O AVANÇO DO ATEÍSMO COM O CONHECIMENTO
Deus não existe!
Oziel Alves
Até meados do
século 19, toda a humanidade acreditava na existência de um “deus”, exceto
pequenos grupos intelectualizados reconhecidos por serem adeptos da teoria
do livre-pensar, uma ideologia ceticista que ganhou notoriedade durante o
período renascentista – final do século 13 – e espalhou sua influência por
todo o mundo. Nessa época, a ciência dava os primeiros passos rumo às
grandes descobertas científicas, porém sua atuação era limitada e
freqüentemente censurada pelo poder da Igreja. Em 1616, quando Galileu
Galilei provou ao mundo que a Terra girava em torno do sol – ao contrário do
que estava escrito na Bíblia – sob ameaça de morte, o cientista fora
induzido a se retratar. Sua descoberta era considerada incrédula. O poder
político-eclesiástico não admitia contradições em relação aos textos
bíblicos e ser cristão era praticamente uma imposição. O indivíduo que
quisesse assumir publicamente oposição aos ensinamentos da Igreja, de
antemão sabia: seria recriminado pelo governo e pela sociedade com acusações
de incredulidade, rebeldia, libertinagem e desonestidade. Para manter a boa
imagem, era preferível não admitir tal posicionamento.
Mas a situação
começou a mudar. Logo depois que Charles Darwin apresentou a Teoria da
Evolução em 1859, a ciência – que já deflagrara conflitos com a religião –
passa abertamente a duvidar de Deus. A sociedade influenciada inicia um
processo de confronto entre as evidências científicas e os dogmas
religiosos. Surge o primeiro crescimento ostensivo do ateísmo no mundo.
Anos mais tarde, em 1882, o filósofo ateu Friedrich Nietzsche (1844–1900)
sinaliza este crescimento com a célebre frase publicada em Gaia Ciência:
“Deus está morto! [...] e quem o matou fomos nós!”. O aforismo repercute
internacionalmente e logo se inicia o movimento racionalista do século 19,
cuja principal característica, do ponto de vista religioso, foi a
desvalorização da fé.
No século 20, o
humanismo, impulsionado pela Revolução Industrial e pelo desenvolvimento
capitalista, substitui o racionalismo, mas a fé continua sendo considerada
alienação. O mundo avança rumo ao progresso e a sociedade se distancia ainda
mais de Deus. O ateísmo deixa de pertencer somente às classes
intelectuais, influencia as correntes filosóficas, os movimentos
político-sociais como o liberalismo, a democracia, o anarquismo, o
socialismo, e se infiltra fortemente, também, entre os grupos populares.
Assim, por mais de
200 anos, o ateísmo tem conquistado um montante cada vez maior de
adeptos, sobretudo entre os países socioeconomicamente mais evoluídos.
Estima-se que haja atualmente no mundo cerca de 750 milhões de pessoas que
não acreditam em Deus. Um grupo que ocupa a 4ª posição no ranking composto
pelo cristianismo, em primeiro lugar, com 2 bilhões de fiéis
(considerando-se católicos, protestantes, anglicanos, luteranos, ortodoxos,
além de mais de 39 mil tipos de denominações em 238 países)*, seguido pelo
islamismo – a religião que mais cresce – com 1,2 milhão de seguidores, e o
hinduísmo, com 900 milhões de praticantes.
Segundo o teólogo e
escritor Russel Shedd, PhD em Novo Testamento pela Universidade de
Edimburgo, na Escócia, os números tendem a crescer ainda mais, sobretudo
entre os países mais ricos. “Vai-se viver como se Deus não existisse.
Isso não quer dizer que todo o mundo está se tornando ateu, mas há uma
modernização. As pessoas têm o que desejam: emprego, família bem cuidada,
plano médico etc., quer dizer, supostamente não precisam de nada, nem de
Deus”.
