DESASTRE DA
ECONOMIA, DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO NA DITADURA
O desastre da economia, da saúde e da educação na Ditadura Militar
13 de janeiro de 2015
Quando ouvimos falar em Ditadura Militar no Brasil, a primeira
associação que geralmente nos ocorre diz respeito à repressão política: as
perseguições, o fechamento de entidades sindicais, estudantis e populares, a
cassação de direitos políticos, a censura, o exílio, torturas, mortes, etc. Mas,
além de toda essa barbárie, além de todas essas atrocidades que compuseram este
lúgubre quadro de horror, houve ainda um outro tipo de violência, também brutal,
porém mais sutil, que vitimou milhões de brasileiros: foram os crimes
econômicos da Ditadura, que tiveram repercussões drásticas em áreas
essenciais como saúde e educação. Num momento da conjuntura em que setores
radicais da extrema-direita tentam insuflar camadas politicamente mais atrasadas
com seu discurso de ódio e anunciam aos quatro ventos, sem a menor modéstia,
decoro ou pudor, suas pretensões ditatoriais, faz-se necessário resgatar este
aspecto de nossa história e relembrar que a Ditadura vitimou não apenas
aqueles que se engajaram diretamente na luta para derrubá-la, mas também toda a
classe trabalhadora brasileira.
Concentração de renda e achatamento salarial
Durante o período da Ditadura Militar (1964-1985), houve um substancial aumento
da concentração de renda no Brasil, alargando o abismo entre ricos e pobres e
agravando as desigualdades sociais. Essa concentração se deu, principalmente, às
custas do achatamento dos salários dos trabalhadores das camadas mais baixas,
aumentando os salários de uma pequena “elite” consumidora de supérfluos para
sustentar, assim, o falso “milagre econômico” brasileiro.
Alguns dados ilustram isso muito bem. Em 1960, isto é, quatro anos antes do
golpe militar, os 20% mais pobres no Brasil detinham 3,9% da renda nacional. Em
1970, este percentual caiu para 3,4% e, em 1980, para 2,8%. Fazendo um outro
recorte, considerando agora os 50% mais pobres, estes detinham, em 1960, 17,4%
da renda nacional. Sua participação na riqueza nacional caiu para 14,9%, em
1970, e para 12,6%, em 1980. Ao mesmo tempo, os 10% mais ricos subiram de 39,5%,
em 1960, para 46,7%, em 1970, e para 50,9%, em 1980. Os 5% mais ricos viram suas
fortunas aumentar de 28,3%, em 1960, para 34,1%, em 1970, até chegar aos 37,9%,
em 1980. E, por fim, os 1% muito ricos saltaram de 11,9%, em 1960, para 14,7%,
em 1970, até os 16,9%, em 1980.
Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que,
em plena época do “milagre econômico”, 12,5% dos trabalhadores ganhavam até meio
salário mínimo; 20,8% recebiam até um salário mínimo; 31,1% até dois salários
mínimos; 23,6% entre dois e cinco salários mínimos; 7,25% entre cinco e dez
salários mínimos; 3,2% entre dez e vinte salários mínimos; e 1,6% recebiam mais
que vinte salários mínimos. Ou seja, enquanto o suposto “milagre econômico”
estava a todo vapor, 64,4% da população recebia, no máximo, dois salários
mínimos.
O falso “milagre econômico”, é importante ressaltar, apresentou um aumento da
produção industrial que não refletiu um aumento real da economia. Isto é, o que
se chamou “milagre econômico” foi um fenômeno que, segundo alguns analistas,
favoreceu cerca de apenas 7,2% dos assalariados, camada que ganhava até dez
salários mínimos. Segundo o historiador Júlio José Chiavenato, autor de O golpe
de 64 e a ditadura militar, o tal “milagre” só foi possível porque “o
empobrecimento do povo não significou necessariamente uma estagnação econômica
na soma da renda nacional: ela apenas foi desproporcionalmente distribuída”.
Assim, nunca houve “prosperidade” para a classe trabalhadora durante o tal
“milagre econômico”, mas miséria, muita miséria para a ampla maioria do povo
brasileiro.
Desnacionalização da economia
A hipocrisia do discurso “nacionalista” dos militares é desmascarada da maneira
mais gritante quando analisada a relação e a subserviência destes com o capital
estrangeiro. A Ditadura, ao privilegiar os investimentos externos, comprometeu o
futuro do país a médio e longo prazo. A Constituição promulgada em 1967, em seu
Artigo 161, literalmente “entregava” o subsolo brasileiro à exploração das
empresas estrangeiras interessadas nos minérios estratégicos.
E um dos principais desdobramentos dessa subserviência, com consequências
catastróficas para as décadas seguintes, foi o aumento exorbitante da dívida
externa. Em apenas 15 anos, os militares elevaram a dívida externa
brasileira em 15 vezes. Passou de 3 bilhões de dólares para 45 bilhões, um
recorde mundial. O governo Geisel, geralmente considerado “austero” – talvez uma
inspiração para um tal “choque de gestão” contemporâneo – elevou a dívida
externa, que era de 9,8 bilhões de dólares, em 1974, para 35,1 bilhões, em 1978.
E isso tinha uma razão de ser: não desacelerar a economia, considerando que,
se reduzisse os empréstimos externos, comprometeria a produção que dava
fabulosos lucros às multinacionais.
