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A CIÊNCIA A FAVOR DA BELEZA
03/03/2010
hidratação profunda da pele, abriu caminho para
uma revolução nos cosméticos
Como a descoberta do sistema de hidratação
profunda da pele, feita por um prêmio Nobel, abriu caminho para uma revolução
nos cosméticos
Carolina Romanini
Laílson Santos
Aposta
na ciência
Gonzaga no laboratório da Natura, em São Paulo: 2 500 pesquisas para criar uma
linha de hidratantes
Há duas décadas, as pesquisas sobre a preservação da juventude da pele
proporcionaram a primeira revolução no mundo dos cosméticos. À frente dela
estava o ácido retinoico, que se provou eficiente no tratamento dos sinais da
idade mais tênues. Agora, graças ao trabalho de um prêmio Nobel, uma segunda
revolução se aproxima. Um novo continente foi descoberto no planeta do
conhecimento científico sobre o metabolismo das células da pele. As perspectivas
são extraordinárias no campo da prevenção. O que se pode esperar das aplicações
práticas vindas da descoberta da ciência pura é, simplesmente, manter por quase
toda a vida a mesma aparência jovial que a pele apresentava aos 20 anos de
idade. Nunca a indústria de cosméticos esteve tão próxima da ciência de
vanguarda.
Durante um século, desde que a polonesa Helena Rubinstein criou o conceito
moderno de produtos de beleza, mulheres e homens preocupados com a aparência
tiveram recursos muito limitados para manter a pele livre das rugas, da flacidez
e das manchas trazidas pelo processo natural de envelhecimento. Os cremes e as
loções disponíveis no mercado, à base de glicerina e outras substâncias
gordurosas, apenas mantinham a hidratação natural da epiderme nas horas
seguintes à sua aplicação. A prevenção de rugas ou a manutenção de uma pele
jovem e saudável ao chegar à meia-idade, façanhas prometidas nas embalagens,
ainda têm pouca correspondência no mundo real. Os pesquisadores da área de
cosméticos sempre souberam por que é tão difícil evitar as marcas do tempo na
pele por meio de produtos químicos. Basicamente, porque não se sabia como
interferir nas camadas mais profundas da epiderme. Agora, como resultado de
diversas frentes de pesquisa científica, vive-se o início da mais notável
revolução já vista no mundo dos produtos de beleza. As empresas de cosméticos
anunciam que estão a um passo de encontrar fórmulas químicas capazes de manter a
hidratação nas camadas inferiores da pele.
O ponto de partida para essa revolução nos tratamentos de beleza é a descoberta
do cientista americano Peter Agre que lhe valeu o Prêmio Nobel de Química em
2003. Agre descreveu o funcionamento do principal sistema de irrigação dos
tecidos do corpo humano. Ele é composto de canais formados por proteínas que
atravessam a membrana celular e permitem a entrada e saída de água. O
pesquisador batizou esses canais de aquaporinas. Os órgãos do corpo humano são
formados majoritariamente de água – 79% no caso do coração, 76% no do cérebro e,
na pele, 70%. Por isso, as aquaporinas são indispensáveis para o funcionamento
do organismo. Mas, como todo processo bioquímico de manutenção da vida, a
eficácia das aquaporinas diminui com o passar dos anos, tornando os órgãos mais
fracos e vulneráveis. A diminuição no desempenho das aquaporinas da pele a torna
seca e enrugada. O grande salto que as empresas de cosméticos estão prestes a
empreender é prolongar o funcionamento perfeito da aquaporina 3, específica da
pele, por tempo indeterminado. Para isso, elas têm várias estratégias. A
principal delas é a produção de cremes com proteínas sintéticas semelhantes às
naturais. "Saber como funciona cada elemento que compõe a pele se tornou
imprescindível para encontrarmos fórmulas cada vez mais específicas para
tratá-la, e a aquaporina foi um passo gigante nessa direção", disse a VEJA o
francês Lionel De Benetti, diretor da indústria de cosméticos francesa Clarins,
de Paris.
Não apenas para a pele, diga-se. A descoberta dos mecanismos de circulação
celular de água e outras substâncias nutritivas começa a produzir soluções para
os mais diversos problemas de saúde. Uma das mais esperadas é uma terapia que
pode manter os rins funcionando em padrão ótimo por quase toda a vida de uma
pessoa. Aos 85 anos, um ser humano normal tem a capacidade de filtragem dos rins
reduzida em média a meros 30% – ainda assim se ele tiver um organismo sadio.
