CARTA AO FERNANDO COLLOR

 

Fui criado por Fernando Collor. Obrigado, padrasto! 22 anos se passaram…

12/07/2012
Por Urso Branco
Em Política e Religião

 

Fui criado por Fernando Collor. Obrigado, padrasto! 22 anos se passaram…

 

Caro Senador Fernando Collor de Melo, até pela proximidade que temos, mesmo que o senhor não saiba disso, poderia lhe chamar de Fernandinho. Há algum tempo queria lhe escrever abertamente para lhe agradecer diante dos acontecimentos que acabaram por alterar os rumos de minha vida e que, de certa forma, estão relacionados ao senhor.

Este ano completou-se 22 anos desde o início dessas mudanças, imagino que o senhor deva se lembrar dessa data ano após ano, se não lembra, deveria fazê-lo. Em 16 de março de 1990 deu-se início o Plano Collor.

Como esta é uma carta aberta e alguns dos meus leitores podem não se recordar bem, basicamente o Plano Collor consistia em reduzir a hiperinflação que tanto assolava aos brasileiros. Em princípio o plano era perfeito, com corte de gastos públicos, fim de incentivos fiscais, congelamento de salários e preços, substituição da moeda, criação do IOF (um imposto único sobre todas as transações financeiras), liberação do câmbio com várias medidas de abertura comercial e, não podemos esquecer, o confisco do dinheiro que estava investido em fundos como o overnight e em cadernetas de poupança.

Acredito que a maior parte dos meus leitores já abandonou o blog nesse momento, porque política é tida como uma coisa chata, ficando apenas os mais interessados no que tenho a dizer, o que não é ruim, isso cria um clima mais intimista e posso escrever mais diretamente.

Pois bem, o que quero com essa “carta” aberta é agradecê-lo. Fernandinho, você não sabe o bem que me fez. Seu plano foi fantástico. Como sei que não está acostumado a receber agradecimentos – culpa do povo ingrato, claro – vou ser obrigado a me estender um pouquinho, mas fique tranquilo, preciso apenas informar algumas coisas caso contrário meu agradecimento ficaria “vazio”.

Nasci em uma família cuja base sempre foi a construção civil, praticamente fui criado em canteiros de obras, meus brinquedos eram pás, martelos e baldes de plástico, coisa muito normal para o filho de um construtor.

Durante as décadas de 70 e 80, a construção civil foi uma área muito próspera, permitindo que pessoas de origem muito simples, como meu pai, que sequer tinha a quarta série, saído da roça no interior do estado de São Paulo (mais precisamente da cidade de Jardinópolis), pudessem conquistar seu lugar ao sol com trabalho árduo.

Nasci em 1979 e durante alguns anos só conseguia ver meu pai aos finais de semana, pois geralmente ele saia antes de eu acordar e voltava quase na hora em que eu dormia. Trabalho não faltava, mas confesso que para uma criança de pouca idade, eu preferia ter meu pai em casa.

Contudo, além do trabalho abundante, as nossas condições financeiras acompanharam o ritmo, melhorando muito a minha qualidade de vida. Isso não tornou minha família rica, de forma alguma, mas adquirimos um excelente padrão de vida, principalmente quando comparado as expectativas de meu pai quando ainda estava colhendo laranjas.

O resultado disso é que cresci um garoto mimado, sempre acostumado ao que há de melhor, a mim não faltavam as melhores roupas, os brinquedos mais caros, a comida de melhor qualidade. Era realmente muito mais do que eu precisava, e me tornando um garoto pedante, mais do que eu merecia, confesso.

 

Mas, onde você entra nessa história toda? É exatamente nesse ponto. Em março de 1990 eu estava fazendo planos para o meu aniversário, que é em abril, iria completar dez anos. Foi justamente quando tudo começou a mudar.

Com a entrada das medidas pelo plano Collor I, deu-se início a derrocada financeira de minha família. Por isso lhe expliquei a minha origem, para que essa parte fizesse sentido.


Quando aconteceu o congelamento do dinheiro que estava aplicado, a construção civil parou. Prédios que estavam sendo levantados ficaram sem ter quem os comprassem. Natural. Quem é que, diante de um “confisco” imobilizaria qualquer tipo de recurso na compra de propriedades? Só quem tivesse muito dinheiro e que, de alguma forma, fosse avisado com antecedência sobre as medidas que o senhor tomaria. O restante da população, o cidadão comum, mal tinha dinheiro para pagar suas contas, quanto mais investir na compra à vista ou financiada de alguma coisa.

