É UMA FALÁCIA O DÉFICIT PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO

 

“O déficit da previdência é uma falácia”, diz Wladimir Martinez
08/08/11 - 10h12

O déficit das contas da previdência, principal argumento do governo para reformar o sistema de aposentadoria dos brasileiros, é considerado uma falácia pelo advogado Wladimir Novaes Martinez, um dos melhores especialistas do país no tema e autor de vários livros.

O estudioso é o primeiro entrevistado de uma série especial sobre previdência, que será publicada pela associação nos próximos dias. A ANAJUSTRA, como entidade representativa, defende um modelo de previdência pública que preserve o poder de compra e remuneração dos inativos em contrapartida aos anos de dedicação ao serviço público. Com a série a associação quer, de forma imparcial, fomentar a discussão sobre as mudanças no regime de previdência dos servidores, previstas no PL 1992/2007.

Com uma visão técnica sobre o assunto, nesta entrevista Martinez faz uma análise do atual modelo previdenciário brasileiro e aponta caminhos para uma previdência mais justa.

Falando sobre o funcionalismo, Martinez ressalta que “as coisas estão mudando (e para pior)”. Para ele, é preciso que o servidor público se prepare, pois essas mudanças estão nas mãos de administradores despreparados.

Segundo o estudioso, o modelo ideal de previdência “é aquele que atende as necessidades do momento e que viabilize perspectivas para o futuro imediato, mediato, e até remoto, o que reclama muita sensibilidade, conhecimento e imaginação dos criadores”.

Na entrevista ele revela ainda que vê com bons olhos a criação do Fundo de pensão do funcionalismo (Funpresp), mas com uma ressalva: “deve-se pensar em medidas que cuidem do gigantismo dessa organização”.

Sobre a aposentadoria especial para portadores de deficiência, ainda não regulamentada em Lei, o advogado lembra que ela pode ser defendida pelas entidades classistas, por meio de Mandados de Injunção, ação que a assessoria jurídica da ANAJUSTRA já estuda.

Leia a entrevista

A previdência social no Brasil comporta vários modelos, gerando discussões sobre qual é o ideal. Como o senhor vê essa situação?

Um modelo ideal é aquele que atende as necessidades do momento e que viabilize perspectivas para o futuro imediato, mediato, e até remoto, o que reclama muita sensibilidade, conhecimento e imaginação dos criadores. Ninguém tem muitas condições de saber como será a sociedade e a economia do nosso país daqui a 50 anos. O que se pode fazer é fixar regras transitórias, mutáveis e permissão legal para transformações no por vir. Ou seja, transformações dinâmicas. A Previdência Social deveria ser desconstitucionalizada, ali sendo estabelecidos apenas os princípios e deixando para a norma ordinária as transformações necessárias.

Como analisa o atual modelo de previdência para os servidores públicos após as reformas das emendas 20/98, 41/03 e 47/05?

As ECs n. 20/98, 41/03 e 47/05 foram processos de adaptação, visando a uniformização dos regimes previdenciários com vistas a universalização da proteção securitária. Historicamente, sem ter debatido o verdadeiro papel do servidor na Administração Pública (EC n. 19/98), sem maiores estudos pretende identificar o servidor ao trabalhador.

O governo alega que há déficit no modelo previdenciário, acusa os servidores públicos de serem os principais responsáveis e pede ajustes. Como o senhor vê essa nova tentativa do governo em mexer na previdência social?

O alegado déficit da previdência social é uma falácia exaltada pela mídia nacional. Quando nós explicamos aos jornalistas eles perdem interesse. O que leva o Governo a pensar em reformas é o envelhecimento da população e o fato de o empresariado nacional (e mundial) recusar-se a alocar recursos para financiar a seguridade social, uma questão cultural, estrutural e difícil de ser ultrapassada porque nenhum governo nacional tem possibilidade de enfrentar esse empresariado. Tenho medo que, mais uma vez, tenhamos apenas uma mudança da aposentadoria por tempo de contribuição e não da previdência social, colocando um limite nacional de idade (medida censurabilíssimo), acabando com o fator previdenciário (deveria ficar como faculdade) ou adotando a nossa Fórmula 95 (que o Governo Federal não sabe o que é...).

É a previdência social que é deficitária ou será que o problema são as contas da previdência e a forma como essas são apresentadas, como por exemplo, a inclusão da assistência social no seu orçamento?

Realmente não há déficit, mas, no futuro poderá haver. O que existe é um conceito e um jogo contábil. Recursos da seguridade social são alocados em outros programas do governo.

Em sua análise qual é o principal equívoco nas contas da previdência?

A previdência social arrecada o que a sociedade quer pagar e a sociedade não quer pagar para a previdência pública; a sociedade perdeu a confiança nela devido aos sucessivos desmandos. Essa é uma história antiga: os técnicos não são chamados para opinar e as soluções ficam nas mãos de parlamentares despreparados. O fenômeno é de certa forma, mundial. A Previdência Social do Século XX, nunca mais. Talvez tenhamos futuramente apenas uma previdência dos pobres e nada mais.