E por falar em multinacionais, estas não encontravam nenhuma barreira para
explorar os trabalhadores e os recursos brasileiros e remeter fantásticos lucros
para suas matrizes no exterior. A fabricante de cigarros Souza Cruz, por
exemplo, de 1966 a 1976, investiu 2,5 milhões de dólares no Brasil e remeteu ao
exterior, sob a forma de lucros, vultuosos 82,3 milhões. A Firestone, por sua
vez, investiu tímidos 4,1 milhões, conforme dados de uma CPI da Câmara dos
Deputados, realizada em 1976, e remeteu ao exterior a gorda fatia de 50,2
milhões de dólares.
Para garantir a satisfação de seus patrões, a Ditadura se encarregava de sufocar
os trabalhadores brasileiros com seus baixos salários, concedia ampla liberdade
de remessa de lucros ao exterior e generosos incentivos fiscais. Vale destacar
que uma das primeiras medidas da Ditadura Militar foi revogar a Lei de
Remessa de Lucros, aprovada em 1962 e promulgada em janeiro de 1964, no fim
do governo de João Goulart.
Até mesmo empresários brasileiros, insuspeitos de qualquer “subversão”, também
denunciavam a desnacionalização da economia brasileira imposta pelos militares.
Dados mostram que, em 1977, após 13 anos de governo militar, 72% da indústria de
aparelhos elétricos era dominada pelos estrangeiros, ocorrendo o mesmo com 99%
do setor de fumo, 69% dos materiais de transporte, 60% da mecânica e 100% das
máquinas para escritório. Como se não bastasse, 52% do comércio externo
brasileiro estava nas mãos das multinacionais.
A miséria brasileira
A entidade internacional World Population apurou que, em 1979, morriam 52
crianças por hora no Brasil. A desnutrição foi responsável, neste mesmo ano, por
52,4% dos óbitos entre crianças de até cinco anos de idade. O IBGE registrou, em
1981, que 70% da população não comia o necessário, e reconhecia de forma oficial
a existência de 71 milhões de subnutridos no Brasil. Tudo isso em pleno período
de “milagre econômico”.
Em uma entrevista ao jornal O Globo, de 28 de junho de 1987, o pediatra Yvon
Rodrigues, da Academia Nacional de Medicina, dava conta que uma pesquisa
realizada pelo próprio governo militar, mas não publicada devido a seus
resultados aterradores, descobriu que no Brasil “havia famílias que comiam
ratos, crianças que disputavam fezes…”.
Ou seja, enquanto o “milagre econômico” registrava um aumento no PIB de 11,4%,
em 1973, 13 milhões de crianças e 28 milhões de adultos passavam fome no Brasil.
Este ano também registrou a maior baixa salarial da história do Brasil,
escancarando a contradição entre crescimento econômico e crescimento da miséria.
Saúde
Em 1979, um documento do Banco Mundial apontou que a saúde do brasileiro
piorava a cada ano. No Nordeste, 30% dos menores de 18 anos se alimentavam
com 400 calorias diárias, enquanto a cota mínima seria de 3 mil, e que cerca de
80% dos nortistas e nordestinos tinham uma expectativa de vida 14 anos abaixo
daquela das elites sociais.
Segundo dados do IBGE, entre 1960 e 1968, a mortalidade infantil subiu de 62,9
para 83,8 (por mil habitantes) em São Paulo. Em Belo Horizonte, de 1960 a 1972,
o índice pulou de 74,2 para 105,3.
Mesmo diante desse quadro, os investimentos da Ditadura Militar na área da saúde
diminuíram com o passar dos anos. Em 1966, o Ministério da Saúde recebia 4,29%
do orçamento federal; essa porcentagem foi caindo progressivamente, até atingir
o percentual de 0,99% do orçamento, em 1974.
Ditadura nunca mais!
Estes poucos dados já são suficientes para revelar a essência do que foi a
Ditadura Militar no plano econômico: um governo títere, subserviente aos
interesses estrangeiros e que, longe de criar uma “base” para industrializar o
Brasil, desnacionalizou a economia e submeteu o povo a condições de vida
desumanas. É claro que, sob um regime democrático, o povo teria reagido
abertamente a tais condições de vida através de seus sindicatos, greves e
manifestações. Não é difícil compreender, portanto, por qual razão a burguesia
precisou se aliar aos militares e instaurar uma ditadura no Brasil: só assim
poderia garantir a superexploração dos trabalhadores brasileiros e a realização
de fabulosos lucros.
Ressalta-se também, nesta perspectiva econômica, que a luta de todos aqueles que
tombaram em combate não era uma reação apenas à falta de liberdade política, mas
também uma busca pela emancipação do povo brasileiro de tais condições de vida
humilhantes, desumanas e degradantes. Como o fantasma do rei que no Hamlet, de
Shakespeare, não podia descansar enquanto sua morte não fosse vingada, podemos
ouvir o insistente clamor por justiça das milhares de crianças mortas por fome e
desnutrição pelos crimes econômicos do regime. Não há paz sem justiça.
Glauber Ataide, diretor do Sindados MG
http://averdade.org.br/2015/01/o-desastre-da-economia-da-saude-e-da-educacao-na-ditadura-militar/
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