Resenha: Deus: Um delírio - Richard
Dawkins - 2006
leandroDiniz · Niterói, RJ
11/10/2007 · 35 · 4
Deus: Uma ilusão – Richard Dawkins – 2006
Meu filósofo contemporâneo preferido, Andre-Comte Sponville, disse em um de seus
livros algo assim: Argumentativamente é impossível convencer um nazista que
ele está errado, e se em certa altura há nazistas tudo que se pode fazer para
combatê-los é recorrer a anti-nazistas. É praticamente certo que a religião
permanece firme em nossa sociedade, e, pelo menos no meu círculo de conhecidos,
é muito comum pessoas que se dizem católicas não-praticantes. Talvez por andar
próximo a pessoas que eu considere compatíveis com o meu modo de pensar, não
tenho amigos religiosos, talvez sejam ateus, mas não posso ter certeza.
Porque digo isso para começar uma resenha de um livro? Porque acho necessário
frisar o tom de Richard Dawkins ao longo dele. Em meus poucos anos de vida
aprendi diretamente na prática que discutir com pessoas religiosas não dá certo.
Não funciona. Elas não têm uma mente própria para a dialética, a argumentação
lógica e a busca pela verdade. Considero, com Dawkins, que a verdade em si não é
absoluta, e que cada um tem sua verdade, ou cada um busca a verdade que lhe
convém.
E se assim estamos de acordo, por que escrever um livro com mais de quatrocentas
páginas só para ir contra o pensamento religioso? Lembremos agora o primeiro
parágrafo, contra nazistas só podemos arrumar anti-nazistas. Igualmente nesse
caso, contra religiosos fanáticos só podemos arrumar anti-religiosos.
O livro é estruturado para combater ativamente toda a forma de argumentação, que
por si só é fraquíssima, do pensamento religioso. Por quê combater? Porque é
justamente isso que os religiosos estão fazendo contra, eles estão atacando. E
pra valer.
Não só li o livro de Dawkins como assisti aos documentários The root of all Evil
e The God who wasn´t there, respectivamente “A raíz de todos os males” e O “Deus
que não estava lá”, em tradução livre aqui. Assim como antes de “Deus: Um
delírio”, li “As origens da virtude” de Matt Riddley. Confesso que fiquei
espantado com os documentários. O número de pessoas influenciadas pelo
pensamento religioso nos EUA é enorme e não só mantém para si sua crença como
acham que devem passar adiante, criar uma nação cristã, ortodoxa, ou
protestante, seja lá como for, suas ações ultrapassam seus cultos. Chegando
inclusive a interferir no currículo escolar ao lutar pela retirada do ensino da
teoria da evolução de Darwin substituindo-a pelo criacionismo do design
inteligente de Deus.
E nós que estamos aqui, quietos, começamos a ver esse movimento vir para cima de
nós como um problema, dos sérios. Por isso chega a hora de levantar a bandeira e
brigar de igual para igual. Pois perder terreno nessa questão não é apenas se
reduzir espacialmente, mas dar a chance de uma nova época de trevas ressurgir.
O mais engraçado, e trágico, de tudo é ver como os religioso negam veementemente
a teoria da evolução de Darwin que foi testada através do método científico, mas
aceitam em seus lares a luz elétrica, dirigem carros, confiam nos celulares para
se comunicar etc. O método é o mesmo que domina as várias cadeiras da pesquisa
científica. Mas inexplicavelmente, e coincidentemente, certa teoria que bate
diretamente com sua crença é negada.
Então o tom do livro é desafiador. Ele confronta, é uma batalha a ser vencida.
Por isso acho que algumas pessoas não vão apreciar o modo de escrita de Dawkins,
que eu acho delicioso, nem sua construção argumentativa. Aqui ressalta-se que os
argumentos que ele propõe não se fazem para provar nenhuma teoria, mas para
demonstrar diretamente o que está acontecendo atualmente, é um relato
desesperado, cheio de esperança, que mais e mais pessoas se juntem em sua
perspectiva e se proclamem ateus, ou adeptos das ciências. Coisa que é
totalmente maléfica se você é um estadunidense. Ateus confessos sofrem em suas
carreiras, seus relacionamentos, são excluídos de suas famílias e entre tantas
outras reações extremas que o pensamento religioso incita aos seus praticantes
fazerem.
O livro é magnético para quem gosta de uma argumentação, ele destrincha cada
pedacinho do pensamento religioso e nos põe cara-a-cara com uma realidade, feia
até, que precisamos ver. Por exemplo, seu argumento de que crianças não devam
ser educadas religiosamente. É louvável tanta lucidez, e por isso mesmo nos
sentimos um tanto incomodados com sua escrita. Realmente é nos primeiros anos
de vida que a criança estrutura seu mundo, sua maneira de pensar, fixa a maneira
de seu cérebro construir a realidade que vivencia. E se nessa idade o pensamento
religioso é incutido em sua mente, de formas mais variadas possíveis, e o ato de
julgar, criticar e pensar por si só é desencorajado, isso trás danos
irreversíveis para sua formação.
Bem não quero aqui ficar comentando sobre os vários capítulos, dez ao todo, do
livro e o que ele aborda em cada um deles, mas quero frisar que sua mensagem é
dura, ao mesmo tempo carinhosa, e se um punho firme é necessário para nos
acordar de nossa letargia, pelo menos aqueles que são capazes disso, aqueles que
se inclinam sobre a verdade, os fatos, a lógica e a razão, devemos nos proteger
desse movimento perigoso.
De acordo com a constituição americana, a brasileira também, o estado é laico.
Para permitir qualquer tipo de crença. Qualquer tipo de crença se equivale, e
diz respeito somente ao que crê. Mas se certa crença quer reivindicar o país
para seus fins, isso só pode ser um retrocesso de centenas de anos em nosso
processo liberal. Vemos como isso influencia diretamente nossas vidas, vide
Bush e sua guerra religiosa contra o eixo do mal. Pensar em termos de bem e mal
em política é pensar não absolutamente mas em toda a gama que as manobras
garantem as mais diversas atitudes, se nos entregamos à ação pelo cunho
religioso... algo está errado.
É vergonhoso ouvir em tempos atuais alguém falando que um ateu irá queimar no
fogo do inferno, e se você, leitor, acha que isso é coisa do Talibã do
Afeganistão, essa palavras saíram de pessoas religiosas dentro dos Estados
Unidos da América. Pessoas tão focadas na palavra que pregam que esquecem de
todo o resto, fazem vista grossa às evidências, fatos, à razão e ao pensamento
livre. Não seria de muito estranho se ao tomar o poder esse tipo de pessoa
proibisse o ensino de filosofia nas universidades, reduzisse pesquisas com a
moral religiosa e começasse a caçar pessoas que não creiam em sua verdade.
O livro não é motivo de atiçar ninguém a luta a priori, mas devido à realidade
que vemos hoje em dia, ele é um alerta, de uma pessoa centrada, calma e
pacífica, de que devemos nos preocupar com o que acontece à nossa volta.
E nesse ponto o pensamento religioso é pernicioso, é ultrajante e imoral, pelo
menos para nós que cremos na razão. Mas se ninguém têm razão definitiva, basta
que nos coloquemos em pé de igualdade com o outro lado. Dawkins começou o
movimento.