Pessoas que são obrigadas a tomar diariamente medicamentos para doenças
crônicas, como o diabetes, exigem mais dos rins. Elas podem chegar aos 85 anos
com o poder de filtragem renal de apenas 10% do normal. A possibilidade de
manter ou reativar os processos que ocorrem nas aquaporinas é uma esperança para
a pele perfeita e para o prolongamento da juventude e do bem-estar geral do
organismo.
Sob o número EP 1 885 477 B1, acaba de ser concedida na União Europeia a
primeira patente de um produto criado com base nas aquaporinas. Ela foi obtida
por uma empresa dinamarquesa que produziu com aquaporina uma membrana capaz de
filtrar e purificar a água nas condições mais adversas. O uso imediato
vislumbrado pelos dinamarqueses é em grandes usinas de dessalinização de água do
mar, o que, com a nova tecnologia, pode ser feito mais rapidamente e com mais
eficiência do que qualquer outro processo anterior. O ramo médico da empresa
está focado em aplicações que vão produzir soluções para doenças renais e outras
em que o problema é a produção ou filtragem de fluidos no organismo.
Na cosmética, a manutenção do bom funcionamento das aquaporinas através das
décadas é a principal arma da nova revolução dos produtos de beleza, mas não a
única. Os cientistas têm conseguido avanços também em outras frentes na busca
pela preservação da pele jovem. A principal delas é a regeneração celular. A
técnica da finalização transepidérmica, atualmente em fase de testes em vários
laboratórios da Europa, procura retardar a perda da capacidade de produção
celular que se intensifica a partir dos 40 anos. Moléculas de substâncias
estimuladoras da renovação celular, como o retinol, são introduzidas em uma
única célula da pele. A partir daí, as proteínas celulares se encarregam de
levar o elemento estimulador às demais células. A utilização da finalização
transepidérmica na regeneração celular também pode se dar por meio dos chamados
fatores de crescimento. São proteínas naturais da pele que estimulam a produção
de novas células, principalmente as responsáveis pela síntese de queratina e
colágeno, substâncias que garantem a elasticidade e a firmeza da pele. Prevê-se
que os produtos que utilizam a finalização transepidérmica cheguem às
prateleiras das farmácias nos próximos seis meses.
A nanotecnologia também tem sido uma aliada poderosa no desenvolvimento da nova
geração de cosméticos. Com ela, é possível fragmentar a molécula de uma
substância ativa ao menor tamanho possível, o nanômetro, e fazê-la penetrar
facilmente em qualquer tecido. Já existem vários produtos no mercado fabricados
por meio dessa tecnologia. Entre os principais estão os filtros solares, que
garantem até 100% de proteção contra a ação do sol. As moléculas fragmentadas,
além de penetrar mais profundamente a pele, têm também maior capacidade de
absorção, o que garante que o produto se espalhe de maneira mais uniforme. Uma
grande vantagem das nanopartículas é a capacidade de penetrar as camadas da pele
e o interior das células sem a interferência dos receptores, as sentinelas da
membrana celular. Os receptores são como válvulas que têm como função selecionar
o conteúdo que chega até o interior das células. Para que uma substância
atravesse essa membrana, molécula e receptor devem se encaixar perfeitamente,
como duas peças de um quebra-cabeça. "Os ingredientes de um cosmético funcionam
como um gatilho. Eles atingem certos receptores na epiderme, e isso produz uma
reação em cadeia capaz de estimular as células das camadas mais profundas da
pele", disse a VEJA a americana Ni’Kita Wilson, vice-presidente da firma de
cosméticos Cosmetech Laboratories.
O conhecimento cada vez mais apurado da pele faz com que as novas linhas de
pesquisas dermatológicas lidem com uma quantidade muito maior de variáveis do
que no passado. Tradicionalmente, considerava-se a existência de apenas quatro
tipos de pele: normal, seca, mista e oleosa. Há quatro anos, num estudo hoje
amplamente aceito pela ciência, a dermatologista americana Leslie Baumann, do
Baumann Cosmetic & Research Institute, em Miami, propôs que na realidade existem
dezesseis tipos de pele. Cada um deles deriva de uma combinação de quatro
fatores – hidratação, sensibilidade, textura e pigmentação. Recentemente,
descobriu-se também que a idade biológica é fundamental para a escolha do tipo
de tratamento da pele. Até os 25 anos, o corpo se encarrega de produzir
naturalmente as substâncias que lhe garantem beleza e juventude. Cabe aplicar
apenas um hidratante simples e fazer uso do protetor solar com regularidade. Dos
25 aos 40 anos, a produção das substâncias responsáveis pela juventude da pele
começa a diminuir. É preciso usar hidratantes mais intensos. Dos 40 aos 60 anos,
a pele necessita de estímulos vigorosos para continuar produzindo as substâncias
que a mantêm. Recomenda-se a utilização de cremes altamente concentrados para a
prevenção do envelhecimento. A ciência também reforça cada vez mais a
importância dos hábitos de vida na preservação da juventude da pele. "É um
conjunto de fatores que determina o viço da pele", diz Daniel Gonzaga, diretor
de pesquisa e tecnologia da Natura.
