O CRISTIANISMO TERIA SIDO REENCARNACIONISTA?

 

 

Teria o Cristianismo sido inicialmente reencarnacionista?  Alguém diz que sim.  Mas, a menos que o novo testamento tenha sido quase totalmente reescrito, isso não poderia ser verdade.

 

A REENCARNAÇÃO NO OCIDENTE - UM POUCO DE HISTÓRIA
Autor Maísa Intelisano - [email protected]


Até meados do século VI, todo o Cristianismo aceitava a doutrina da reencarnação que a cultura religiosa oriental já proclamava, milênios antes da era cristã, como fato inquestionável, prova inconstestável da justiça divina, que sempre dá oportunidade ao homem de rever seus atos e retomar aquilo que achar necessário em nova existência.

Acontece, porém, que o II Concílio de Constantinopla, atual Istambul, na Turquia, em decisão política, para atender exigências do Império Bizantino, resolveu abolir tal convicção, justificada pela lógica, substituindo-a pela doutrina da ressurreição, que contraria todos os princípios da ciência, pois admite a volta do ser, por ocasião de um suposto juízo final, no mesmo corpo já desintegrado em todos os seus elementos constitutivos.

A Igreja teve alguns concílios tumultuados, mas parece que o II Concílio de Constantinopla, ocorrido em 553, bateu o recorde em matéria de desordem e mesmo de desrespeito aos bispos e ao próprio Papa da época, Virgílio.

A imperatriz Teodora, esposa do imperador Justiniano, também teólogo, havia sido uma cortesã e se imiscuía nos assuntos de governo e teologia do marido. Segundo alguns autores, ela era motivo de orgulho entre suas ex-colegas prostitutas por ter conseguido chegar ao “posto” de imperatriz. Ela, no entanto, sentia vergonha de seu passado e revoltava-se com o fato de suas ex-colegas vangloriarem-se dessa honra. Para acabar com os comentários, mandou eliminar ou sumir, não se sabe ao certo, com todas as prostitutas da região – cerca de quinhentas.

Como o povo naquela época era reencarnacionista, apesar de ser, em sua maioria, cristão, passou a chamá-la de assassina e a dizer que deveria ser castigada quinhentas vezes em suas vidas futuras, como carma por ter traído suas ex-colegas prostitutas. O certo é que Teodora passou a odiar a doutrina da reencarnação e, como tinha muita influência no meio político e religioso da época, partiu para uma perseguição sem tréguas contra essa doutrina e contra o seu maior e mais antigo defensor entre os cristãos, Orígenes, filósofo grego que viveu em Alexandria, cuja fama de sábio era motivo de orgulho dos seguidores do cristianismo, apesar de ele ter vivido quase três séculos antes, entre 185 e 254.

Como a doutrina da reencarnação pressupõe a preexistência do espírito, Justiniano e Teodora decidiram, primeiro, abalar a doutrina da preexistência, com o que estariam, automaticamente, desestruturando a da reencarnação.

Assim, em 543, Justiniano publicou um edital, em que expunha e condenava as principais idéias de Orígenes, sendo uma delas a da preexistência do espírito. Em seguida à publicação do edital, Justiniano determinou ao patriarca Menas de Constantinopla que convocasse um sínodo (reunião de bispos de todo o mundo), para que os bispos votassem em seu edital, aprovando dez anátemas (condenações) dele constantes contra Orígenes.

O principal anátema que nos interessa é o que trata da preexistência do espírito e que, em sua íntegra, diz o seguinte: “Se alguém diz ou sustenta que as almas humanas preexistiram na condição de inteligências e de santos poderes; que, tendo-se enojado da contemplação divina, tendo-se corrompido e, através disso, tendo-se arrefecido no amor a Deus, elas foram, por essa razão, chamadas de almas e, para seu castigo, mergulhadas em corpos, que ele seja anatematizado!” [O Mistério do Eterno Retorno, pág. 127-127, Jean Prieur, Editora Best Seller, São Paulo, 1996].

Condenando a doutrina da preexistência do espírito, estava automaticamente condenada também a doutrina da reencarnação, sem que com isso fosse, sequer, necessário lançar um edital especial contra ela ou mesmo citá-la a qualquer momento. Como o maior desenvolvimento em poder e crescimento do cristianismo foi no Ocidente, a condenação da preexistência do espírito e da reencarnação se espalharam com ele e é por isso que entre nós hoje parece estranho acreditar nessas duas doutrinas.

No entanto, em suas origens, o próprio cristianismo era reencarnacionista pois, além de Jesus mesmo, ao que parece, ter feito alusão à reencarnação em suas pregações, a reencarnação já era uma crença estabelecida, muito mais antiga que ele e já era plenamente aceita, pois nem fazia sentido para os homens que fosse de outra maneira, já que não fazia sentido que Deus pudesse agir de outra forma, pois seria injusto.

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Cada tipo de crente apresenta uma estória convergente com sua crença. Todavia, a não ser que o chamado Novo Testamento tenha sido quase totalmente reescrito, o cristianismo, em seu nascedouro, não poderia ter sido reencarnacionista.   No Novo Testamento há um único caso que mostra a existência da crença na reencarnação, mas incongruente com o resto, e a ideia está claramente negada pelo mais importante apóstolo, Paulo.

Que os judeus só passaram a crer na ressurreição depois que viveram na Babilônia, podemos ver claramente na Bíblia. Pois a história patriarcal não fala nada de promessa de vida após a morte, nem em mais de uma vida, e só Daniel fala de ressurreição nos moldes cristãos, enquanto em Isaías parece já existir alguma ideia de ressurreição para o povo escolhido de Yavé, sem qualquer menção a ressurreição dos ímpios.

