CPI DA COVID E NOVE CRIMES DE BOLSONARO
CPI da Covid aprova relatório final,
atribui nove crimes a Bolsonaro e pede 80 indiciamentos
Documento de 1.289 páginas, elaborado ao longo de seis meses, será enviado a
órgãos de investigação. Texto inclui projetos para punir fake news e criar
pensão para órfãos da pandemia.
Por Marcela Mattos, Luiz Felipe Barbiéri, Sara Resende e Gustavo Garcia, g1 e TV
Globo — Brasília
26/10/2021 20h26 Atualizado há 11 meses
CPI aprova relatório final, que atribui nove crimes a Bolsonaro
CPI aprova relatório final, que atribui nove crimes a Bolsonaro
A CPI da Covid aprovou nesta terça-feira (26) por 7 votos a 4 o relatório final
do senador Renan Calheiros (MDB-AL) sobre a maior tragédia sanitária da história
do Brasil — nesta terça, o país contabilizou 606.293 mortes desde o início da
pandemia.
Com a aprovação do relatório, a comissão de inquérito, criada para investigar
ações e omissões do governo durante a pandemia, encerra os seis meses de
trabalho pedindo o indiciamento de 78 pessoas e duas empresas.
O relatório aprovado pelos senadores tem 1.289 páginas e responsabiliza o
presidente Jair Bolsonaro por considerar que ele cometeu pelo menos nove crimes.
Há também pedidos de indiciamento de ministros, ex-ministros, três filhos do
presidente, deputados federais, médicos, empresários e um governador – o do
Amazonas, Wilson Lima. Duas empresas que firmaram contrato com o Ministério da
Saúde – a Precisa Medicamentos e a VTCLog – também foram responsabilizadas.
Votaram a favor do relatório:
Eduardo Braga (MDB-AM)
Humberto Costa (PT-PE)
Omar Aziz (PSD-AM)
Otto Alencar (PSD-BA)
Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
Renan Calheiros (MDB-AL)
Tasso Jereissati (PSDB-CE)
Votaram contra o relatório:
Eduardo Girão (Podemos-CE)
Jorginho Mello (PL-SC)
Luis Carlos Heinze (PP-RS)
Marcos Rogério (DEM-RO)
Após proclamar o resultado, Omar Aziz atendeu a um pedido da senadora Eliziane
Gama (Cidadania-MA) e pediu um minuto de silêncio pelas vítimas da Covid (vídeo
abaixo).
Senadores fazem minuto de silêncio antes do fim da CPI da Covid
A aprovação do relatório se deu após mais de sete horas de discussão, com dois
intervalos, em meio a contestações da tropa governista minoritária na CPI.
Senadores aliados ao Palácio do Planalto refutaram a tese de que Bolsonaro foi
responsável pelo agravamento da pandemia no Brasil e apresentaram votos em
separado nos quais pediram a investigação sobre a atuação de governadores e
prefeitos. As propostas, porém, não foram sequer votadas, já que o parecer de
Renan Calheiros foi aprovado antes.
Em um primeiro desdobramento da CPI, senadores planejam entregar o relatório ao
procurador-geral da República, Augusto Aras, já nesta quarta-feira (27).
Também está prevista nos próximos dias a entrega do documento ao presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e aos ministérios públicos do Rio e de São
Paulo. O parecer será encaminhado ainda ao Tribunal Penal Internacional.
Mudanças na reta final
A última versão do relatório final foi apresentada na manhã desta terça-feira,
horas antes da votação do parecer.
Na reta final, o relator acatou pedido de senadores e decidiu incluir doze novos
nomes na lista de indiciamentos. São assessores e ex-assessores do Ministério da
Saúde, pessoas envolvidas no “mercado paralelo” de vacinas, o governador do
Amazonas, Wilson Lima, e o ex-secretário de Saúde do estado, Marcellus Campêlo.
O nome do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) chegou a ser incluído na lista
nesta terça, mas foi retirado novamente no fim da tarde.
Renan anuncia 'presente' a Heinze: 'será o 81º indiciado desta comissão'
Renan anuncia 'presente' a Heinze: 'será o 81º indiciado desta comissão'
Também houve a inclusão de pedido para que a advocacia do Senado acione o
Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República a fim de que
promovam a responsabilização de Bolsonaro por “campanha antivacina”.
A decisão foi tomada após o presidente fazer, durante uma "live" em uma rede
social, menção a uma informação falsa que associa a vacinação contra a Covid à
Aids. Após repercussão negativa, o registro da transmissão foi excluído por
YouTube, Facebook e Instagram.