Na corrida pela revolução dos novos produtos de beleza, a indústria de
cosméticos vem aumentando seus investimentos em pesquisas e também na
qualificação dos pesquisadores. A francesa L’Oreal, a maior empresa de
cosméticos do mundo, elevou seu investimento em pesquisas em 23% nos últimos
cinco anos – de 496 milhões de euros em 2005 para 609 milhões de euros neste
ano. Os farmacêuticos, que no passado eram os maiores responsáveis pela
elaboração dos cosméticos, são hoje minoria entre os Ph.Ds. e doutores que
pilotam os principais laboratórios do mundo. Na L’Oreal, dos 3 268 pesquisadores
que trabalham em trinta áreas dos laboratórios, 2 000 deles são Ph.Ds. em
diversas disciplinas. As principais empresas cosméticas, além de manter
laboratórios próprios, firmam convênios com as mais aclamadas universidades. Em
geral, leva-se entre cinco e dez anos para criar um produto. A Natura, para uma
única linha de hidratantes faciais a ser lançada nos próximos meses, fez mais de
2 500 pesquisas, que incluíram desde o comportamento do consumidor até testes
específicos com os diferentes tipos de pele das mulheres brasileiras. Diz o
carioca Omar Lupi, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia: "A
revolução definitiva na eficiência dos cosméticos ocorrerá nos próximos dez
anos, quando as pesquisas genéticas básicas levarem à elaboração de produtos
praticamente customizados".
A pele lisa eterna
Humberto Michalchuk
Lifting do futuro
Pele artificial produzida na Bionext, em Curitiba: possível uso
em tratamentos estéticos
A maioria dos princípios ativos atualmente adotados pela indústria cosmética
para aliviar as rugas associadas ao envelhecimento foi antes usada como remédio
contra queimaduras. Não será total novidade, portanto, quando as peles
sintéticas, hoje de grande utilidade nos hospitais, passarem a ter aplicações
estéticas. É uma questão de tempo, apenas. Atualmente, em algumas terapias
estéticas que envolvem descamações mais radicais da pele, os dermatologistas têm
como recurso cobrir a área afetada com pele artificial. Enquanto a epiderme
natural se recupera do trauma, sua equivalente sintética, feita de celulose, se
encarrega de evitar infecções e de manter a hidratação. O uso de peles feitas
com tecido humano, porém, ainda não fornece resultados estéticos satisfatórios.
Diz Ronaldo Golcman, cirurgião plástico do Hospital Albert Einstein, de São
Paulo: "Ainda não é possível substituir a pele natural por enxertos feitos em
laboratórios para fins estéticos porque essas peles não têm a mesma qualidade.
Elas podem se retrair ou apresentar pigmentação diferente".
Existe hoje uma dezena de tipos de pele artificial em uso nos hospitais ou ainda
em fase de testes nos laboratórios. A pele é um dos órgãos do corpo que mais
sofrem rejeição ao ser transplantados. Apenas gêmeos univitelinos podem doar a
pele um ao outro com baixo risco de fracasso. A pele artificial contorna esse
obstáculo natural. Ela pode ser feita com material sintético ou com células
humanas. No caso de queimaduras graves, as mais usadas são a de colágeno e a de
biocelulose. Esta é produto do metabolismo das bactérias Acetobacter xylinum,
que se alimentam de carbono e secretam fibras de celulose. Depois de
desidratadas, as fibras se transformam em membranas que lembram finos papéis de
seda. À medida que a nova pele vai nascendo, a cobertura artificial se
desprende. Gerardo Mendonza, da Bionext, fabricante de peles de biocelulose no
Paraná, explica: "A trama da pele artificial é larga o suficiente para permitir
a respiração dos tecidos, mas estreita o bastante para impedir a entrada de
agentes infecciosos".
