INCERTEZA CIENTÍFICA OU CERTEZA RELIGIOSA?
- 13/12/2002 -
Ciência e
religião, ainda que muitos digam serem compatíveis, têm-se mostrado duas coisas
de todo inconciliáveis. As religiões têm absoluta certeza do que pregam enquanto
a ciência tem dúvida, o que reforça as convicções de pessoas que aceitam
cegamente algo dito divino. Paulo descreveu bem a fé como o “firme fundamento
daquilo que se espera, a certeza das coisas, que se não vêem”. Todavia, muitas
das vezes, tem-se mostrado ela a “certeza da existência das coisas que não
existem” (Hebreus, 11:1). O que ocorre é que a dúvida científica reflete a
responsabilidade que os cientistas sentem pelo que dizem, sentimento este que
não passa pela cabeça dos religiosos.
Argumentou, em 1987, um dos autores religiosos: “A ciência não afirma
categoricamente que a raça humana procedeu de um só casal, mas a palavra de Deus
afirma isso com toda clareza em Atos, 17: 26”. (Raimundo F. de Oliveira, Seitas
e Heresias, pág. 123).
Aí é que reside uma grande diferença: A ciência elabora uma hipótese com base em
indícios circunstanciais e fáticos e estuda os elementos existentes com a
finalidade de alcançar a comprovação da realidade. Os religiosos, por seu turno,
aceitam incondicionalmente o que encontram escrito considerado divino,
considerando-o verdade absoluta. Essa aceitação cega, entretanto, não faz com
que a afirmação seja verdade, senão nas cabeças dos crentes. Por anos e séculos,
não havia provas irrefutáveis contra as chamadas “verdades”, mas o progresso
científico chegou ao ponto em que pôde tornar algumas dessas “verdades” tão
claramente insustentáveis, que, com exceção dos mais radicais, muitos mestres
religiosos já tentam dar mirabolantes explicações, atribuindo significados os
mais amplos aos termos hebraicos, aramaicos e gregos utilizados pelos escritores
bíblicos, como meio de adaptação dos textos às descobertas científicas
incontestáveis.
O evangelho afirma que o próprio Jesus Cristo predisse que as estrelas cairiam
do firmamento próximo de seu gloriosos retorno à Terra (Mateus, 24:29), e seu
discípulo João presenciou, em sua visão do Apocalipse, as estrelas caindo “sobre
a terra, como quando a figueira, sacudida por um vento forte, deixa cair os seus
figos verdes” (Apocalipse, 6:13).
Naquela época, e mesmo séculos depois, isso parecia perfeitamente possível, mas
a cosmologia moderna não deixa nenhuma sombra de dúvida sobre a impossibilidade
de tal fenômeno, uma vez que uma estrela das menores tem no mínimo vinte e seis
mil vezes o tamanho do nosso planeta. Um astro com dimensão menor não é capaz de
gerar fusão nuclear para ter o brilho estelar. Isso, porém, não é suficiente
para alguns radicais desistirem da defesa das “verdades” inverídicas. Há quem
diga que o termo “astera”, traduzido por estrela, significa “asteróide”,
referindo-se não propriamente às estrelas. Não levam eles, contudo, em
consideração que, ainda que fosse um punhado de asteróides, isso poria fim a
tudo no nosso globo, inviabilizando o resto do Apocalipse.
Nos dias de Galileu Galilei e de Giordano Bruno, que cometeram o pecado de
afirmar uma realidade hoje incontestável, a Bíblia era a prova para decretar a
morte dos que blasfemavam contra a palavra divina. Hoje, a própria igreja que
matava os heliocentrista não tem mais como não admitir o próprio erro. Aquela
certeza que justificava a execução dos que ousassem desmentir a “palavra de
Deus” não pode mais subsistir.
