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ATAQUE RELIGIOSO À LIBERDADE DE
PENSAMENTO ANALISADO
A inconstitucionalidade da PEC do fundamentalismo religioso
Eu já conhecia Proposta de Emenda Constitucional nº 99/2011 (PEC 99/11) assim
que foi apresentada, cheguei a debatê-la no Facebook, mas não tive tempo para
escrever algo mais concreto.
Agora que o projeto está na pauta de discussão pública e depois de ler o texto
"Nova agressão fundamentalista ao Estado Laico e às minorias:PEC 99/11", uma
excelente análise sociopolítica feita pela Karla Joyce, e cuja leitura prévia
recomendo, senti necessidade de fazer uma análise jurídica (com algumas nuances
políticas, que não podem ser ignoradas), mas sem juridicismo. Antes, peço que
assine a petição contra esse projeto. Segue a análise:
1. As investidas fundamentalistas da Frente Parlamentar Evangélica, apoiada
pelos parlamentares conservadores (incluindo católicos fundamentalistas), tem
apunhalado a democracia brasileira com projetos que ofendem não só a laicidade
do Estado, mas a noção própria de liberdade, igualdade, fraternidade e dignidade
humana do regime democrático, como mostram os exemplos elencados pela Karla
Joyce no texto que mencionei e muitas outras sandices que você pode conhecer no
Fiscais do Fiofó S/A;
Como bem notou a Karla Joyce em seu texto, a PEC 99/11 é mais uma demonstração
do desprezo do deputado João Campos e cia. pela decisão do STF sobre a união
estável homoafetiva, em 05 de maio de 2011. Pura birra que já denunciei aqui
mesmo poucos dias depois da decisão do STF; uma birra que, inclusive, ofende a
própria Constituição, pois quer a todo custo reverter a decisão do STF, enquanto
quem, com bons argumentos, mesmo achando errada a decisão, reconhece que ela
deve ser obedecida.
2. A PEC dispõe sobre a "capacidade postulatória das Associações Religiosas"
para propor ação de inconstitucionalidade (ADIn) e ação declaratória de
constitucionalidade (ADECON) de leis ou atos normativos.
Já se vê o brilhantismo jurídico do deputado (ou de sua assessoria jurídica, vá
lá): a capacidade postulatória, ou seja, capacidade para ajuizar uma ação e
promover a defesa de interesse seu ou de outra(s) pessoa(s) em juízo só pertence
a quem é advogado (há raríssimas exceções, que também aqui não se aplicam). O
correto aí seria "legitimidade ativa", isto é, quando a lei autoriza que a
pessoa/entidade possa, por meio de um advogado, postular (iniciar uma ação, por
exemplo) em juízo.
3. Deixando de lado o cinismo na parte da justificativa da PEC que fala em
laicidade (cinismo desmascarado pela prática cotidiana desse grupo), é bem
verdade que o Direito brasileiro reconhece as associações religiosas como
entidades sui generis, de caráter especial, como está definido no art. 44 do
Código Civil, reconhecendo o caráter de associação e, ainda, determinando que
“são livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento
das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes
reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu
funcionamento.”; esse trecho entre aspas foi conquista do lobby evangélico em
2003.
Até se pode passar a impressão de que, sendo sui generis, as associações
religiosas tudo podem. Não, não podem. Elas devem respeitar os direitos e
garantias fundamentais da Constituição Federal. Tanto assim é que não poderia
uma associação ter como finalidade "exterminar a raça negra por ser ela ser uma
'descendente do ancestral amaldiçoado por Noé'" (talvez o deputado Marco
Feliciano fosse o presidente e decano dessa entidade, a julgar pelo racismo
declarado).
4. Na PEC, as associações religiosas seriam os legitimados especiais, isto é, só
teriam legitimidade para propor ações quando houvesse o que gente chama de
"pertinência temática", ou seja, quando houvesse uma correlação entre as
finalidades da associação e o que está disciplinado na norma que se questiona a
constitucionalidade.
No caso das confederações sindicais e entidades de classe, há exigências (o
texto da Karla Joyce fala deles) que se somam à pertinência temática, mas, como
eu já disse, no caso das associações religiosas o Estado está proibido de fazer
qualquer exigência além da pertinência temática. Aqui são dois os problemas que
vejo, por ora:
a) Basta definir em seu estatuto que a associação tem caráter nacional, ainda
que apenas futuramente ela possa se estabelecer fisicamente ou possuir membros
em todo o território nacional. Nada poderia o Estado fazer para vetar esse
dispositivo do estatuto, o que abre margem para a associações do "eu comigo
mesmo" (ideia do amigo Alexandre Bahia), como a Associação Eduardo Banks;
b) Se a associação definir como finalidade "Defender a vida, família, moral e os
bons costumes" - e o Estado não pode se negar a registrá-la nesses termos! -,
ela poderá impugnar quase tudo, afinal a cosmovisão religiosa inclui quase todos
os aspectos da vida. Irão intervir em projetos que ofendam a moral religiosa.
Imagino, por exemplo, ADIn contra uma lei que aprove o casamento civil
homoafetivo - apesar de que, juridicamente, nada impeça tal casamento. Já
imaginou a confusão monstruosa? Mesmo admitindo que o STF restringiria esse
campo, os riscos são gravíssimos;
5. Se se tivesse de aprovar a PEC, ela deveria ser estendida a toda e
qualquer associação com abrangência nacional, legitimando associações como a
Liga Humanista Secular do Brasil, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis eTransexuais – ABGLT e outras. Na prática, é o mais
democrático. Não há meio-termo.
Se não se deseja que o STF seja abarrotado dessas ações (com todas as
associações de caráter nacional como legitimadas), a solução é deixar como está:
associações, quaisquer que sejam, podem ser amicus curiae ("amiga da corte"),
como foi a CNBB no julgamento da união estável homoafetiva, e participar das
audiências públicas que debatam os projetos que lhes interessem.
6. Permitir somente às associações religiosas tal
legitimidade é um privilégio inadmissível numa democracia, pois fere o princípio
da igualdade e, ainda, o da laicidade, pois permite uma intromissão das
religiões nas leis, querendo adequá-las à moral religiosa.
Tenho a tranquila convicção de que esses projetos, em sua esmagadora maioria,
são gritantemente inconstitucionais, mas não tenho essa tranquilidade com
relação ao Congresso Nacional, que vacila no vai-e-vem do conservadorismo e
fundamentalismo religiosos, o que nos obriga, cidadãos e cidadãs brasileiros, a
fazermos vigilância constante contra esses ataques de
grupos desejosos de uma Idade das Trevas
Teocráticas no Brasil.
Thiago "Fiago", advogado
http://frutoproibido.ligahumanista.org/2011/11/inconstitucionalidade-da-pec-do.html
Assinar
PETIÇÃO CONTRA ESSA PROPOSTA NEFASTA DE DAR PODER POLÍTICO ÀS RELIGIÕES
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