O CASTIGO DIVINO DO HIFEN
Dicas de português
Dad Squarisi
Hífen? Ops! É castigo de Deus. A punição vem de longe.
Quando o mundo nasceu, todos falavam uma só língua. As
pessoas se entendiam. No planeta, por isso, imperava a
harmonia. Marido não brigava com a mulher, pais não
davam bronca nos filhos, professores não precisavam
repetir a lição. Com o tempo, a concórdia virou
monotonia. Entre um bocejo e outro, eureca! Pintou a
ideia. As criaturas construiriam uma torre que as
levasse ao céu.
O Senhor, lá no alto, ouviu comentários sobre a obra.
Meio descrente, deu uma espiadinha na Terra. Ficou
irado. "Que ousadia!", exclamou. A punição veio a
galope. O Todo-Poderoso criou 6.800 línguas. Com elas, o
dicionário enriqueceu. Ganhou o verbete babel. Nome
comum, quer dizer confusão de línguas. Não satisfeito, o
Papai do Céu deu um castigo para cada língua. Para o
alemão, as palavras coladas que atravessam linhas. Para
o chinês, os milhares de ideogramas. Para o francês, os
acentos. Para o português, o hífen.
Testemunhas afirmam que Deus pôs os 400 mil vocábulos do
português numa mão. Centenas de hífens na outra. Jogou
tudo pra cima. Nas alturas, pedaços de palavras se
separaram de outros. Desconhecidos se grudaram a
desconhecidos. Parte de uns se juntou a de outros com
hífen. Outras com hífen. Em suma: fundou-se o império da
confusão. A reforma ortográfica tentou pôr ordem no
caos. Teve algum êxito. Diminuiu o número de regras e de
exceções. Mas permanecem pedras no caminho. Como diz o
outro, castigo é castigo.
Pra ajudar os mortais, a coluna se debruçou sobre as
mudanças. Logrou êxito. Conseguiu dividir o emprego em
dois grupos. Um: na composição de palavras. O outro: na
prefixação. O primeiro foi assunto da coluna anterior. O
segundo é o tema de hoje. Vamos a ele?
Prefixação
Com o auxílio do prefixo, a palavra mantém a classe
gramatical. Mas acrescenta ideia nova —de tamanho (microblog),
de oposição (anti-intervenção), de associação
(coabitar). Lidar com essa turma não é mole. Melhor
comer pelas beiradas. Comecemos pelos intolerantes. São
os prefixos chega pra lá. Eles não admitem a proximidade
com qualquer palavra. Por isso sempre se usaram e
continuam a se usar com hífen. O ex- serve de exemplo.
As duas letrinhas dão recado claro. Dizem que o ser
antecedido por elas foi, mas deixou de ser. É o caso do
ex-marido. Ele dividiu o leito nupcial com a mulher. Não
divide mais. É o caso também de ex-presidente. Sua
Excelência se sentou na cadeira-mor da instituição. Não
se senta mais.
E os outros? Além, aquém, pós, pré, pró, recém, sem,
vice, soto, soto, vizo: além-mar, aquém-muros,
pós-graduação, pré-primário, pró-reitor, recém-chegado,
sem-terra, vice-presidente, sota-piloto, soto-mestre,
vizo-rei.
Regras de ouro
Vamos combinar? Os intolerantes nunca constituíram
problema. O xis da questão são os outros. Duas regras de
ouro resolvem uns 90% das dúvidas. Use o tracinho
quando:
1. o prefixo for seguido de h: pré-histórico,
anti-humano, super-homem, extra-humanidade,
semi-hospitalar, pseudo-herói, pós-homérico,
extra-habitual.
Exceção? Grafias tradicionais se mantêm. Valem os
exemplos de reaver, inábil, anistórico, desumano.
O co- e o re- passaram a sofrer de alergia. Com eles é
tudo juntinho: coerdeiro, coabitação, reaver, reouve.
2. Letras iguais se encontrarem: contra-ataque,
anti-inflamatório, mini-internato, semi-irregular,
auto-observação, micro-ondas, tele-escola, hiper-rico,
inter-racial, sub-bloco, super-romântico.
A propósito:
a. O co- e o re- continuam alérgicos: coordenação,
cooperar, reeleição, reelaborar.
b. O sub- enfrentou uma encrenca. Para evitar encontro
consonantal como o que ocorre em abraço, pede hífen
quando seguido de r: sub-região, sub-raça, sub-reptício,
sub-rogar.
c. Se letras iguais se rejeitam, letras diferentes se
atraem: autoescola, infraestrutura, aeroespacial,
agronegócios, autoanálise, coedição, semiobscuro,
miniolimpíada, microblog, microavanços, megaexposição,
anticorrupção, semicírculo, contracheque, subsolo.
d. Pronúncia exige respeito. Pra mantê-la, temos de
recorrer a truques da língua. Se o r ou o s ficarem
entre duas vogais, dobram-se as letras: minirrevista,
minissaia, megarregião, antirreforma. (Estado de Minas,
28/02/2010, Caderno Cultura, PÁG. 2)
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