O diretor do
Instituto World Values Surveys e cientista político da Universidade de
Michigan, Ronald Inglehart, concorda com esse argumento e diz que nas
sociedades caracterizadas pela carência na distribuição de alimentos,
precariedade nos serviços públicos de saúde, de moradia etc., o índice de
religiosidade tende a aumentar. Por outro lado, em nações onde há fartura
e excelentes serviços nas áreas citadas, a fé tende ao desaparecimento.
A hipótese já defendida pelo filósofo ateu Karl Marx, em 1843, isto é, que o
sofrimento produz religiosidade e a fartura o distanciamento de Deus, hoje
pode ser visto quantitativamente através de pesquisas realizadas por
sociólogos em todo o planeta. Começando pela Europa – berço da civilização
cristã – passando pelas Américas, África, Ásia e Oceania, é possível
conectar os fatores lógicos da relação “fé versus desenvolvimento” aqui
apresentadas.
Acir Raymann, mestre em Antigo Testamento: "Ainda hoje, Deus permite
que catástrofes aniquilem com a vida de massas humanas"
PANORAMA
GLOBAL DO ATEÍSMO
Na Europa
O continente que um
dia foi luz para o mundo, região de onde por mais de um milênio o Evangelho
foi propagado às nações, hoje caminha rumo à escuridão da fé. Segundo o
Centro de Treinamento Cristão European Apologetics Network, de Londres,
“somente na Europa, nos últimos 100 anos, o ateísmo cresceu de
aproximadamente 1,7 milhão para cerca de 130 milhões de pessoas”. De acordo
com a obra Religião na Europa no Final do Segundo Milênio, publicada em 2003
pelo padre Andrew Greeley, jornalista, autor de 50 best-sellers e professor
de Ciências Sociais das Universidades de Chicago e do Arizona, “só entre os
britânicos, 31% das pessoas declararam não acreditar em Deus”. Um ano
depois, a BBC de Londres encomenda outra pesquisa sobre o mesmo assunto e
revela um novo recorde: o índice subira para 44%.
Mark Carpenter, mestre em Letras Modernas pela USP e presidente da
Editora Mundo Cristão, sinaliza que a relevância da obra de Dawkins está
diretamente ligada ao pós-11 de setembro
Quando entrevistado
pelo jornalista Dale Hurd para a CBN News, o escritor Richard Miniter
(correspondente do jornal inglês The London Sunday Times em Bruxelas, na
Bélgica) declarou: “Quando você diz aos europeus que vai à igreja aos
domingos, as pessoas o olham como se fosse uma peça de museu. Lá, apenas 5%
da população freqüenta cultos regularmente e, deste percentual, 3% são
negros, um índice elevado da população afro, considerando que apenas 5% da
sociedade européia é de origem negra”.
Pastor Paul Devos,
do Centro Cristão das Assembléias de Deus na Bélgica, em resposta à mesma
reportagem, afirma: “Aqui na Europa, as pessoas não esperam nada da
religião. Eles acreditam que para esta vida não há nenhuma esperança a ser
encontrada na igreja. Não podemos sair tocando a campainha da casa das
pessoas, porta a porta, tentando alcançá-las. Elas não acreditam mais em
nós”. Desse problema, o renomado escritor inglês C.S.Lewis já estava ciente
há algumas décadas. Ele costumava dizer: “Se desse a um transeunte em
Londres a opção entre uma refeição num bom restaurante e a garantia de
chegar ao céu, seguramente ele escolheria a refeição”.
Para Valtair Miranda, mestre em Ciências da Religião, a atitude de
Dawkins é limitada por vários aspectos: “O fenômeno religioso é
impossível de ser esgotado por um único método de análise”
Frente ao declínio
massivo da fé, Miniter desabafa: “A perda da fé, na Europa, é como uma
estrela negra, invisível, que ainda possui uma tremenda força gravitacional.
Eles não entendem por que a cultura deles está falindo. Eles não entendem
por que os índices de divórcio e suicídio são tão elevados. Eles não
entendem por que tão poucas mulheres européias têm mais de um filho e por
que, na maioria das ruas, você vê mais cachorros do que crianças. Esse é o
impacto da morte da fé na Europa”.
