DEUS E O DRAGÃO

 

Suponhamos que você seja cristão ou religioso de alguma forma, e que eu alegue que, na minha garagem, eu mantenho um dragão de estimação invisível e indetectável por nenhum instrumento e por nenhum dos cinco sentidos básicos humanos. Mesmo tentando demonstrar uma certa empatia para comigo, você se mostrará extremamente cético em relação ao meu dragão de estimação, me questionando com total legitimidade sobre “como é que eu sei que o meu dragão existe.” Então eu digo que você precisa ter fé para poder acreditar no meu dragão. E, para tentar persuadi-lo ainda mais, afirmo que, se você acreditar no meu dragão e rezar para ele todas as noites, quando morrer você será recompensado com uma maravilhosa vida eterna num paraíso mágico imaterial. Mas, se por outro lado, você não conseguir acreditar no meu dragão, então ele o castigará queimando-o para sempre num inferno de fogo, sem que com isso seu corpo se consuma, pois o que será queimado é a sua alma e não seu corpo. Embora não expresse verbalmente de maneira ofensiva, por uma questão de educação e amizade, provavelmente você estará “pensando por dentro” que a simples ideia de um dragão de estimação invisível morando na minha garagem é absurdamente ridícula, ingênua e infantil, e que eu pareço um perfeito idiota por fazer alegações tão desprovidas de qualquer evidência científica e racional ou que faça algum sentido. Nesse momento, percebendo por intuição o que você estará pensando, eu me viro para você e calmamente lhe pergunto: “Como é que você ‘sabe’ que Deus existe?” Ou melhor, refazendo a pergunta, como é que você consegue acreditar na existência do “seu” Deus, tendo a sua disposição a alegação da existência de milhares de outros deuses? Muito provavelmente você me dirá que eu preciso ter fé para acreditar que Deus existe, especialmente o Deus da Bíblia, o único que verdadeiramente existe, segundo a hipótese cristã! Você consegue perceber? Você se mostra extremamente cético em relação ao meu dragão ou mesmo com relação aos demais deuses, mas orgulhosamente se mostra totalmente convencido da existência do “seu” Deus, sem considerar que todos eles indistintamente não comportam qualquer outra evidência além do simples desejo de que eles existam. Ao contrário do que você “pensou” a meu respeito quando aleguei a existência do meu dragão, eu jamais pensaria que você é um perfeito idiota por acreditar num Deus absurdamente ridículo, ingênuo e infantil, uma vez que você tão somente está perpetrando a crença num deus imaginário que lhe foi insistente e cuidadosamente ensinado desde criança. Ou será que você olhou a natureza a sua volta e, sem que ninguém o dissesse, simplesmente concluiu que existe um deus?! No entanto, serei forçado a cogitar seriamente a possibilidade de você ser um perfeito idiota se, mesmo depois de tudo o que eu disse até aqui, você sequer considerar a menor possibilidade de Deus não existir, ou de Ele existir apenas na sua cabeça, assim como todos os demais deuses e exatamente como o “meu” dragão na minha garagem!
Carl Sagan 

 

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