DARWIN E RELIGIÃO, IMPOSSÍVEL CONCILIAR
"Religião e ideias darwinianas são incompatíveis"
Selo britânico comemorativo em homenagem à vida e obra
de Darwin
Darwin hesitou em publicar suas conclusões científicas,
ciente das consequências religiosas. Uma entrevista com
o biólogo evolucionista Axel Meyer (*).
DW-WORLD.DE: Que importância têm Charles Darwin
(1809-1882) e sua Teoria da Origem das Espécies hoje em
dia para o senhor, na qualidade de cientista moderno?
Axel Meyer: Ela é o fundamento da moderna biologia
evolutiva. Naturalmente, Darwin não podia prever tudo o
que aconteceria nos 150 anos seguintes. Entretanto, a
seleção natural, como ele a descreveu, continua sendo o
principal mecanismo através do qual a evolução funciona.
Pode-se dizer que Darwin é um dos maiores representantes
da ciência natural da Era Moderna?
Seguramente. Eu acredito, sim, que seja justificado o
status de culto, ou de astro, que ele possui, talvez ao
lado de Freud ou de Einstein.
No século 19 o Gênesis bíblico era a única explicação
satisfatória para o surgimento da humanidade. De quanta
coragem precisou Darwin para divulgar, em 1859, sua
Teoria da Origem das Espécies?
Certamente ele tinha consciência do que representavam
suas conclusões no campo da biologia também para a
religião, ou a compreensão da origem, ou o significado
do ser humano. E esta talvez seja parte da explicação
por que ele esperou tanto até publicar seu livro [Sobre
a origem das espécies através da seleção natural]. Havia
também constelações familiares, o fato de sua mulher ser
muito religiosa. Com certeza estes são aspectos parciais
que o fizeram hesitar com a publicação.
Darwin não deu uma explicação para o aparecimento do
primeiro ser, de onde veio a primeira célula. Ele
renunciou conscientemente a isso.
Ele não disse muito a este respeito e, de certo modo,
"de onde vem a vida" continua sendo uma questão muito
debatida. Tão logo a vida aparece, todos os cientistas
estão de acordo que entram em ação os mecanismos
descritos por Darwin, relativos à variação e à seleção,
fazendo com que a vida se desenvolva neste grau de
complexidade e diversidade.
Ele sabia que as ciências naturais, e assim sua Teoria
da Evolução, batem aqui em seus limites? Ela não pode se
confundir com a teologia, com a fé.
Esta é uma questão difícil. Ele próprio deixou de
acreditar num Deus misericordioso quando sua filha
predileta faleceu. Talvez tenha sido este o último
obstáculo à publicação do livro. Acho que mais tarde ele
próprio se definiu como agnóstico, não crendo, portanto,
na existência de Deus. Porém não estou certo se ele, por
princípio, via uma contradição irreconciliável entre uma
crença divina, ou religiosidade em geral, e uma visão
científica do mundo.
Pode um cristão declarado acreditar na Teoria da
Evolução? Do seu ponto de vista, como cientista, é
possível conciliar Darwin e a fé cristã?
Pessoalmente, eu diria que não. Para mim essas duas
visões das coisas se opõem, sim. Acho que é pouco comum
um biólogo evolucionista ser religioso.
Existe uma alternativa científica séria para a Teoria da
Evolução à la Darwin?
Não, não existe. As ideias do intelligent design ou do
criacionismo não são teorias cientificamente
sustentáveis. Tampouco são discutidas por cientistas que
se levem a sério. Só se discute o que elas poderiam
ocasionar, do ponto de vista sociológico ou
sociopolítico, para o ensino da Biologia Evolutiva ou,
em geral, para a formação de uma visão científica nas
escolas e universidades. Porém [essas ideias] não
originam teorias comprováveis nem representam uma
alternativa científica para as ideias darwinianas.
Então ficamos com a conclusão de que o homem é um
macaco, pelo menos biologicamente?
Ele descende dos macacos, no sentido de que possuímos
ancestrais comuns, os primatas. A maioria dos
evolucionistas não definiria o ser humano como o ápice
da Criação e sim – apesar de todas as suas óbvias
especificidades – o consideraria simplesmente mais uma
espécie.
A Teoria da Evolução continua hoje sobre fundamento
científico sólido, ou é preciso avaliar muito do que
Darwin desenvolveu há 150 anos de outra forma, à luz das
novas pesquisas?
Algumas coisas Darwin não entendeu, ou entendeu errado.
Consideremos, por exemplo, que a deriva dos continentes
só foi estabelecida mais tarde por Alfred Lothar
Wiegener. Assim, Darwin compreendeu de forma incorreta
certos aspectos da distribuição geográfica das espécies
pelos diferentes continentes.
E naturalmente ele viveu numa época anterior à
descoberta dos genes e da genética. A redescoberta das
Leis de Mendel (1822-1884) e as revoluções causadas pela
biologia molecular e, agora, pela genômica são coisas
que ele não poderia haver previsto, é claro. Porém essas
novas disciplinas levaram antes a uma compreensão mais
profunda da biologia evolutiva, em vez de revelar
quaisquer contradições nas ideias darwinianas.
Novas espécies aparecem e se modificam ao se adaptar às
alterações das condições ambientais – este é o cerne da
Teoria da Evolução. Hoje em dia se fala nas consequências do aquecimento global, da mudança
climática. Podemos encarar essa dinâmica de forma
despreocupada, à luz das constatações de Darwin?
Depende. De certo modo, trata-se apenas de mais uma
pressão seletiva, ou mais uma força que levará à seleção
de determinados indivíduos, em detrimento de outros. O
homem não altera apenas o clima, mas também todo o meio
ambiente na Terra, basta pensar no desmatamento das
gigantescas florestas tropicais na Ásia ou na América do
Sul. A destruição do espaço vital ocasiona uma extinção
em massa como só se viu quatro ou cinco vezes na
história do planeta. Nós nos encontramos numa fase de
extinção em massa.
Então a evolução permanece um processo contínuo, que
nunca cessa, mesmo sob estas novas condições ambientais?
Claro. Ela será possivelmente até acelerada. Ao
provocarmos uma mudança climática num período – do ponto
de vista geológico – relativamente breve, as mutações
serão mais velozes. Isso, na escala geológica, não é
nada demais, pois a Terra já se esfriou ou se aqueceu
diversas vezes, é claro. Mas não por influência humana.
*
Axel Meyer é professor de Biologia Evolutiva pela
Universidade de Constança.
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