DATENA
CONDENADO
Datena ajudando
os ateus a fazerem história: vitória judicial contra a ateofobia
Autor: Sisenando Calixto, membro do Conselho Jurídico da LiHS
Este que vos escreve é um dos que moveram ações contra José Luiz Datena por
causa da miríade de falsas acusações e ofensas gratuitas por ele feitas contra
ateus. O processo (№ 625.01.2010.018574) tramitou pela 3ª Vara Cível da Comarca
de Taubaté.
No dia 13 de setembro foi proferida a sentença (publicada no Diário Oficial do
Estado de São Paulo no dia 15), que pode ser lida aqui, condenando José Luiz
Datena e Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda. a pagarem ao autor desta postagem
o valor de R$ 10.000,00.
Trata-se, até onde sabemos, da primeira vez na história deste país que alguém é
condenado por discriminação contra ateus.
No dia 26 de outubro foram protocoladas as apelações de ambos os réus.
Será também, possivelmente, até onde sabemos, a primeira vez que, em um caso
concreto, poderemos requerer que seja retirado da sala de julgamento o crucifixo
que se ostenta sobre as cabeças dos julgadores, sem que esse pedido seja negado
pelas tergiversações do Conselho Nacional de Justiça.
Petição Inicial:
http://www.progressosustentavel.com/peticao.pdf
Sentença:
http://www.progressosustentavel.com/sentenca.pdf
Apelações dos Réus:
http://www.progressosustentavel.com/apelacoes.pdf
Sobre o Caso
No dia 27 de julho de 2010, no programa “Brasil Urgente”, pela TV Band, o
apresentador José Luiz Datena dedicou cerca de uma hora a incitar o público ao
ódio e a lançar as mais pérfidas acusações àqueles que, pela mais pura expressão
da liberdade de consciência, amparados pela Constituição, decidiram não seguir
religião alguma, não professar nenhum tipo de fé religiosa, nem adotar como
objeto de adoração nenhum dos deuses criados pela história humana, não por serem
contra alguns dos princípios dessas doutrinas, mas por não acreditarem,
sinceramente, na existência de um plano metafísico que abrigue uma entidade
onipotente que regeria o Universo e julgaria os homens.
Como todos aqui já sabem, Datena ultrapassou todos os limites da liberdade de
expressão ao declarar e esbravejar, entre muitas outras coisas, que: não quer
ateus assistindo seu programa; ateus são “pessoas do mal”; ateus são pessoas
“aliadas do Capeta”; ateus são criminosos, egoístas, gananciosos, capazes de
cometer os mais hediondos atos; ateus não têm limites; ateus são responsáveis
pelas barbaridades narradas em seu programa; “quem não acredita em deus não
costuma respeitar os limites, porque se acha o próprio deus”; é por causa dos
ateus “que o mundo está assim, essa porcaria”; um homem que mata a tiros uma
criança de dois anos seria “um exemplo típico de um sujeito que não acredita em
deus”; só pode estar no “caminho certo” quem acredita em deus.
Datena chegou a lançar uma enquete para “provar para essas pessoas do mal” que
deus existiria e que “o bem é maioria”, com a questão “Você acredita em Deus?”,
cujas respostas “Sim” e “Não” poderiam ser dadas por telefone: “Mas se eu fizer
uma pesquisa aqui, se você acredita em deus ou não, é capaz de aparecer gente
que não acredita em deus”. Ao constatar que mais de mil pessoas declararam ser
ateias, Datena, em tom indignado, passou a incitar o público a vencer a enquete,
a “dar de lavada nos ateus”, além de declarar coisas como “tem muito bandido
votando do outro lado”, “até de dentro da cadeia”.
Quando se esperava que, num programa seguinte, Datena fizesse algum tipo de
retratação – ao menos em respeito à indignação que ele provocou na comunidade
ateia do país com suas acusações caracterizadas pela mais árida argumentação –,
o que ele fez foi debochar e reafirmar todas as suas declarações, baixando o
nível da linguagem e explicitando a sua vontade gratuita de ofender: “Hah… Tem
até uma associação… de ateus! Que pediu direito de resposta para falar aqui.