Peter Kerridge,
diretor geral da rádio premier do Reino Unido, se opõe à idéia de falência.
Para ele, não importa quantas manchetes saiam dizendo que a Igreja está
morta. A verdade é que ela nunca morrerá. Ele se refere ao aumento de 18% da
população cristã entre as igrejas pentecostais de membresia tipicamente
afro, nos últimos 5 anos, em Londres.
No mundo
Outros dados
surpreendentes sobre o crescimento do ateísmo no mundo também foram
revelados por Phil Zuckerman, PhD em Sociologia da Religião, pesquisador e
professor da Pitzer College de Claremont, Califórnia, EUA. Seu artigo,
publicado na obra Contemporary Atheism: Rates and Patterns, editada por
Michael Martin e impressa pela Universidade de Cambridge no final de 2006,
mostra a lista das 50 nações com maior porcentagem de pessoas que se
intitulam atéias, agnósticas ou que simplesmente declararam não acreditar em
Deus. Apesar da margem de erro em alguns casos ser bastante elevada, as
porcentagens apresentadas revelam um verdadeiro apagão da fé entre os mais
abastados do globo. Suécia (85%), Vietnam (81%), Dinamarca (80%), Noruega
(72%), Japão (65%) e República Checa (61%) respectivamente, encabeçam a
lista, seguidos por Finlândia (60%), França (54%), Coréia do Sul (52%),
Estônia (49%), Alemanha (49%), Rússia (48%), Hungria (46%), Holanda (44%),
Inglaterra (44%) etc. Todos esses países possuem alta renda percapita,
exceto o Vietnam, onde o ateísmo não é orgânico, mas coercivo, isto é,
imposto ou induzido pelo regime político ou religioso. Essa situação é
encontrada também nos países do continente asiático – o mais populoso do
mundo –, na Oceania e no Oriente Médio.
Para Richard Dawkins, o criacionismo está formando uma geração
fundamentalista de cristãos alienados
Na África
Nas 48 nações do
continente africano, sem contar as ilhas, a situação é completamente
diferente. Países como Argélia, Benin, Botsuana, Burquina Fasso, Burundi,
Camarões, Chadi, Etiópia, Gâmbia, Gana, Quênia, Libéria, Líbia, Madagascar,
Mauritânia, Marrocos, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Tanzânia, Togo,
Tunísia, Zimbábue e Zâmbia, entre outros, mostram índice de ateísmo inferior
a 1%. Essas nações estão entre as mais pobres do planeta. Lá, a renda per capita é insignificante e a maioria da população vive abaixo da linha da
pobreza, isto é, com menos de 1 dólar por habitante, ao dia.
Nas regiões mais
desenvolvidas do continente, como a África do Sul, por exemplo, as condições
de vida melhoram e o índice de ateísmo volta a sofrer elevações, chegando a
11%. Apesar disso, o país tem cerca de 79% de sua população declaradamente
cristã. Um panorama otimista.
Na América Latina
Na América Latina,
região formada por 20 países tipicamente de Terceiro Mundo, ou em
desenvolvimento – incluindo o Brasil –, os índices de ateísmo permanecem
baixos, variando de 1% a 3%, exceto em Cuba, México (7%), Argentina (8%) e
Uruguai, com cerca de 12% de sua população ateísta e, entre 30% e 50%,
assumidamente sem religião.
Outros países onde o ateísmo é inferior a
1%
Além das nações já mencionadas, há outras dezenas onde o ceticismo não chega
a 1%. Como exemplo podemos citar: Azerbaijão, Geórgia, Indonésia,
Bangladesh, Brunei, Tailândia, Sri Lanka, Irã, Malásia, Nepal, Afeganistão,
Paquistão. No entanto, lá o cristianismo não tem presença marcante. As
religiões predominantes são islamismo, hinduísmo, budismo etc.
