POR QUE CERTOS COMPORTAMENTOS NOS NEGÓCIOS
09/11/2009
Por que o amendoim é de graça no bar?
Essa e outras questões são o tema de um novo livro, que traz a economia para o
cotidiano
JOSÉ FUCS
Por que muitos bares cobram dos clientes a água, mas dão amendoim de graça?
Por que o preço no frigobar dos hotéis é tão alto?
Por que a prática de dividir a conta faz as pessoas gastar mais no restaurante?
As perguntas acima, por mais
prosaicas que pareçam, são tema de aulas na faculdade de administração da
Universidade Cornell, nos Estados Unidos. Com outros enigmas do gênero, elas
foram reunidas – ao lado das respectivas respostas – no livro O naturalista da
economia, do economista americano Robert H. Frank, que acaba de ser lançado no
Brasil.
Frank, responsável pelo curso de introdução à economia de Cornell e colunista do
jornal The New York Times, pediu a seus alunos que elaborassem as perguntas e
investigassem suas respostas. O objetivo da tarefa era mostrar a eles que a
economia é algo tangível e prático, embora muitos economistas queiram fazer crer
que a economia está baseada em complexas fórmulas matemáticas
incompreensíveis. “Quando o ser humano surgiu, ele não se comunicava por meio de
equações e gráficos. Os homens contavam histórias uns para os outros”, disse
Frank em entrevista a ÉPOCA (leia trechos da entrevista). “Se você ilustrar um
princípio econômico com uma história, ficará bem mais simples absorvê-lo e
usá-lo no dia a dia.”
Frank é autor também do livro Princípios de microeconomia, escrito com o atual
presidente do Fed (banco central americano), Ben Bernanke. Doutor em economia
pela Universidade da Califórnia em Berkeley, ele faz parte de uma corrente cada
vez mais numerosa e influente: os economistas que buscam no comportamento humano
a explicação para fenômenos econômicos, conhecidos como economistas
comportamentais. Segundo Frank, as pessoas nem sempre são racionais e
desapaixonadas. E não perseguem os mesmos “objetivos restritos” estipulados pela
teoria econômica. “Os modelos matemáticos ajudam os economistas a entender
melhor o que eles querem entender, mas não são o melhor caminho para entrar em
contato com a economia pela primeira vez”, afirma.
Frank se diz admirador de Charles Darwin, o criador da teoria da evolução das
espécies, no século XIX. Ele conta que procura adaptar o método de pesquisa de
Darwin ao ensino e ao estudo de economia: primeiro observa um fenômeno, para
depois tentar explicá-lo. As perguntas abordadas em seu novo livro são o melhor
exemplo disso. Para Frank, dentro de 50 anos Darwin terá mais influência na
análise econômica que Adam Smith, autor do célebre A riqueza das nações,
publicado em 1776, e considerado o pai da economia moderna. “A ideia de Adam
Smith de que toda ação individual é benéfica para a sociedade não é uma verdade
absoluta. Foi Darwin quem primeiro viu que nem sempre o que é bom para o
indivíduo é bom para a sociedade”, diz. “Se todo mundo se levantar num estádio
de futebol para ver melhor, ninguém conseguirá ver melhor do que se estivesse
sentado.”
Por tudo isso, a leitura do livro de Frank, escrito num tom simples e levemente
irônico, é recomendável não apenas para os leigos, como também para os próprios
economistas. Algumas respostas às perguntas podem parecer óbvias para quem já
conhece o assunto. Ainda assim, têm o mérito de mostrar que é possível abordar
os mais complexos conceitos econômicos sem ter de recorrer ao “economês”. A
seguir, nove das questões do dia a dia a que Frank responde em seu novo livro,
com a aplicação dos principais conceitos econômicos.
Por que o DVD é vendido numa embalagem maior que a do CD, embora
ambos tenham o mesmo tamanho?
Antes do DVD, a maioria das locadoras de filmes trabalhava com fitas de vídeo
que vinham em caixas com 135 milímetros de largura e 191 milímetros de altura.
Elas eram armazenadas lado a lado, com a lombada para fora. Com a produção de
caixas de DVDs da mesma altura, as lojas e os consumidores puderam usar as
mesmas prateleiras para guardar o novo produto. Um fenômeno semelhante aconteceu
quando os CDs substituíram os discos de vinil. As caixas de CDs foram lançadas
com pouco menos da metade do tamanho dos discos de vinil, que vinham embalados
em envelopes com 302 milímetros quadrados. Com pequenas adaptações, também foi
possível usar as mesmas prateleiras dos discos de vinil para armazenar os CDs.
Por que muitos bares cobram dos clientes a água, mas dão amendoim
de graça?
A chave para entender essa política é o impacto dos dois produtos no consumo de
bebidas alcoólicas. Quem bebe água em geral não bebe cerveja nem uísque. Mas
amendoim salgado e bebidas alcoólicas são bens complementares. Quem come mais
amendoim tende a consumir mais cerveja ou mais coquetéis. Como os amendoins são
relativamente baratos e as bebidas alcoólicas geram uma margem de lucro
relativamente alta, deixar o amendoim salgado à disposição do cliente costuma
aumentar o lucro dos bares.
Por que as modelos ganham mais que os modelos?
