CIENTISTAS CRIAM VIDA ARTIFICIAL EM
LABORATÓRIO
Bactéria se reproduziu gerando novos
seres com DNA totalmente artificial
Célio Yano Célio Yano, de EXAME.com Siga-me
São Paulo - Pesquisadores do Instituto J. Craig Venter, dos Estados Unidos,
anunciaram nesta quinta-feira a criação de um organismo vivo com genoma
totalmente sintético, desenvolvido artificialmente a partir de compostos
químicos. A equipe conseguiu sintetizar toda a estrutura de DNA da bactéria
unicelular Mycoplasma mucoides, gerando um novo organismo capaz de se
autorreproduzir. Os resultados do experimento foram publicados na revista
Science e abriram espaço para uma grande discussão sobre a ética do
procedimento.
"Por quase 15 anos, Ham Smith, Clyde Huchison e o resto de nossa equipe
estiveram trabalhando por esta publicação de hoje - a conclusão com êxito do
nosso trabalho de construir uma célula bacteriana, totalmente controlada por
genoma sintético", disse Craig Venter, presidente do instituto a que dá nome, no
artigo. "Esperamos revisões e o diálogo sobre as importantes aplicações deste
trabalho para garantir que será usado para o benefício de todos", afirmou.
Para criar vida em laboratório, os pesquisadores se basearam no sequenciamento
do genoma da bactéria e redesenharam, em computador, a estrutura do DNA da
espécie. Sem utilizar qualquer pedaço de DNA natural, eles sintetizaram
quimicamente o genoma completo e o transportaram para uma célula de uma levedura
(espécie unicelular de fungo), onde desenvolveu-se um cromossomo artificial.
O genoma sintético inteiro foi então isolado da célula de levedura e
transplantado em uma célula recipiente da espécie Mycoplasma capricolum cujos
genes haviam sido removidos. Depois de dois dias, com a autorreprodução do
organismo, já era possível observar o aumento no número de bactérias M. mycoides,
cujo DNA era totalmente artificial.
Antes disso, os mesmos pesquisadores já haviam obtido sucesso na criação de
genoma artificial e, em outro experimento, na transferência de genoma de M.
mycoides para a célula de uma M. capricolum. Utilizando as duas técnicas já
dominadas, foi possível criar a primeira bactéria viva e capaz de se reproduzir
com genoma artificial.
Polêmica
Vários cientistas receberam o anúncio da criação de vida em laboratório com
desconfiança. "Este é um momento da caixa de Pandora - como a divisão do átomo
ou a clonagem da ovelha Dolly, todos teremos de lidar com as consequências dessa
experiência alarmante", disse o presidente do Action Group on Erosion,
Technology and Concentration (ETC Group), Pat Mooney, ao jornal britânico Daily
Mail.
"Ele não está simplesmente copiando vida artificialmente ou modificando vida com
engenharia genética. Ele está caminhando para a função de Deus: criar vida
artificial que jamais poderia existir", disse Julian Savulescu, professor de
ética da Univeridade de Oxford. "Isso pode ser usado no futuro para criar armas
biológicas poderosas".
O editor de ciência do Daily Mail, Michael Hanlon, também questionou o trabalho
em um artigo opinativo publicado no site do periódico. Hanlon classificou Venter
como um "showman" e "mestre em autopromoção" e disse que o feito abre um leque
de questionamentos que vão desde "para que isso será útil?" até "teremos que
redefinir o que é a vida?".
"A bacteria dele [Craig Venter] parece ser frágil e débil; estamos a um longo
caminho de superpragas sintéticas, e ainda mais distantes de um animal ou uma
planta artificial. Mas é difícil fugir da sensação de que uma fronteira foi
cruzada. O problema é que está longe de se saber aonde vamos a partir de agora",
escreveu.
Do outro lado da polêmica, o especialista em biologia sintética Paul Freeman,
codiretor do EPSRC Centre for Synthetic Biology do Imperial College, em Londres,
acredita que estamos diante de um "avanço extraordinário". Em entrevista à BBC,
ele disse que o estudo de Venter e sua equipe pode marcar o início de uma nova
era na biotecnologia.
A revista The Economist faz várias ressalvas, mas classifica a vida artificial
como "uma coisa maravilhosa". "Esse feito poderia provar o domínio do homem
sobre a natureza de uma forma mais profunda que a detonação da primeira bomba
atômica. A bomba, embora justificada pelo contexto da Segunda Guerra Mundial,
foi puramente destrutiva. Biologia tem a ver com nutrição e crescimento". O
artigo opinativo da publicação prossegue: "Para o bem ou para o mal, está aí.
Criar vida não é mais uma prerrogativa dos deuses".
De acordo com o The New York Times, o assunto chegou ao presidente
norte-americano Barack Obama, que pediu à comissão de bioética da Casa Branca
realizar um estudo sobre as questões suscitadas pela biologia sintética e
apresentar em seis meses as conclusões. Ainda segundo o jornal, Obama disse que
o empreendimento levantou "verdadeiras preocupações", embora ele não tenha
especificado quais.
O Instituto Craig Venter declarou que sua equipe tem se preocupado com os
questionamentos da sociedade desde o início do trabalho. "Em 1995, enquanto o
grupo estava fazendo a pesquisa no genoma mínimo, o trabalho passou por uma
revisão ética significativa por um painel de especialistas da Universidade da
Pensilvania", afirma a instituição. "As deliberações do grupo biolético
independente resultaram em uma decisão unânime de que não havia razões éticas
para que o trabalho não continuasse".
A entidade explica ainda que recebeu em dezembro de 2008 um financiamento da
Fundação Alfred P. Sloan para examinar questões éticas e sociais associadas ao
desenvolvimento da ciência da síntese genômica. "A investigação em andamento tem
a intenção de informar a comunidade científica bem como informar políticos e
jornalistas para que eles possam participar de discussões sobre o assunto".
Ao comentar o assunto, o Vaticano preferiu não entrar em detalhes e limitou-se a
dizer que era necessário cautela. O porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi,
disse ser "necessário saber mais" do tema para falar. "É necessário esperar,
para saber mais do caso", disse à imprensa Lombardi.