Mulheres principalmente, mas também muitos homens, com mais dinheiro do que
senso, têm pago nos Estados Unidos e na Europa mais de 1 000 dólares por uma
emulsão facial cuja matéria-prima viria de um laboratório militar secreto na
Rússia, onde os cientistas da defunta União Soviética teriam produzido uma pele
sintética quase perfeita. Desde 2005, sob o nome comercial de Amatokin, é
vendida no exterior uma linha de cremes antirrugas com preço médio de 200
dólares que declara essa mesma e intrigante origem. Isso tudo soa incerto. O
certo é que logo as pesquisas sobre a pele artificial vão abrir mesmo novos
caminhos para tratamentos estéticos com resultados radicais.
A luta interna contra os radicais livres
Rick Gomez/Corbis/Latin Stock
Quando os cientistas começaram a desvendar com maior precisão os mecanismos do
envelhecimento da pele, surgiram duas frentes nas pesquisas sobre como preservar
a juventude por mais tempo. Uma levou aos cremes e a outros produtos de
aplicação tópica, característicos da cosmetologia. A outra, cujas perspectivas
eram igualmente promissoras, resultou em produtos de uso interno: compostos
principalmente de pílulas de vitaminas, proteínas ou sais minerais que,
ingeridas, ajudam a manter a pele saudável, eles receberam o nome genérico de
nutricosméticos. Os primeiros apareceram no início da década de 90 e eram feitos
à base de colágeno. Essa proteína presente no tecido conjuntivo é determinante
na sustentação e firmeza da pele. Hoje, os nutricosméticos mais populares são
fabricados com betacaroteno, vitaminas A, C e E, zinco, colágeno, licopeno,
isoflavona e silício orgânico. Alguns desses componentes podem ser encontrados
em combinação numa só pílula. O principal objetivo continua a ser o original:
preservar e estimular a produção de colágeno.
A maioria das substâncias é oferecida por frutas e legumes (o licopeno está
presente no tomate e a isoflavona na soja). Mas as pílulas reúnem uma
concentração de elementos ativos que dificilmente se consome na alimentação
diária. "A eficiência é maior que a dos cosméticos tópicos porque os
nutricosméticos partem de dentro do corpo", disse a VEJA a engenheira química
francesa Patricia Manissier, diretora de pesquisa e desenvolvimento dos
Laboratórios Innéov, em Paris. Cada substância presente nas pílulas contribui de
determinada maneira no esforço de combater os radicais livres, átomos de
hidrogênio que ficam entre as células e que danificam as estruturas proteicas
que dão sustentação à pele, entre elas o próprio colágeno. O stress, o cansaço,
a má alimentação e a exposição ao sol aumentam a quantidade dos radicais livres.
"O betacaroteno é uma das substâncias mais eficazes nesse processo, formando uma
camada de proteção na pele que reduz os efeitos nocivos do sol", diz a
dermatologista paulista Ligia Kogos. O licopeno, por sua vez, responsável pela
coloração vermelha dos alimentos, estimula a produção de melanina e proporciona
um bronzeado com aspecto mais natural.
Busca antiga
Orlando/Thee Lions/Getty Images
PIONEIRA
Helena Rubinstein foi a primeira a produzir cosméticos específicos para cada
tipo de pele
Antes de qualquer preocupação estética, a humanidade pintou o rosto por razões
de saúde. Na pré-história, a doença era percebida como efeito da magia e a
maquiagem era uma tentativa de afugentar espíritos perversos. O conhecimento
sobre os detalhes da pele só avançou depois da descoberta do microscópio, no
século XVI. O grego Hipócrates, que nasceu em 460 a.C. e é chamado de o pai da
medicina, sustentava que as doenças de pele poderiam ser, na verdade, benéficas
ao homem. As "crises felizes", como ele as denominou, teriam o poder de
purificar o organismo e não deveriam ser tratadas. Muitos tratamentos de
eficiência comprovada foram adotados graças à observação da relação
causa-efeito. Os antigos egípcios pintavam o contorno dos olhos com uma pasta de
carvão e chumbo. Era excelente para evitar a infecção ocular causada por uma
bactéria. Em compensação, os metais pesados usados na mistura iam lentamente
intoxicando a população. Cleópatra, a última rainha do Egito, tomava banhos com
leite de cabra e passava óleos vegetais. São ingredientes usados hoje, com
aprovação científica, em cremes hidratantes. Só no início do século XX, quando
Helena Rubinstein identificou quatro tipos de pele e criou cosméticos
específicos para cada um deles, a cosmetologia entrou na era da ciência.
(Jornalista: Carolina Romanini, Revista Veja, 3 de março de 2010, págs. 88
a 94)
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