Disse que eu teria metido o pau em quem não acredita em deus… que se lasque quem
não acredita em deus!
Valendo-se do fato de que o programa do dia 27 de julho de 2010, até há bem
pouco tempo, não tinha ido parar na Internet, Datena mostrou que sua palavra
vale tanto quanto a de um moleque: ao invés de assumir o que disse e pedir
desculpas (ou assumir sem pedir desculpas mesmo), Datena passou a querer se
fazer de vítima, dizendo, em todas os seus pronunciamentos sobre esse assunto,
que estava sendo processado só por ter dito que determinados comportamentos maus
são coisa de “gente sem deus no coração”.
http://bulevoador.haaan.com/2011/11/29767/
DECISÃO
D E C I D O. A pretensão indenizatória fundamenta-se no argumento fático de que
o primeiro réu, através de programa veiculado pela segunda, teria proferido
ofensas infundadas aos ateus, reproduzidas na inicial, lesivas ao autor, que
assim se denomina. Relativamente à matéria fática, não há controvérsia quanto ao
fato de o apresentador José Luiz Datena ter proferido no programa indicado,
“Brasil Urgente”, veiculado pela emissora Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda,
no dia 27 de julho de 2010, as declarações destacadas na inicial, porque o
apontado não foi especificamente impugnado pela defesa, e ainda foi corroborado
pelas gravações em DVDs, que reproduzem o programa. E, quanto à condição de
ateu, afirmada pelo autor, bem como sua indignação e desconforto com as
declarações proferidas pelo apresentador, a prova oral confirma o apontado. O
autor cursou faculdade de direito e em juízo foram ouvidos três colegas seus,
que confirmam ser ele pessoa publicamente declarada ateu, tendo se sentido
incomodado e desconfortável com o programa veiculado (fls. 374/378). Também o
autor foi ouvido em depoimento pessoal, confirmando o sentimento de ofensa,
porque o apresentador “não se limitou a proferir uma opinião pessoal, mas
uma verdadeira “caca às bruxas”, elegendo o ateu, associando-o a tudo que é
maldade” (fl.372). Subsiste a análise da configuração do dano moral. No
caso, a reprodução na inicial das declarações emitidas pelo apresentador não
deixa dúvida quanto ao caráter ofensivo destas, direcionadas aos ateus, sempre
os associando às maldades e barbáries do mundo. Não há como qualificá-las como
mera crítica, porque não expressam juízo fundamentado, cuidando-se de ofensas
gratuitas, destituídas de razão. Elas se apóiam exclusivamente num
pensamento preconceituoso, assim entendido aquele que se concebe
independentemente de experiência ou razão. O réu manifestou-se de modo hostil
e intolerante contra um determinado grupo de pessoas, que simplesmente exercem
seu direito de não ter crença religiosa.
Vale frisar que o apresentador não travou uma discussão ou simplesmente externou
uma opinião desfavorável ao ateísmo. Atacou os ateus, indistintamente. E, no
caso, a conduta do apresentador não está amparada no direito à liberdade de
informação, até porque, como já apontado, as declarações externaram uma opinião
pessoal preconceituosa e ofensiva, sem caráter informativo, que pudesse revelar
interesse público. Não tinha o direito de tê-las lançado num veículo de
comunicação, como o fez. Expressam conteúdo ilícito e contrariam o disposto no
artigo 221 da Constituição Federal, segundo o qual as emissoras de televisão
atenderão aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Não é difícil
imaginar, sendo até intuitivo, o dano moral suportado pelo indivíduo que se
insere no grupo atacado. As declarações perpetradas ofendem a liberdade de
consciência e de religião, que integram bens da personalidade, cuja violação
fere a dignidade. O autor teve agredida sua moral perante a coletividade, porque
o apresentador, que tem expressivo poder na formação da opinião pública,
difundiu a idéia de que há uma correlação entre o ateu e o mal, o ateu e o
crime, o ateu e o egoísmo, o ateu e a ganância, ofendendo, por conseqüência a
honra e imagem daqueles que no grupo se inserem. O discurso do réu fica gravado
no inconsciente coletivo, expondo o grupo e qualquer um de seus integrantes ao
risco de atos de intolerância, dada a não aceitação das diferenças. Por
conseqüência, é de se reconhecer o direito de o autor, ofendido com tais
