relação da carta com os alvos da tragédia quando lembra das
referências sobre pureza e o desejo de ficar perto da mãe, expressos
na mensagem. "O fato dele ter alvejado mais meninas do que meninos
talvez aponte uma dificuldade enorme com a sexualidade, um complexo
de inferioridade tremendo."
"Essa vontade de ficar perto da mãe, de
ser puro, pode ser indício de um trauma com a própria sexualidade, o
desejo de se manter puro, casto."
Estrutura da carta
A carta contém dois trechos. No primeiro, Wellington fala sobre
orientações para o seu enterro e mostra estar preocupado com a
"pureza" daqueles que irão mexer com o seu corpo.
Na parte final, o atirador dá instruções
sobre a herança de uma casa em Sepetiba, que não deveria ser deixada
para familiares, mas para instituições que cuidem de "animais
abandonados".
Wellington ainda cita a mãe, Dicéa Menezes
de Oliveira, que estaria sepultada no cemitério de Murundu, mesmo
local onde algumas das vítimas da tragédia foram enterradas nesta
sexta-feira (8).
Íntegra da carta e transcrição
Íntegra do primeiro trecho da carta de Wellington
“Primeiramente deverão saber que os
impuros não poderão me tocar sem luvas, somente
os castos ou os que
perderam suas castidades após o casamento e
não se envolveram em
adultério poderão me tocar sem usar luvas, ou seja, nenhum
fornicador ou adúltero poderá ter um contato direto comigo, nem nada
que seja impuro poderá tocar em meu sangue, nenhum impuro pode ter
contato direto com um virgem sem sua permissão, os que cuidarem de
meu sepultamento deverão retirar toda a minha vestimenta, me banhar,
me secar e me envolver totalmente despido em um lençol branco que
está neste prédio, em uma bolsa que deixei na primeira sala do
primeiro andar, após me envolverem neste lençol poderão me colocar
em meu caixão. Se possível, quero ser sepultado ao lado da sepultura
onde minha mãe dorme. Minha mãe se chama Dicéa Menezes de Oliveira e
está sepultada no cemitério Murundu. Preciso de
visita de um fiel
seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que
ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus
pelo o que eu fiz rogando para que na sua
vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna.”
Trecho final, com a assinatura do atirador feita a mão
"Eu deixei uma casa em Sepetiba da qual nenhum familiar precisa, existem instituições
pobres, financiadas por pessoas generosas que cuidam de animais
abandonados, eu quero que esse espaço onde eu passei meus últimos
meses seja doado a uma dessas instituições, pois os animais são
seres muito desprezados e precisam muito mais de proteção e carinho
do que os seres humanos que possuem a vantagem de poder se
comunicar, trabalhar para se alimentarem, por isso, os que se
apropriarem de minha casa, eu peço por favor que tenham bom senso e
cumpram o meu pedido, por cumprindo o meu pedido, automaticamente
estarão cumprindo a vontade dos pais que desejavam passar esse
imóvel para meu nome e todos sabem disso, senão cumprirem meu
pedido, automaticamente estarão desrespeitando a vontade dos pais, o
que prova que vocês não tem nenhuma consideração pelos nossos pais
que já dormem, eu acredito que todos vocês tenham alguma
consideração pelos nossos pais, provem isso fazendo o que eu pedi.”
<http://m.g1.globo.com/Tragedia-em-Realengo/noticia/2011/04/especialistas-apontam-delirio-em-carta-deixada-pelo-atirador.html>