ATEÍSMO VERSUS FÉ
Nunca houve tantos
ateus no mundo como na atualidade. No entanto,
enquanto a maioria dos países
ricos elevam seus índices de ateísmo, globalmente a ideologia cética tende à
diminuição. A razão disso é o significativo aumento do evangelismo entre as
nações menos desenvolvidas. Ao contrário do que disse Nietzsche, isto é,
“Deus está morto”, para os latino-americanos Ele nunca esteve tão vivo.
De acordo com Oscar
Corvalán-Vásquez, professor da Universidade Pública do Chile e PhD em
Sociologia pela Universidade de Toronto, “as projeções para os próximos 20
anos indicam que o número de cristãos nos EUA deve aumentar em 43 milhões.
No México e no Brasil, cerca de 47 milhões. Na América Latina, o crescimento
deve dobrar em relação ao Canadá e aos EUA. Na Rússia, a situação deve
permanecer estável, porém, na Alemanha, haverá uma redução significativa.
Isso significa que em 2025 ela não fará mais parte das 10 maiores nações
cristãs do mundo. No continente africano, o crescimento deverá ser superior
aos 100 milhões de novos convertidos, sendo Nigéria e República Democrática
do Congo responsáveis por 72% deste montante. Mais surpreendente ainda será
a elevação do cristianismo na Ásia. China, Índia e Filipinas, juntas, devem
somar 124 milhões de novos adeptos”.
Segundo Vásquez,
sua análise intitulada “Os pentecostais e o ecumenismo: uma perspectiva
latino-americana”, fora apresentada ao Conselho Mundial de Igrejas na Suíça.
20 NAÇÕES COM OS MAIS ELEVADOS ÍNDICES DE
ATEÍSMO
|
País
|
População
|
Ateístas + Agnósticos
– Máx.
|
1
|
Suécia
|
8,986,000
|
85%
|
2
|
Vietnam
|
82,690,000
|
81%
|
3
|
Dinamarca
|
5,413,000
|
80%
|
4
|
Noruega
|
4,575,000
|
72%
|
5
|
Japão
|
127,333,000
|
65%
|
6
|
República Tcheca
|
10,246,100
|
61%
|
7
|
Finlândia
|
5,215,000
|
60%
|
8
|
França
|
60,424,000
|
54%
|
9
|
Coréia do Sul
|
48,598,000
|
52%
|
10
|
Estônia
|
1,342,000
|
49%
|
11
|
Alemanha
|
82,425,000
|
49%
|
12
|
Rússia
|
143,782,000
|
48%
|
13
|
Hungria
|
10,032,000
|
46%
|
14
|
Holanda
|
16,318,000
|
44%
|
15
|
Grã-Bretanha
|
60,271,000
|
44%
|
16
|
Bélgica
|
10,348,000
|
43%
|
17
|
Bulgária
|
7,518,000
|
40%
|
18
|
Eslovênia
|
2,011,000
|
38%
|
19
|
Israel
|
6,199,000
|
37%
|
20
|
Canadá
|
32,508,000
|
30%
|
Fonte:
Atheism: Contemporary Rates and Patterns
MOVIMENTO EM PROL DO ATEÍSMO NO MUNDO
Quem está
inconformado com a perspectiva de crescimento global da fé é o cientista
britânico Richard Dawkins, 65 anos, biólogo, evolucionista, professor da
Universidade de Oxford e, certamente, o ateísta mais conhecido da
atualidade. Para ele, o século 21 deveria ser conhecido como a era da razão,
“mas a fé militante irracional voltou a marchar rumo à alienação”, diz o
autor. O que para os cristãos é uma boa notícia, para Dawkins tem sido um
verdadeiro pesadelo. Diante desse fato, o intelectual lança, através dos
meios de comunicação, uma cruzada internacional simbólica contra a fé em
Deus, em prol do extermínio das religiões e a favor da multiplicação do
ateísmo.