declarações, porque se insere no grupo infringido, postular individualmente a
definição de uma indenização, que sirva de compensação ou acalento a agressão
vivida. De fato, o direito da sociedade de se defender contra programas que
atentem contra a finalidade educativa, artística, cultural e de informação, a
aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, não exclui a defesa pelo
autor de seu direito individual de ver-se indenizado em razão das injustas
agressões proferidas. É certa a afirmação do autor de que no caso, quando o réu
lança ofensas gratuitas, discriminatórias, sem qualquer fundamento contra um
grupo de pessoas, ele viola simultaneamente dois direitos, o individual dos
integrantes deste grupo de não ser submetido a este tratamento e o da sociedade
de ser preservada desse tipo de programação, que viola o artigo 221 da
Constituição Federal. Ademais, a vedação ao ajuizamento da ação individual
representaria verdadeira limitação ao direito de acesso à Justiça, garantido
constitucionalmente (artigo 5º, XXXV, da CF). E, quanto à legitimidade da
emissora, Rádio e Televisão Bandeirante Ltda, a questão foi apreciada na decisão
de fls.328/330, quando destacada a Súmula 221 do C.STJ, do seguinte teor: “São
civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano decorrente de publicação pela
imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de
divulgação”. Em acréscimo, também não se ignora que a emissora, além de colocar
no ar o programa, ainda forneceu meios para que se realizasse a enquete lançada
pelo apresentador, “para provar que o bem é maioria”, através da pergunta:“Você
acredita em deus?”, avalizando o discurso apresentado. Ao veicular as
declarações ofensivas do apresentador aos cidadãos ateus, em um dos programas de
maior audiência de sua grade televisiva, a TV Bandeirantes deixou de atender aos
princípios da legalidade e moralidade, desrespeitando a proteção constitucional
à liberdade de consciência e crença, não esclarecendo os telespectadores que se
tratavam de afirmações absurdas. Vale frisar que nestes autos o autor lançou
proposta de composição, aceitando pôr fim à demanda desde que a parte requerida
promovesse a leitura de um texto no qual houvesse um esclarecimento ao público e
retração, com o que também a emissora não concordou. A co-requerida tem
responsabilidade pelo que veicula e, como concessionária de serviço público deve
zelar para que seus programas atendam as diretrizes do artigo 221 da CF, que
assim dispõe: “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão
atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas,
artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e
regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III -
regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme
percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da
pessoa e da família." (destaquei). Quanto à definição da indenização, sem
desprezar o grande poderio econômico dos requeridos e a extensão do dano, dado o
alcance e influência das palavras do apresentador sobre seu público, seu grande
poder de persuasão, fatores que o identificam como formador de opinião, a verba
a ser definida deve se pautar pelo equilíbrio e moderação, de modo a não ser
irrisória, o que estimularia a perpetuação do ilícito, e nem tampouco elevada a
ponto de propiciar um enriquecimento indevido, que supere o sentido de
compensação que a indenização externa. Pautada nestas diretrizes, defino como
adequada a quantia de R$ 10.000,00, reconhecendo a solidariedade dos réus no
cumprimento da obrigação. Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o
pedido inicial para o fim de condenar os réus, JOSE LUIZ DATENA e RADIO E
TELEVISAO BANDEIRANTES LTDA, solidariamente, a pagarem ao autor, SISENANDO GOMES
CALIXTO DE SOUSA, a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), como indenização
pelo dano moral identificado nos autos, com correção monetária desde esta data
(do arbitramento – Súmula n. 362 do C.STJ) e juros legais moratórios de 1% a.m.
(art. 406, CC; art. 161, §1º, CTN), desde a citação. Nos termos da Súmula n. 326
do C. STJ, os réus suportarão o pagamento das despesas processuais e honorários
advocatícios, que arbitro em 20% da condenação."
Conteúdo completo:
http://www.progressosustentavel.com/sentenca.pdf