CONTROVÉRSIA SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL
O consenso científico e a
controvérsia popular
Os principais aspectos do aquecimento global estão bem estabelecidos na ciência,
como a propriedade dos gases estufa de reterem radiação infravermelha, o aumento
de temperatura decorrente da maior concentração destes gases, a causa humana em
sua acumulação, e a importância deste aquecimento no clima. De fato, o consenso
do meio científico a este respeito é virtualmente unânime. Vários estudos
atestam este consenso, analisando milhares de trabalhos publicados nos últimos
anos.[395][396][397][398] O levantamento mais recente, que em 2015 analisou mais
de 24 mil trabalhos sobre o tema, indicou que 99,99% dos climatologistas
concordam que o aquecimento é real e produzido pelo homem.[399] De acordo com
The National Academies, uma reunião de academias científicas nacionais dos
Estados Unidos, as principais dúvidas ainda existentes dizem respeito apenas à
velocidade deste aquecimento, a que níveis vai chegar ao final, e como afetará
localmente as diversas regiões do mundo.[110] Para a maioria dos cientistas, o
aquecimento é um dos maiores desafios do nosso tempo, se não for o maior de
todos.[400]
Em contraste, a mídia não-científica, numa enganosa busca por equilíbrio e
imparcialidade, com frequência procura apresentar "os dois lados" da questão,
dando o mesmo espaço e a mesma importância a quem afirma a realidade do problema
e a aqueles que a negam. Isso é um erro, pois de um lado há argumentos muito
fortes, sustentados por uma maioria esmagadora de especialistas científicos, e
do outro, muito fracos, apoiados em geral por amadores, empresas, políticos e
grupos de interesse. Como o grande público obtém suas informações principalmente
da mídia, esse equilíbrio artificioso tem sido apontado como um importante fator
para a pouca importância que o público dá ao problema, o que se reflete na
presente dificuldade de se adotar em larga escala medidas preventivas e
mitigadoras do aquecimento. Uma pesquisa feita com alguns grandes e influentes
jornais dos Estados Unidos, analisando 3.543 artigos que trataram do aquecimento
no período de 1988 a 2002, encontrou que 52,65% dos artigos dava peso igual a
quem negava e a quem afirmava que a atividade humana tem impacto sobre o clima.
Discutindo o que deveria ser feito, apenas 10,6% acatavam o consenso científico
e enfatizavam a necessidade de ação internacional urgente e compulsória,
enquanto 78,2% apresentavam um texto "equilibrado", induzindo a opinião pública
a tirar conclusões equivocadas. Analisando cronologicamente o impacto do
problema entre o público, a mesma pesquisa mostrou que entre 1988 e 1989, quando
o aquecimento começou a chamar grande atenção internacional, os jornais diziam
praticamente o mesmo que os cientistas, mas que desde então vêm sendo impostas
ao público dúvidas artificiais e a distância entre a opinião científica e a
popular vem se alargando.[109]
Nos Estados Unidos, um dos poucos países que não ratificaram o Protocolo de
Quioto, a resistência em acatar a ciência tem uma longa história, e é um dos
países com mais alto índice de negacionismo climático. A situação do país é
importante devido à sua influência política global. Mas desde o governo Bush
cientistas são pressionados a mudar suas conclusões, funcionários do governo são
forçados a ignorar pareceres técnicos, e um poderoso lobby negacionista está
sediado nos EUA, com conexões internacionais.[401][402][403][404] Uma pesquisa
de 2013 descobriu que 140 fundações gastaram um total de 558 milhões de dólares
entre 2003 e 2010 financiando campanhas e organizações negacionistas.[405] Nas
últimas décadas o governo de Barack Obama foi o mais sintonizado com a ciência,
mas encontrou forte resistência interna,[406][407][408][409] e os avanços que
alcançou em grande parte foram revertidos com a entrada de Donald Trump, que se
tornou notório como um negacionista sistemático. Sua administração revogou leis
ambientais e tem se caracterizado por suprimir evidências, impor a censura aos
cientistas do governo e distorcer o discurso científico a seu
favor.[410][411][412] Ao longo desses anos, a opinião pública nos EUA tem
permanecido largamente cética em alguns aspectos ou decididamente negacionista.