Dawkins se
notabilizou como defensor ferrenho do ateísmo no ano de 1976 por ocasião do
lançamento de seu primeiro best-seller intitulado O Gene Egoísta. Nessa
obra, o cientista introduz na ciência o conceito de MEME (unidade de
informação cultural que passa de uma mente para outra), uma alusão às
influências ideológicas transmitidas pelo ser humano às outras pessoas, como
por exemplo o evangelismo cristão. Depois disso, Dawkins lança outros seis
livros tratando de temas controversos à fé, entre eles O Fenótipo Estendido,
O Relojoeiro Cego, O Rio que Saía do Éden, A Escalada do Monte Improvável e
Desvendando o Arco-íris.
10 MAIORES NAÇÕES CRISTÃS (PROJEÇÃO para
2025 e 2050)
HOJE
|
Milhões
|
2025
|
Milhões
|
2050
|
Milhões
|
EUA
|
252
|
EUA
|
295
|
EUA
|
329
|
Brasil
|
167
|
Brasil
|
193
|
China
|
218
|
China
|
111
|
China
|
173
|
Brasil
|
202
|
México
|
102
|
México
|
123
|
Congo
|
145
|
Rússia
|
85
|
Índia
|
107
|
Índia
|
137
|
Filipinas
|
74
|
Filipinas
|
97
|
México
|
131
|
Índia
|
68
|
Nigéria
|
95
|
Nigéria
|
130
|
Alemanha
|
62
|
Congo
|
91
|
Filipinas
|
112
|
Nigéria
|
61
|
Rússia
|
85
|
Etiópia
|
104
|
Congo
|
53
|
Etiópia
|
67
|
Uganda |
95
|
Fonte:
World Christian Database
No final de 2005, a
TV Channel 4 da Inglaterra convida o biólogo para a produção de um
documentário crítico às religiões no mundo. Dawkins aceita o desafio e, em
janeiro de 2006, o programa intitulado “A Raiz de Todos os Males?” (dividido
em duas partes – “A Desilusão de Deus” e “O Vírus da Fé”) é transmitido em
horário nobre para todo o Reino Unido. O programa é um sucesso de audiência,
apesar das muitas críticas ao fato de Dawkins ter dado voz a extremistas
religiosos, tanto do islã quanto do judaísmo. A proposta, no entanto, era
realmente esta: chocar os telespectadores, mostrando que as religiões formam
a raiz dos conflitos mais violentos do mundo. Aproveitando a esteira de
visibilidade que o documentário lhe proporcionou, Dawkins utiliza o programa
como piloto e lança seu 8º livro chamado The God Delusion, um manifesto
ateísta, polêmico, repleto de afrontas e acusações às religiões, sobretudo
ao cristianismo, onde o autor pretensiosamente promete convencer o leitor de
que “Deus é um delinqüente psicótico inventado por pessoas maldosas”; que “a
religião, além de ser infantil e irracional, é um insulto à dignidade
humana, uma vez que ensina seus seguidores que é uma virtude se satisfazer
com o não-entendimento”; que “a fé é o processo de não pensar”, dentre
tantas outras objeções blasfemas. “Se este livro funcionar como eu pretendo,
leitores religiosos que o abrirem se tornarão ateístas quando o terminarem
de ler”, diz o polemista.
“É chegada a hora
de as pessoas raciocinarem e darem um basta nisso. [...] Os homens-bomba
estão convictos de que, matando para o deus deles, serão levados a um
paraíso especial para mártires. No entanto, este não é só um problema do
islamismo, mas um mal que atinge igualmente todas as crenças”. Para ele, até
mesmo aquelas religiões que parecem inofensivas, como por exemplo o
catolicismo, são responsáveis pela morte de tantas vidas quanto o islã. “O
que dizer sobre o desencorajamento do papa ao uso da camisinha na África ou
a ‘linha direta’ entre Bush e Deus se os custos disso são igualmente vidas
humanas?”.
Para Valtair
Miranda, mestre em Ciências da Religião e coordenador de Teologia do
Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, a atitude de Dawkins é
reducionista, limitada por um ou mais aspectos. “O fenômeno religioso é
impossível de ser esgotado por um único método de análise. Há algo nele fora
dos limites da compreensão humana. Marx e Freud foram os grandes exemplos
disso. O primeiro compreendeu que é o estado e a sociedade que produzem a
religião. O segundo, que a religião era fruto de uma neurose inconsciente,
reprimida, desejante do pai-que-tudo-resolve. É verdade que em alguns
contextos a religião veio a ser realmente isso. Mas ela nunca foi apenas
isso. Ela é muito mais do que isso. Vê-la apenas dessa forma é ignorar todas
as outras manifestações desse fenômeno enormemente plural”.
