A CRISE AGRAVA NA
ESPANHA
Internacional| 09/12/2012 | Copyleft
Bancos desalojam 500 famílias espanholas por dia
Em 40 dias, quatro pessoas se suicidaram diante da iminente perda de seus
imóveis. A mobilização social para impedir novos despejos se manifesta em
marchas com o lema “Stop desahucios”, pedindo ao governo a moratória no
pagamento dos financiamentos de casas e apartamentos. Mas a única resposta dada
pelo presidente Mariano Rajoy, um decreto de emergência, é considerada
insuficiente por juízes, policiais e associações de consumidores. A previsão das
associações de consumidores é de que até o final de 2012 o número total de
desalojamentos forçados ultrapasse os 100 mil. A reportagem é de Naira
Hofmeister, direto de Madri.
Madri - É a face mais perversa da crise econômica na Espanha: a cada dia mais de
500 famílias são expulsas de suas casas pela impossibilidade de seguir pagando o
financiamento do imóvel ao banco. A previsão das associações de consumidores é
de que até o final de 2012 o número total de desalojamentos forçados ultrapasse
os 100 mil.
Como se os números não fossem suficientes para demonstrar o drama, há outros
vários elementos que multiplicam sua intensidade e que levam milhares de
cidadãos a perguntarem: “por quê?”
O primeiro ponto de dúvida sobre a validade de ações de despejo é que enquanto
os antigos moradores passam a depender do favor de amigos ou parentes para ter
um teto, seus lares ficam vazios, já que a recessão freou o comércio de imóveis
em todo o país.
De fato, em 2011 (antes de que o problema atingisse seu auge, portanto) o número
de financiamentos concedidos foi 33% inferior ao do ano anterior, mais um dado
ruim para um setor que já acumula cinco anos no negativo.
Pior: além de não resolver o problema do banco – que de qualquer maneira fica
sem receber dinheiro pelo imóvel que retomou – tomar a casa do comprador
inadimplente não o livra da dívida, como acontece no Brasil. Pelo contrário, o
sujeito desalojado fica sem teto e com um débito que varia entre 150 e 300 mil
euros, segundo cálculos das associações que lutam pelos direitos desses cidadãos
afetados pelo problema.
“É um embargo à vida da pessoa porque quando recupera a sua condição econômica,
terá uma dívida imensa para fazer frente”, condena o técnico da Associação de
Usuários de Bancos, Caixas e Seguros da Espanha (Adicae), Francisco Javier
Alvarado, que mantém uma organização para tentar evitar os despejos.
Ocorre que grande parte dos inadimplentes estão incluídos nos 25% da população
economicamente ativa espanhola desempregada. Existem 1,7 milhão de lares
espanhóis nos quais nenhum integrante tem uma renda fixa – e mais de 5 milhões
são sustentados por uma única pessoa com renda.
Diante dessa situação, não parece um absurdo que nos últimos 40 dias quatro
pessoas tenham se suicidado ao receber o comunicado da justiça de que devem
deixar seus lares.
“São dramas humanos muito fortes. Há vários casos de desalojo de famílias com
crianças pequenas ou de anciões que deram sua casa como garantia ao
financiamento pedido pelos filhos. É impossível ficar imune”, reconhece o
porta-voz do Sindicato Unificado da Polícia espanhola, José María Benito Celador.
Os agentes reclamam de um problema de consciência: por um lado, não podem
descumprir o seu dever nem as ordens que recebem. Por outro, o sindicato já
denunciou casos inclusive de mal-estar físico, de guardas que tiveram que ser
levados ao hospital depois de participar em um despejo. “Já há muitos agentes
que se negam a ir a ações deste tipo”, revela. E coloca o dedo na ferida: “A lei
é injusta”.
Inadimplentes são acusados sem direito à defesa
As centenas de pessoas que perdem suas casas diariamente na Espanha – já são
mais de 500 mil desde 2008 – não são apenas vítimas de uma crise econômica que
nem o Partido Socialista (PSOE) e tampouco o atual governo comandado pelo
Partido Popular (PP) souberam solucionar.
Muitos dos contratos que permitem hoje aos bancos reclamar a casa pelo não
pagamento da dívida de financiamento possuem cláusulas abusivas – a mais famosa
é a que institui um mínimo de juros a serem pagos mesmo nos casos em que o
índice que gerencia o reajuste das parcelas se reduza.