O relatório também solicita que a advocacia do Senado peça a “imediata
interrupção da continuidade delitiva” por meio do afastamento de Bolsonaro de
todas as redes sociais para a “proteção da população brasileira”.
A discussão
Ao longo da manhã e da tarde, senadores discursaram sobre os trabalhos da
comissão. De um lado, parlamentares aliados acusaram a comissão de ser um
instrumento político e eleitoral. Já a maioria do grupo apontou para as
irregularidades cometidas pelo governo ao longo da pandemia.
Em discurso, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse ser "evidente" que
Bolsonaro não criou o vírus, mas "tão evidente quanto" que o presidente "se
esforçou diuturnamente para acelerar a propagação do vírus".
“Essa é uma ação consciente e confessa. Salvo engano, há mais de 200 vídeos
juntados aos autos onde o presidente da República, de forma metódica, ensaiada,
preparada, organizada, utilizando as ferramentas de Estado, fez com que os
brasileiros se protegessem menos, acreditassem na fantasia de remédios
milagrosos, questionassem e desrespeitassem medidas de contenção básicas que
todos os outros países seguiram”, afirmou Vieira.
Um dos principais aliados do governo na CPI, o senador Marcos Rogério (DEM-RO)
chamou a comissão de “estelionato político”, afirmando que a comissão “não
investigou e protegeu acusados de corrupção nos estados e municípios”.
“E o relatório é uma grande fake news processual, porque acusa sem provas e se
ancora numa narrativa do jogo pré-eleitoral”, afirma o governista.
Indiciado por incitação ao crime, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ)
afirmou que a comissão “escolheu os acusados e trabalhou incansavelmente para
tentar incriminá-los” e acusou o relator, Renan Calheiros, de abuso de
autoridade.
Ele também afirmou que a CPI é o "maior atestado de idoneidade do governo
Bolsonaro".
"O maior 'escândalo', entre aspas, que foi levantado aqui foi o de uma vacina
que não foi comprada. Nem um real de dinheiro público foi gasto", disse o filho
do presidente. A compra da vacina indiana Covaxin, no entanto, apenas foi
suspensa após revelações de irregularidades apresentadas durante a comissão. O
contrato previa um pagamento de R$ 1,6 bilhão para a aquisição do imunizante.
Vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi um dos últimos a falar
na sessão desta terça-feira, antes da votação do relatório. Ele ocupou,
temporariamente, o assento do presidente do colegiado no plenário, espaço cedido
por Omar Aziz (PSD-AM), para o pronunciamento.
Randolfe exibiu um vídeo com declarações do presidente Jair Bolsonaro, em que o
chefe do Executivo chama a Covid-19 de "gripezinha"; diz que se chama Messias,
mas não faz "milagre", ao ser questionado sobre vítimas do coronavírus; e sugere
que vacinas podem transformar pessoas em jacarés, entre outras declarações
criticadas por especialistas em saúde. As falas foram um dos motivos, conforme
Randolfe Rodrigues, para criação do colegiado.
O vice-presidente da CPI também destacou os fatos apurados pela comissão, como
negociações suspeitas para a compra de vacinas e a demora do governo na busca
por imunizantes; e citou os nomes de Major Olimpio (PSL-SP), José Maranhão (MDB-PB)
e Arolde de Oliveira (PSD-RJ), três senadores que morreram vítimas da Covid.
"Às vítimas da pandemia, que descansem em paz. A todos os brasileiros e
brasileiras, teremos a missão de fazer este relatório ser cumprido", declarou o
vice da CPI.
Relator, Renan Calheiros (MDB-AL) fez duras críticas a Bolsonaro. Adversário
político do presidente, Renan disse que o governo Bolsonaro "sabotou a ciência"
e é "despreparado", "desonesto", "caviloso", "arrogante", "autoritário", entre
outras adjetivações.
"O caos do governo Jair Bolsonaro entrará para a história como o mais baixo
degrau da indigência humana e civilizatória. Reúne o que há de mais rudimentar,
infame e sombrio da humanidade", afirmou Renan.
Último a discursar, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), voltou a defender
que o relatório final não será arquivado sem gerar resultados práticos, ou seja,
sem que as pessoas apontadas por terem cometido crimes sejam efetivamente
responsabilizadas.
"Não queríamos e não queremos vingança – queremos justiça. Se alguém acha que
algum procurador vai matar no peito esse relatório e dizer que isso aqui são
narrativas, vai ter que dizer como são narrativas, sabe por quê? Porque esse
documento é público", disse.