Um dos principais
pilares da pregação ateísta de Dawkins é que a religião, seja ela qual for,
gera violência direta ou indiretamente. E talvez aí esteja o principal
triunfo de sua obra, uma vez que ela não traz nenhuma novidade em relação a
qualquer outra manifestação ateísta já publicada, senão raiva e indignação
no estilo bem escrito e humorado.
Para o editor Mark
Carpenter, mestre em Letras Modernas pela USP e presidente da Editora Mundo
Cristão, “a relevância da obra de Dawkins está diretamente ligada ao pós-11
de setembro. Todas as acusações de violência da religião inconscientemente
podem ser associadas aos atentados”. Ao que tudo indica, Carpenter está com
a razão. Uma das principais estratégias de marketing de Dawkins é a
utilização de banners disponíveis para download em seu website, onde os
principais elementos explorados são as torres gêmeas e as palavras “Imagine
no religions”, ou seja, “Imagine se não houvesse religiões”.
O evolucionista
também utiliza a Bíblia para tentar confundir aqueles que, como ele mesmo
diz, “estão em cima do muro”. Questionando origem, base moral e veracidade
dos textos, Dawkins inadvertidamente seleciona textos a seu bel-prazer,
identifica possíveis evidências de imoralidade, e então pergunta: “Que Deus
ético e bondoso é esse que permite esse tipo de criminalidade?”. Para ele, o
Antigo Testamento descreve um sistema moral que qualquer pessoa civilizada
deveria achar venenosa. “O que dizer de Deuteronômio 13 onde os cristãos da
época são instruídos a matar qualquer amigo ou membro da família que
seguisse a outros deuses? E sobre Números 31, onde, por ordem de Deus, as
mulheres e crianças são mortas pelos soldados? O que seria isso senão um
caso de genocídio? E Juízes 19, em que um velho homem atira sua filha a uma
multidão de homens loucos para ser estuprada e humilhada numa tentativa de
salvar seu hóspede?” Na opinião do cientista, “o Deus do cristianismo só
pode ser um dos personagens mais desagradáveis e maldosos de todos os
tempos: egoísta e orgulhoso disso, insignificante, vingativo, injusto,
rancoroso, racista, um deus que encoraja seus seguidores à prática do
genocídio, entre outros crimes bárbaros”.
“Vai-se viver como se Deus não existisse. Isso não quer dizer que
todo o mundo está se tornando ateu, mas há uma modernização”, explica o
PhD em Novo Testamento Russel Shedd
PROTEÇÃO AO POVO DE DEUS
Para Acir Raymann,
pastor da Comunidade Evangélica Luterana Cristo, de Porto Alegre, professor
de Teologia da Universidade Luterana do Brasil, pedagogo, mestre em Antigo
Testamento e PhD em Exegética, “o posicionamento de Dawkins quanto à Bíblia
não é novidade na história da igreja cristã. Já no século 2 a.D., o herege
gnóstico Marcião rejeitava totalmente o Antigo Testamento por encontrar nele
um ‘Deus moralmente inferior’.
Quanto à citação de
Deuteronômio 13, Raymann diz que “os habitantes de Canaã eram idólatras.
Adoravam deuses que supostamente se agradavam de cultos de licenciosidade e
prostituição ostensivos e até mesmo sacrifício de crianças (Dt 12.31). Se
diante de uma moral humana tais atos são passíveis de condenação, muito mais
o são diante de Deus. A aplicação da pena capital, por mais chocante que
seja, se destinava a proteger o povo de Deus de ser infectado pelo pecado da
incredulidade, cujo salário é a condenação eterna”.