Mas há outras mais: “Durante o período da bolha imobiliária foram feitos todos
os tipos de aberrações. Só pensavam em vender apartamentos e casas, não importa
com que condições”, condena o técnico da Adicae, Francisco Javier Alvarado.
Não por casualidade a bolha imobiliária é um dos elementos que está na origem da
crise econômica na Espanha. E embora o argumento seja suficientemente forte ao
menos para levar um juiz a pedir um estudo criterioso de cada contrato, não é
possível parar uma execução de despejo porque há uma cláusula legal que dá razão
ao reclamante. “Contra os bancos ninguém pode se opor”, critica o porta-voz da
associação progressista Juízes para a Democracia, Joaquim Bosch.
Não há direito à defesa, o sujeito não pode argumentar sobre o porquê não paga
nem demonstrar que o contrato é nulo, abusivo, ou foi feito contra as leis. “No
caso das hipotecas há uma nítida vantagem dos bancos sobre as pessoas. Essa
situação vulnerabiliza o direito fundamental à moradia, que está garantido na
Constituição”, denuncia Joaquín Bosch.
Vale lembrar que os bancos, que se beneficiaram da negligência dos órgãos de
controle e de defesa do consumidor durante o período de fartura, também são os
grandes protegidos dessa crise: enquanto que nos últimos cinco anos se
destruíram 4 milhões de postos de trabalho no país, e apenas em 2012 houve
aumento de impostos e recortes em serviços sociais, o governo espanhol teve que
assumir como seu o resgate que a União Europeia concedeu às entidades
financeiras 100 bilhões de euros. Parte do dinheiro será aplicada na criação de
um “banco ruim”, que reunirá todos os ativos desvalorizados das instituições
para sanear os caixas privados.
Decreto do governo é insuficiente
Diante da comoção social que tomou conta da Espanha no último mês – além de
associações de todo o tipo se manifestarem contra a forma como estão sendo
levadas a cabo as execuções hipotecárias, vários prefeitos de cidades espanholas
liberaram seus corpos policiais de participar em ações de despejos, se
comprometendo a assumir eventuais problemas judiciais que surjam por
“insubmissão” – o governo atuou.
Sem conseguir um acordo com o principal partido da oposição (PSOE), a gestão de
Mariano Rajoy (PP) baixou um decreto que paralisa durante dois anos os despejos
em famílias que se encontrem em situação de “risco extremo”. Na prática, a
medida fez com que os processos judiciais se detivessem porque agora é
necessário reestudar cada caso para ver se se enquadra no perfil protegido pela
lei.
Mas não é o suficiente. As associações acusam o governo de manobrar para tirar
da mídia os casos mais dramáticos – os de famílias extremamente pobres, por
exemplo, que revoltam mais a população – mas afirmam que o decreto não terá
impacto significativo no número total de despejos.
“Essa moratória é insuficiente porque exclui a maioria das pessoas afetadas e
não aborda o problema da dívida, que seguirá aumentando durante os dois anos
previstos de moratória”, protesta a Plataforma de Afetados pelas Hipotecas (PAH).
“Pior”, prosseguem, “o decreto pode piorar a situação porque pode provocar que
algumas pessoas atentem contra sua própria saúde para cumprir com o requisito de
'doença grave' ou que decidam ter um filho para entrar na categoria de 'família
com um filho menor de três anos'”. De todas as formas, nenhum dos casos de
suicídio ocasionado pela ameaça de despejo seria evitado se o novo decreto já
estivesse em vigor.
O que todas as associações consultadas para esta reportagem defendem é uma
moratória geral no pagamento do financiamento bancário de imóveis que permita
revisar a lei que gerencia esse mercado – que deveria conter a possibilidade de
que a entrega do imóvel quite a dívida do comprador, algo que os bancos temem
que gere uma distorção na toma de empréstimos.
A cidadania também solicita que o governo institua o “aluguel social”, o que
além de tudo movimentaria o setor de compra e venda de casas e apartamentos ou a
construção civil, já que o Estado deveria adquirir esses locais para logo alugar
a famílias necessitadas.
Os bancos se manifestam apenas reiterando que lamentam o ponto a que chegou a
situação, mas não propuseram nada além dos dois anos de moratória. A PAH já
recebeu o comunicado de que para a próxima semana estão previstos 12 despejos,
em oito diferentes municípios do país.