Quais são as regras atuais para o servidor se aposentar hoje?

O servidor tem de ter 10 anos no serviço público, 5 anos no cargo e 60 anos (homem) ou 55 anos (mulher) para se aposentar por tempo de contribuição e, de modo geral, para os admitidos recentemente, sem a paridade. A aposentadoria especial depende do Mandato de Injunção e de normas administrativas. A aposentadoria por idade não tem novidades e a aposentadoria por invalidez precisa ser revista.

Existe alguma medida que o servidor pode tomar para não ser prejudicado ao se aposentar?

Diante do ordenamento vigente não há nada que o servidor possa fazer para contornar eventuais prejuízos por comparação com o sistema anterior, exceto reformular a programação de sua vida, tomando consciência de que as coisas estão mudando (e para pior). Sugiro a leitura do nosso livro “A Arte de Aposentar-se" , para não incidir no erro de pensar que não se deve programar a aposentação.

Da forma prevista hoje pela emendas 41 e 45, a aposentadoria por invalidez é justa?

Não, não é, porque é pessimamente redigida e cada Regime Próprio define do jeito que acha certo.

Como o servidor pode fazer valer o direito à aposentadoria especial para os portadores de necessidades especiais, insalubridade, periculosidade ou penosidade? No caso de aposentadoria por doenças no trabalho e doenças incuráveis, como o servidor pode garantir a integralidade e paridade?

Não vi Mandado de Injunção ou normas tratando da aposentadoria especial dos portadores de deficiência. As associações de defesa dessas pessoas devem seguir o caminho dos contemplados nos incisos II/III do § 4º do art. 40 da Carta Magna, ingressando como Mandado de Injunção para que o governo regulamente a matéria. No tocante a insalubridade, periculosidade ou penosidade deve-se pressionar o Congresso Nacional para regulamentar, por lei complementar, o benefício de modo mais abrangente evitando os problemas que destacamos no nosso livro “Aposentadoria Especial do Servidor Público”. Todo o tema dos benefícios acidentários do servidor deve ser revisto pela legislação, propiciando-se a integralidade dos vencimentos nos proventos. A paridade é assunto que reclama movimentação nacional, como a promovida pela ANFIP, SINDIFISCO e outras entidades federais. Isso implica num completo reestudo do papel do servidor na Administração Pública.

É necessário criar um novo regime para os servidores públicos? Qual seria o sistema ideal?

Um regime próprio dos servidores ou fica igual a dos trabalhadores ou mantém-se distintamente, mas para isso importa que os servidores convençam o Governo de que a sua situação previdenciária seja inteiramente revista. Em 1998, o Governo Federal cometeu um grande erro quando discutiu a aposentadoria do servidor na EC n. 20/98 e deveria fazê-lo na EC n. 19/98. Isso aconteceu porque os órgãos classistas não conseguiram fazer prevalecer os seus pontos de vista; tem de haver um compromisso do servidor com o Estado, para ter moral para exigir as conquistas. O ideal é que o benefício volte a ser um prêmio ao esforço do servidor assegurado por contribuições da pessoa física (11%) e da pessoa jurídica (22%), segundo regime de capitalização para as prestações programadas e um regime de repartição para as imprevisíveis.

O governo apresentou ao Congresso, em 2007, o PL 1992/2007, que prevê algumas mudanças para a aposentadoria do funcionalismo, entre elas um fundo único para os Três Poderes. Em sua opinião, esse fundo é viável? No regime geral a contribuição patronal é dois por um e nesse fundo o governo pretende que ele seja um por um. É justa essa mudança?

A recriação de um ex-IPASE é uma boa ideia na medida em que uniformiza a proteção social de todos os Municípios, Estados, DF e União, devendo-se pensar em medidas que cuidem do gigantismo dessa organização. As alíquotas de contribuições devem seguir o ponto de vista do matemático; creio que 11% (servidor) + 22% (Estado), sem contribuição dos inativos pensionistas, é suficiente.

Em sua opinião, qual o futuro da previdência no Brasil?

O futuro da previdência social no Brasil é uma previdência dos pobres, universalizada e complementada por regimes particulares, o que é uma pena. O legislador do futuro deve pensar na diferença que existe na verdadeira previdência (benefícios imprevisíveis) da previdência de renda dos idosos (aposentadoria por idade com data exigida crescendo com envelhecimento populacional e com o aproveitamento da mão de obra dos mais velhos). Extinção da aposentadoria por tempo de contribuição e melhora sensível do seguro-desemprego. Revisão do modelo da pensão por morte.

<http://www.anajustra.org.br/noticias/noticia.asp?id=5713&cat=8>

 

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