Uma pesquisa de opinião do Instituto Gallup de 2019 mostrou que nos últimos 18
anos os norte-americanos evoluíram pouco na aceitação da ciência, mas a evolução
está acontecendo, passando de 57% em 2001 para 66% em 2019.[413] No resto do
mundo os problemas continuam grandes, o lobby negacionista e múltiplos grupos de
pressão político-econômica continuam ativos e influentes, interferindo na
opinião pública e nas políticas públicas em larga escala, reunindo esforços para
desacreditar a ciência deslocando suas conclusões da sua categoria de fatos para
colocá-las no incerto e confuso domínio da teoria, no que esses grupos têm sido
muito bem sucedidos.[414][109][415][416][417]
Cartaz do premiado documentário Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore. O filme
de modo geral está bem sintonizado com a ciência, os especialistas encontraram
nele apenas uns poucos erros, nenhum muito importante. Seu título ironiza a
situação da polêmica artificial sobre o aquecimento: todos sabem que é verdade,
mas reconhecê-lo publicamente exigiria grandes mudanças de atitude, o que muitos
não estão dispostos a fazer.[418]
Na lista abaixo, com dados do projeto Skeptical Science, que se dedica a refutar
as crendices populares sobre o aquecimento, esclarecer os mal entendidos e
divulgar a ciência de ponta em uma linguagem acessível, vão citados os dez mais
frequentes argumentos (A) correntes entre o povo para negar a realidade ou a
gravidade do fenômeno atual, usados também por políticos e empresas, junto com a
resposta dos cientistas (R) em forma sintética:[419][420]
1: O clima já mudou no passado. — R: O clima é um sistema sensível à influência
de vários fatores. No passado houve fatores naturais que provocaram mudanças.
Hoje, o fator determinante é a atividade humana.[15][87]
2: O sol é a causa. — R: Desde a década de 1980 as tendências da atividade solar
e da temperatura terrestre vão em direções opostas, ou seja, o sol está
esfriando e a Terra está esquentando.[87][18][55]
3: Não vai fazer mal. — R: Efeitos positivos sobre o meio ambiente, a produção
de alimentos e a saúde humana são duvidosos, efeitos negativos importantes já
estão sendo documentados por múltiplos estudos e provavelmente devem se agravar
se o aquecimento continuar em sua progressão atual, ultrapassando largamente os
alegados benefícios.[15][322][309][310][87]
4: Não há consenso entre os cientistas. — R: O consenso existe e é esmagador:
99,99% dos climatologistas concordam que o aquecimento é real e sua causa é
humana.[399]
5: Está na verdade esfriando. — R: A última década foi a mais quente na história
dos registros.[421][422]
6: Os modelos teóricos não são dignos de confiança. — R: Os modelos usados têm
limitações e margens de erro, e como em geral são modelos globais, são
imprecisos no que diz respeito a detalhamentos regionais, mas reproduzem com
grande aproximação as mudanças em escala global do clima observadas
historicamente, e por isso suas projeções para o futuro são plausíveis e
confiáveis. Não obstante, os modelos vêm sendo constantemente
aperfeiçoados.[86][87][103][88][89]
7: Os registros não são dignos de confiança. — R: Muitas estações meteorológicas
não são instaladas como deveriam para colher os dados adequadamente, podendo
estar próximas de fontes de calor ou de estruturas que criam microclimas
diferenciados, como os centros urbanos e suas ilhas de calor, mas os cientistas
sabem disso e fazem as compensações necessárias para corrigir os dados e
torná-los confiáveis. Além disso, os dados colhidos em estações terrestres são
checados com outros obtidos por métodos diferentes, como por exemplo a sondagem
por satélite e a análise de registros contidos no gelo e em sedimentos
oceânicos. Essa checagem cruzada minimiza em muito a possibilidade de erro
grave, e revela em todas as formas de análise resultados
comparáveis.[103][423][424][425]
8: Plantas e animais podem se adaptar a mudanças no clima. — R: É verdade, mas a
adaptação das espécies selvagens a mudanças ambientais só acontece em largos
períodos de tempo. A rapidez da mudança atual é demasiada para que os processos
naturais de adaptação se completem a tempo para a vasta maioria das espécies,
inevitavelmente levando à extinção ou a significativo declínio populacional
muitos tipos de seres vivos.[167][139][158][161] De fato, a União Internacional
para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) prevê que se a
elevação da temperatura chegar a 3,5 °C, até 70% de todas as espécies existentes
hoje serão provavelmente extintas.[426][167]
9: Desde 1998 não esquenta. — R: Em termos globais, 2005 e 2010 foram os anos
mais quentes na história dos registros.[427] As três últimas décadas foram as
mais quentes desde 1850.[185]
10: A Antártida está ganhando gelo. — R: Embora a área coberta por gelo possa
estar se expandindo em alguns locais, o volume total do gelo está em declínio.