A situação em
Números 31 também não é muito diferente. Raymann diz que “Deus foi vingativo
contra os midianitas porque estes seduziram o povo à idolatria e à
prostituição. O que aconteceu aos midianitas é aqui descrito como uma ordem
expressa de Deus. Ainda hoje, Ele permite que catástrofes aniquilem com a
vida de massas humanas, independentemente de raça, idade ou sexo. O texto
bíblico do Antigo Testamento não esconde o fato que a causa última dos
desastres repousa na vontade e providência de Deus”.
Sobre o capítulo 19
de Juízes, Raymann diz que o período em que este estupro ocorre se
caracterizava pela ausência de uma liderança política e religiosa em Israel.
“Politicamente, o povo ‘fazia o que achava mais reto’ (Jz 17.6), e
religiosamente ‘deixaram o Senhor para servir a Baal e a Astarote,
prostituindo-se após outros deuses e os adorando’ (Jz 2.13,17). Esse
episódio envolvendo um levita é uma fotografia do momento. O libertino
assassinato da mulher estuprada até a morte por homossexuais de Gibeá
precipitou a guerra civil descrita no capítulo seguinte”. As contravenções
que Dawkins tenta encontrar na Bíblia são rasas e demonstram que o autor não
tem conhecimentos profundos para tratar do tema. “A Bíblia não fala só de
heróis na fé. Ela apresenta também o ser humano na sua mais profunda
fragilidade moral e espiritual”. Para Raymann, o relato de Juízes, “longe de
ser um exemplo a ser justificado ou seguido, serve de alerta de que,
distantes de Deus, estamos expostos a uma vida moral e ética que não entende
Deus nem a sua linguagem”.
DESIGNER DO UNIVERSO
As objeções do ateu
não param por aí. Dawkins se impõe também com relação à influência da igreja
na metodologia e no material didático utilizado nas escolas inglesas e
americanas. Para ele, o criacionismo está formando uma geração
fundamentalista de cristãos alienados. “Se perguntarmos aos americanos
quantos anos tem o universo, 45% deles (cerca de 135 milhões) dirão: menos
de 10 mil anos”. Através de sua fundação, Dawkins planeja enviar material
didático evolucionista gratuito às escolas americanas e do Reino Unido.
Apesar de o
confronto entre ciência e religião parecer crescente, nem toda a produção
científica do mundo contemporâneo tem virado as costas para Deus. O escritor
Alister McGrath, também professor da Universidade de Oxford, em sua obra O
Delírio de Dawkins (com lançamento previsto para 10 de outubro pela Editora
Mundo Cristão) mostra que só no ano de 2006, três grandes cientistas
publicaram obras relevantes evidenciando a existência de Deus, contrapondo a
idéia de Dawkins de que verdadeiros cientistas são ateus. Owen Gingerich,
notável astrônomo de Harvard, é o grande exemplo. Com a obra God‘s Universe,
o autor declara que o universo foi criado com intenção e propósito, se
opondo diretamente à teoria de Dawkins. O cosmologista Paul Davies argumenta
sobre a mesma idéia: “Houve um designer do universo”. Outro exemplo é o
biólogo americano Francis Collins, diretor do Projeto Genoma Humano,
responsável pela descoberta do século: o mapeamento do DNA. Collins lança a
obra Language of God, um livro em que ele argumenta que as maravilhas e as
ordenanças da natureza apontam para Deus. Nessa mesma obra, o cientista
descreve como abandonou o ateísmo para se tornar um cristão.
Apesar de as
argumentações de Dawkins parecerem significativas para alguns,
suas teorias
não correspondem ao esperado por um cientista de renome. São fracas e
superficiais. O livro, traduzido pela Companhia das Letras, chega às
livrarias brasileiras sob o título Deus, um Delírio nas primeiras semanas
deste mês. Como a reportagem de Enfoque fez esta matéria bem antes de muitos
terem acesso ao material de Dawkins, tendo lido sua obra em inglês, uma
continuação sobre o tema será publicada para que líderes de diversas
comunidades religiosas participem com mais opiniões.