 

Embora o Velho Testamento apresente casos de pessoas ressuscitadas, a lei mosaica não apresentou nenhuma promessa de recompensa em outra vida após a morte. A lei apresentou um deus severo, com promessas e ameaças nesta vida: “porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam” (Deuteronômio, 5: 9). E não prometia nada mais além do que se pudesse conceder aqui na terra: “Honra a teu pai e a tua mãe, como o senhor teu Deus te ordenou, para que se prolonguem os teus dias, e para que te vá bem na terra que o Senhor teu Deus te dá” (Deuteronômio, 5: 15).

Em relação ao pós-morte, encontramos algumas opiniões:

Jó diz: “Oxalá me encobrisses na sepultura e me ocultasse até que a tua ira se fosse, e me pusesses um prazo e depois te lembrasse de mim! Morrendo o homem, porventura tornará a viver?” (Jó, l3: 13 e 14). Era assim que ele cria: “...o homem se deita, e não se levanta: enquanto existirem os céus não acordará, nem será despertado do seu sono” (Jó, 13: 12).

Eis a resposta ainda mais clara: “Tal como a nuvem se desfaz e some, aquele que desce à sepultura nunca tornará a subir. Nunca mais tornará à sua casa, nem o seu lugar o conhecerá mais” (Jó, 7: 9, 10)

Salomão, se tiver sido mesmo o autor do Eclesiastas, não cria na existência de consciência após a morte; pois o livro atribuído a ele diz: Pois os vivos sabem que morrerão, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco têm eles daí em diante recompensa; porque a sua memória ficou entregue ao esquecimento. Tanto o seu amor como o seu ódio e a sua inveja já pereceram; nem têm eles daí em diante parte para sempre em coisa alguma do que se faz debaixo do sol.” (Eclesiastes, 9:5, 6).  

 

Em Isaías, lemos:

 

“Os falecidos não tornarão a viver; os mortos não ressuscitarão; por isso os visitaste e destruíste, e fizeste perecer toda a sua memória” (Isaias, 26: 14).

 

Entretanto, se atribui ao mesmo profeta outras palavras: “Os teus mortos viverão, os seus corpos ressuscitarão; despertai e exultai, vós que habitais no pó; porque o teu orvalho é orvalho de luz, e sobre a terra das sombras fá-lo-ás cair” (Isaias, 26: 19).  Aí parece já estar existindo a crença de que as pessoas pertencentes ao chamado povo escolhido de Yavé teriam ressurreição, mas só esses.

 

Em Daniel, por sua vez, já aparece a ressurreição dos bons e dos maus: Em sua última visão, o profeta teria recebido a mensagem angélica: “...descansarás, e, ao fim dos dias, te levantarás para receber a tua herança” (Daniel, 12: 13).

 

Esses registros deixam claro que, após viverem na Babilônia, os judeus adotaram a crença na ressureição.

Para o Cristianismo, entretanto, a base inicial da fé não poderia ter sido outra que não a ressurreição dos mortos. Jesus, o núcleo da referida religião, teria prometido ressurreição aos seus seguidores e teria ressuscitado no terceiro dia de sua execução. Paulo teria dito que, no retorno de Jesus, os mortos ressuscitariam, enquanto os vivos, entre estes ele próprio, seriam transformados para encontrar com Jesus nos ares. E, como a crença na reencarnação existisse entre o povo, Paulo teria negado essa ideia dizendo que "ao homem está determinado morrer uma só vez, vindo depois o juízo" (Hebreus, 9: 27).

 

Quando, segundo o evangelho de João, Jesus, em sua linguagem figurada, disse: “Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”, tendo Nicodemos perguntado se era “voltar ao ventre materno e nascer segunda vez”, ele explicou que não era nenhum novo nascimento físico, mas uma renovação espiritual: “o que é nascido da carne é carne; o que é nascido do espírito é espírito” (S. João, 3: 3 a 6). Paulo falou mais claramente desse novo nascimento: “vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano, e VOS RENOVEIS NO ESPÍRITO DO VOSSO ENTENDIMENTO, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão e procedentes da verdade.” (Efésios, 4: 22 a 24).

 

Por outro lado, há um único registro bíblico que nos dá a entender que essa doutrina reencarnacionista já era do conhecimento de cristãos: “Caminhando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os seus discípulos perguntaram: Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou, nem seu pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus” (João, 9: 2). Se os discípulos imaginaram a hipótese de ser o pecado do próprio cego a causa de ele nascer assim, eles acreditavam na idéia de o homem ter mais de uma vida; pois só assim ele poderia pecar e depois nascer cego como castigo. A resposta do mestre, contudo, não confirmou a crença dos discípulos.

 

O Apóstolo Paulo, ao que me parece, quis prevenir os cristãos contra alguém que devia estar pregando entre eles a teoria de que o homem passa por várias vidas e mortes; pois escreveu ele: “...aos homens está ordenado, morrerem UMA Só VEZ, depois disto o juízo” (Hebreus, 9: 27).

 

Sem dados históricos contrários, sem prova de que o intitulado Novo Testamento tenha sido quase totalmente reformulado pela Igreja, não poderíamos admitir que o Cristianismo tenha nascido como uma crença reencarnacionista, uma vez que essa coleção de escritos cristãos tem, do início ao fim, a ressurreição como base da fé.

 

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