CPI aprova medidas contra Bolsonaro por relação falsa entre vacinas contra Covid
e Aids
CPI aprova medidas contra Bolsonaro por relação falsa entre vacinas contra Covid
e Aids
O que diz o relatório
O relatório da CPI da Covid aprovado pelos senadores traz, entre outros
elementos:
imagens do presidente provocando aglomerações,
declarações em que desdenha da vacina e incita a população a invadir hospitais e
o esforço pessoal de Bolsonaro, ao lado do Itamaraty, para articular com a Índia
a compra de matéria-prima para a produção de cloroquina – remédio ineficaz para
a Covid.
O documento também detalha o atraso na aquisição de vacinas e a sucessiva falta
de resposta às fabricantes, como a Pfizer e o Instituto Butantan, que desde 2020
tentavam vender o imunizante ao governo brasileiro.
O relatório de Renan Calheiros lista 13 tópicos da investigação. A lista inclui
a oposição do governo às medidas não farmacológicas (como uso de máscara e
distanciamento social), o colapso na saúde pública do Amazonas e também a
atuação da operadora Prevent Senior.
O documento ainda aponta para a existência de um gabinete paralelo – composto
por médicos, políticos e empresários – que aconselhava o presidente “ao arrepio
das orientações técnicas do Ministério da Saúde”. Segundo o relator, partiu
desse grupo a ideia da propagação do vírus “livremente entre a população”, a fim
de que fosse atingida a “imunidade de rebanho” por meio da contaminação natural.
Conforme o relator, a CPI pôde comprovar:
o "evidente descaso" do governo com a vida das pessoas, comprovado no
“deliberado atraso” na aquisição de vacinas;
a "forte atuação" da cúpula do governo, em especial do presidente da República,
na disseminação de notícias falsas sobre a pandemia;
a existência de um gabinete paralelo que aconselhava o presidente com
informações à margem das diretrizes científicas;
a intenção de imunizar a população por meio da contaminação natural (a chamada
imunidade de rebanho);
a priorização de um "tratamento precoce" sem amparo científico de eficácia e a
adoção do modelo como “política pública declarada”;
o desestímulo ao uso de medidas não farmacológicas - como as máscaras e o
distanciamento social;
a prática, por parte do governo federal, de atos "deliberadamente voltados
contra os direitos dos indígenas".
“Com esse comportamento, o governo federal, que tinha o dever legal de agir,
assentiu com a morte de brasileiras e brasileiros”, afirma no texto o senador
Renan Calheiros.
Entenda os próximos passos jurídicos e o impacto político da CPI para o governo
Bolsonaro
Entenda os próximos passos jurídicos e o impacto político da CPI para o governo
Bolsonaro
Crimes atribuídos a Bolsonaro
No caso de Bolsonaro, Renan Calheiros pede indiciamento pelos seguintes crimes:
epidemia com resultado morte
infração de medida sanitária preventiva
charlatanismo
incitação ao crime
falsificação de documento particular
emprego irregular de verbas públicas
prevaricação
crimes contra a humanidade
crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com
dignidade, honra e decoro do cargo)
“O presidente da República repetidamente incentivou a população a não seguir a
política de distanciamento social, opôs-se de maneira reiterada ao uso de
máscaras, convocou, promoveu e participou de aglomerações e procurou
desqualificar as vacinas contra a covid-19. Essa estratégia, na verdade atrelada
à ideia de que o contágio natural induziria a imunidade coletiva, visava
exclusivamente à retomada das atividades econômicas”, escreveu Renan Calheiros
no documento.
Relatório da CPI da Covid pede indiciamento de Bolsonaro por 9 crimes no combate
à pandemia
Relatório da CPI da Covid pede indiciamento de Bolsonaro por 9 crimes no
combate à pandemia
Segundo o relator, as ações de Bolsonaro durante a pandemia podem ser
enquadradas em crime de responsabilidade — infração imposta ao presidente da
República em caso de atos que atentam a Constituição, e que podem resultar em
impeachment.
Isso porque, escreveu o relator, a atuação de Bolsonaro “mostrou-se
descomprometida com o efetivo combate da pandemia da Covid-19 e,
consequentemente, com a preservação da vida e integridade física de milhares de
brasileiros”.
Entre os atos de Bolsonaro que, para Renan, “incontestavelmente atentaram contra
a saúde pública e a probidade administrativa”, estão a "minimização constante da
gravidade da Covid-19" e a criação de mecanismos ineficazes de controle e
tratamento do coronavírus.
O relator afirmou ainda que Bolsonaro “foi o principal responsável pela
propagação da ideia de tratamento precoce”.
“Em tempos normais, seria apenas um exemplo de desprezível charlatanismo
pseudocientífico. Contudo, em meio a uma pandemia global, colaborou para gerar
uma monstruosa tragédia, na qual alguns milhares de brasileiros foram
sacrificados”, escreveu o relator.