Os prédios eram levantados com financiamento bancário, que na época era feito diretamente para as construtoras (hoje o crédito é concedido aos compradores). Sendo assim, o devedor, caso não conseguisse concluir a venda, seria o construtor.

Quando repentinamente o dinheiro sumiu do mercado, devo lembrá-lo que amargamos um “crescimento” negativo do PIB de 7,8% no segundo semestre de 1990, ficamos com diversos abacaxis na mão. Prédios em estágio avançado de construção, com dívidas bancárias, falta de compradores e centenas de famílias de funcionários sem saber se teriam o que comer.

Nesse momento você decide como quer morrer, cozido ou frito, mas é fato, vai morrer de alguma forma.

Diante do cenário recessivo, havia gente que detinha o poder financeiro. Gente não é a palavra mais apropriada, a única fonte de recursos era o poder público. Sim, ele, o mesmo que fora usado para alavancar o progresso no Brasil durante a ditadura, voltava a ter cartas na manga.

Já reparou que 80% das construtoras que haviam na década de 80 morreram? Obra de sua política e também de seus aliados.

Já que a demissão da mão de obra contratada poderia antecipar a pá de cal nas contas da empresa, não havia outra saída a não ser participar de licitações públicas, o que seria normal em qualquer outro país, menos no Brasil.

Meu pai sempre fora um homem muito honesto, não aceitava pagar ou receber propinas, então não conseguimos obter sucesso nas licitações, quem em sua maioria, estavam ligadas em esquemas para arrecadação de dinheiro por parte do finado PC Farias.

Não serei leviano ao afirmar categoricamente que seu governo estava ligado ao PC, o congresso nacional é que decidiu isso ao colocar um ponto final em sua história como presidente.

Como era de se esperar, ao não negociar com corruptos, restou-nos poucas opções de trabalho, as dívidas começaram a se acumular, os funcionários tiveram que ser demitidos e acabei por me tornar membro de uma nova classe brasileira a dos “novos pobres”.

Fui obrigado a tomar meu rumo mais cedo do que o imaginado por meu pai, que na época só queria que eu estudasse. Passei muitos anos com raiva de você, afinal, logo em minha adolescência minha família “quebra”, me privando das benesses que o dinheiro podia dar.

Meu pai faleceu quando eu ainda tinha 17 anos, muito desgostoso por ver tudo o que construiu ruir, mas a vida é assim, se há algo que aprendi crescendo com a democracia é que dela não podemos ganhar. 

Quem sabe daqui a 50 anos, se ela ainda existir, estará mais madura para eleger representantes legítimos? Até agora, o que vejo são arremedos da ditadura, representantes de poucos, eleitos por muitos que não fazem a menor questão de saber por que votam.

Passei por algumas dificuldades, nada comparado ao povo que passa fome no nordeste, mas posso dizer que fui moldado na porrada. É aí que entra o meu agradecimento, Fernandinho! Se não fosse por você, eu não teria ido atrás do meu, não teria que aprender a conviver com as diversas classes sociais, muito menos seria a pessoa politizada que sou.

Você me criou! Me deu a iniciativa de me tornar um comunicador e a oportunidade de entender o mundo fora da zona de conforto. Ok, custou-me ver meu pai definhando, amigos se esvaindo, famílias ruindo e o padrão de vida se jogando do penhasco, mas me tornei uma pessoa melhor, acredito.

Nutro por você um sentimento ambíguo, por um lado fico feliz por não ser um crápula, por outro me sinto vingado. Esse último sentimento se deu nestes últimos tempos, ao ver que todos os supostos esquemas de corrupção em seu governo, que lhe custaram a cabeça, foram coisas de principiante perto do que o governo atual fez e nada aconteceu.

Imagino como você deve se sinta ao ter que apertar as mãos de quem lhe depôs por querer pouco e ainda vê-los triunfar diante de uma popularidade que parece absoluta.

É, caro Fernandinho, você é uma vítima agora de uma democracia combalida, da mesma forma que eu fui, quando você teve o poder para fazer algo e não o fez.

Grande abraço e boa sorte, você ainda pode precisar dela.

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