Medições de satélite apontam que a Antártida perde mais de 100 quilômetros
cúbicos de gelo a cada ano desde 2002.[428]
Em suma, os argumentos verdadeiros, o primeiro e o oitavo, são inaplicáveis ao
caso contemporâneo, e os outros são falsos segundo os dados objetivos, já
detalhados nas seções anteriores.
A pesquisadora Caren Cooper, da Universidade de Cornell, analisando os problemas
gerados pelas dúvidas e incertezas que ainda circulam popularmente sobre a
realidade ou a gravidade do aquecimento global, advertiu que se o grande público
não adquirir uma sólida confiança na ciência e acatar suas recomendações, os
governos democráticos não conseguirão enfrentar com sucesso o problema, porque
sua base de apoio popular está dividida e insegura ou não se importa com a
questão. Além disso, como antes foi mencionado, a força das mídias e dos grupos
de pressão política e econômica é imensa, distorcendo os debates públicos e
influenciando a criação de leis muitas vezes de acordo com seus interesses
exclusivos. Ainda segundo Cooper, esses agentes que negam as mudanças climáticas
têm sido formadores de opinião muito mais eficientes do que os cientistas e
professores, porque suas mensagens criam nas pessoas a impressão de que o que a
imprensa divulga é o bastante para capacitá-las a participar legitimamente do
debate científico de alto nível e criticar suas conclusões, uma impressão que,
ela enfatiza, é profundamente equivocada.[429] Naomi Oreskes resumiu a questão
da seguinte maneira:
"Os políticos e a mídia, especialmente nos Estados Unidos, frequentemente
afirmam que a ciência do clima é altamente incerta. Alguns têm usado este
argumento contra a adoção de medidas fortes para reduzir as emissões de gases do
efeito estufa. [...] Algumas corporações, cujos lucros poderiam ser afetados
negativamente pelo controle das emissões de gás carbônico, também têm alegado
que a ciência padece de graves incertezas. Tais declarações sugerem que poderia
persistir uma controvérsia significativa dentro da comunidade científica sobre a
realidade da mudança climática causada pelo homem. Mas isso não é verdade. O
consenso científico é claramente expresso nos relatórios do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. [...] O Painel não está sozinho em
suas conclusões. Nos anos recentes, todos os principais corpos científicos nos
Estados Unidos cujos membros são peritos no assunto têm publicado declarações
semelhantes. [...] Certamente, os autores que avaliaram os impactos,
desenvolveram métodos ou estudaram as mudanças paleoclimáticas poderiam
acreditar que a mudança é natural. Contudo, nenhum deles considerou essa
hipótese. [...] Muitos detalhes sobre as interações do clima não são bem
entendidos, e há muito espaço para mais pesquisas que forneçam uma base mais
sólida para nosso entendimento da dinâmica do clima. Mas há um consenso sobre a
realidade da causa humana na mudança climática. Os cientistas têm repetidamente
tentado deixar isso claro. É hora de o resto de nós ouvir o que eles
dizem".[398]