Quando Charles Darwin percebeu a evolução das espécies, suas idéias soavam como
o maior absurdo. Hoje, com o avanço da arqueologia e da miscroscopia, nem o papa
nega a realidade da evolução. No entanto, não faltam os que tentam de todo modo
possível contestar esse fato. Se os vírus e bactérias sofrem alterações
genéticas visíveis em poucos dias, adaptando-se para sobreviver aos ataques
medicamentais; se o progresso arqueológico mostra fósseis humanos distintos à
medida que se retrocede no tempo por muitos milhares de anos ou milênios, não há
como admitir que tudo tenha sido criado imutável há cerca de seis mil anos.
Ainda há uns poucos que procuram em pequenas imperfeições dos métodos
científicos de datação insistir na defesa do relato criacional bíblico. Todavia,
ainda que haja falha, elas são extremamente pequenas para transformar seis
milênios em bilhões de anos. Ademais, a química mostra que seria impossível uma
matéria orgânica se transformar em petróleo em apenas alguns milênios.
A par dessa incontestabilidade em relação ao tempo, não podendo negar que haja
milhões de anos de desenvolvimento do nosso planeta, outros hábeis teístas
querem transformar os seis dias da criação em longas eras geológicas, sob o
argumento de que “yon”, o termo bíblico traduzido por “dia”, não significa
especificamente um período de vinte e quatro horas. Isso é em parte correto em
relação ao termo, vez que a nossa própria palavra “dia” não significa
necessariamente em todo tempo, um período de vinte e quatro horas. Contudo, ao
dizer que “foi a tarde e a manhã, o dia primeiro”, o segundo, o terceiro, etc.,
é muito difícil aceitar que não se esteja referindo à parte noturna e a diurna
de cada dia.
No sentido oposto, afirmam outros que os anos de vida dos homens componentes da
linhagem de Adão a Noé não são anos reais, podendo serem meses, isso para não
persistir na afirmação absurda de que pessoas tenham vivido cinco, seis, ou até
mais de nove séculos em uma época em que a expectativa de vida era muito
inferior à nossa atual. Nesse caso, com meridiana clareza, cai por terra o
argumento, com base na própria bíblia, bastando para isso lermos o relato do
dilúvio:
Gênesis, 7: 11: “No ano seiscentos da vida de Noé, no mês segundo, aos dezessete
dias do mês, romperam-se todas as fontes do grande abismo, e as janelas do céu
se abriram.” Isso é suficiente para se ver que os meses deveriam ter
aproximadamente trinta dias, pelo menos dezessete estão mencionados.
Gênesis, 8: 5: “E as águas foram minguando até o décimo mês; no décimo mês, no
primeiro dia do mês, apareceram os cumes dos Montes.” Pelo menos dez meses já
foram mencionados. Não resta dúvida de que o escritor do Gênesis falava de tempo
contado em anos de doze meses de trinta dias, uma vez que os cumes dos montes
apareceram no primeiro dia do décimo mês e “No ano seiscentos e um, no mês
primeiro, no primeiro dia do mês, secaram-se as águas de sobre a terra.”
(versículo 13). Seria necessário mesmo uns dois meses para secar tanta água. Não
há como subsistir a tese de anos serem meses.
A alegação religiosa contra a incerteza científica é tão aceitável, como aceitar
a afirmação categórica de que um indivíduo de cabelos todos brancos, com rugas
profundas e corpo encurvado tenha vinte anos de idade, só porque não haja prova
inequívoca de que sua idade esteja entre sessenta e oitenta anos.
A tão boa
definição paulina de que a fé é “o firme fundamento daquilo que se espera, a
certeza das coisas que se não vêem” tem-se revelado, à luz do conhecimento
moderno, “o firme fundamento das coisas infundadas, a certeza da existência das
coisas que não existem.” A ciência, por sua vez, embora não tenha explicação
inquestionável sobre todas as coisas, já desfez satisfatoriamente muitas das
chamadas “verdades” de que se tinha tanta certeza no passado.
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