As modelos ganham mais porque a moda feminina é um negócio maior que a
masculina. Nos Estados Unidos, as mulheres gastam por ano em vestuário mais que
o dobro dos homens – e essa diferença é ainda maior em outros países. É
economicamente interessante para os fabricantes de roupas competir
agressivamente pela modelo que simbolize melhor o visual do momento.
Por que as roupas femininas são abotoadas a partir da esquerda, e
as roupas masculinas pelo lado direito?
Como a maior parte da população mundial – masculina e feminina – é destra, o
padrão adotado pelas mulheres poderia ser igual ao dos homens, pois é mais fácil
para quem é destro abotoar a camisa pelo lado direito. Mas esse é um exemplo em
que a história fez diferença. No século XVII, os homens costumavam se vestir
sozinhos, enquanto as mulheres eram vestidas por criadas. Fazer a abotoadura das
roupas femininas do lado esquerdo facilitava o trabalho da maioria das criadas
que as vestiam. Hoje, embora quase nenhuma mulher seja vestida por uma criada, a
norma resiste a mudanças. Numa época em que todas as blusas de mulher são
abotoadas pelo lado esquerdo, um fabricante correria risco se oferecesse blusas
abotoadas pelo direito.
Por que tantas escolas exigem dos estudantes o uso de uniformes?
Quando têm liberdade de escolher o que vestir, os alunos precisam levar em conta
as mensagens implícitas sobre si mesmos que passarão aos outros. Quem quiser
parecer bem-sucedido e poderoso desejará usar roupas com reconhecida qualidade.
Uma estudante que desejar parecer ousada talvez prefira roupas ostensivamente
audaciosas. A vantagem dos uniformes é reduzir os custos, tanto monetários
quanto emocionais, de uma corrida pela aparência na escola. A evidente
desvantagem é limitar a capacidade de expressão dos estudantes.
Por que a prática de dividir a conta faz as pessoas gastar mais no
restaurante?
Imaginemos que dez amigos tenham combinado de dividir em partes iguais a conta
no restaurante. Suponha que, se estivesse sozinho, um dos membros do grupo
pediria uma porção pequena de costela na brasa por R$ 40. Mas, como o grupo
combinou dividir a conta, ele decide pedir a porção grande, que custa R$ 60. A
conta total de seus amigos vai aumentar em R$ 18, mas a dele vai subir apenas R$
2. Ele acaba consumindo mais à custa dos amigos. Embora a prática de dividir a
conta por igual seja injusta e ineficiente, ela não está em extinção. Em geral,
as perdas envolvidas são pequenas, e a transação é mais cômoda. E, quando todos
fazem isso, o restaurante também ganha mais.
Por que a Victoria’s Secret pôs à venda um sutiã rebordado de
pedras preciosas de milhões de dólares que ninguém jamais comprará?
Desde 1996, a rede americana de roupas íntimas femininas põe à venda um sutiã de
pedras preciosas. Provavelmente, nunca esperou vender esses sutiãs. Ainda assim,
deixá-los à venda ajuda a aumentar as vendas de outros artigos. Os sutiãs-joia
continuam a atrair interesse da mídia e chamam a atenção de possíveis
compradores para a marca Victoria’s Secret – esta reportagem é apenas um exemplo
disso. E ainda há outro fator: a mera inclusão dessas peças no catálogo muda a
referência sobre o valor que um presente da rede pode ter. É fácil imaginar que,
depois de ver um sutiã de US$ 6,5 milhões na vitrine, um marido ansioso possa
comprar um corselete listrado Chantal Thomass por US$ 298 e achar que está
fazendo um grande negócio.
Por que as locadoras de automóveis não cobram multa quando uma
reserva é cancelada no último minuto, mas os hotéis e as empresas aéreas cobram?
Em tese, as locadoras de automóveis devem ter o mesmo prejuízo que as empresas
aéreas e os hotéis com o cancelamento. Talvez elas não cobrem multa porque a
locação de veículos costuma ser precedida de uma transação com empresa aérea e
seguida de outra com um hotel. Como ambas já cobram multa, a taxa de
cancelamento sem aviso prévio das locadoras tende a ser menor. Elas se
beneficiam indiretamente da sanção que é imposta pelos outros por meio da multa.
Por que os preços do frigobar dos hotéis são tão exorbitantes?
Para conseguir uma alta taxa de ocupação, os hotéis são pressionados a oferecer
quartos a preços competitivos, e isso afeta sua margem de lucro. Muitos hotéis
procuram compensar os descontos aos consumidores sensíveis ao preço das diárias
com a alta no preço dos artigos do frigobar. Eles sabem que, ao inflar o preço
de bebidas e salgadinhos do frigobar, muitos hóspedes não os consumirão. Mas
também sabem que outros, menos sensíveis aos preços, nem vão olhar a tabela na
hora da fome ou da sede." (Época, 19/10/2009, ppag. 58-60)
"O conceito de custo-benefício explica mais sobre o mundo que qualquer outro
princípio econômico. Ele diz que procuramos pesar os benefícios e os custos na
hora de fazer alguma coisa. Parece simples, mas muitas vezes é muito difícil.
Essa avaliação requer prática e experiência. Se você praticar isso, poderá tomar
decisões bem melhores em sua vida". (Robert Frank).