O que
aprendemos sobre a origem do Universo, graças ao avanço da ciência,
tornou obsoleta a crença em Deus?
Lawrence Krauss – Até o século XVI, a religião detinha o
monopólio da explicação dos mistérios da criação. A responsabilidade
pela criação de tudo era divina, e ai de quem duvidasse! Aquele
monopólio da fé começou a ser solapado a partir da obra de Copérnico
(Nicolau Copérnico, astrônomo polonês do século XV) e a de
Galileu (Galileu Galilei, astrônomo italiano do século XVI),
que substituíram o milagre metafísico pela realidade física. Quando,
há 300 anos, Newton (Isaac Newton, físico e matemático inglês do
século XVII) explicou que o movimento dos planetas podia ser
compreendido por meio de leis físicas bem simples que não requeriam
a intromissão dos anjos, tudo mudou. O avanço da física, da química
e da biologia nos fez desvendar o funcionamento da matéria e dos
fenômenos biológicos. Ao mesmo tempo, esse avanço foi reduzindo o
alcance do termo milagre até deixá-lo restrito ao que teria existido
antes do big bang, a explosão primordial que criou o Universo há
13,7 bilhões de anos. Agora, o milagre divino perdeu esse último
bastião. A cosmologia do século XX chegou ao ponto em que podemos
falar sobre a criação e a evolução de todo o Universo, um tema que
não é mais do domínio exclusivo da teologia.
Os
religiosos sempre disseram que há algumas questões fundamentais para
as quais nenhuma teoria científica jamais encontrou respostas. Ainda
não é o caso?
Krauss – Não é nem nunca foi o caso. A religião alegava ter
as respostas para as perguntas mais básicas do Universo e da vida
antes mesmo de essas perguntas terem sido feitas. A religião também
afirma que suas respostas são verdades inquestionáveis. Ora, nós,
cientistas, somos movidos pela dúvida. O que move nossa curiosidade
é a busca de respostas para os mistérios da natureza. Sabemos que
não temos todas as respostas e que as respostas que temos não são
verdades definitivas. Que questões ficariam sem resposta? Só o tempo
e o esforço concentrado de pesquisa dirão. Por isso, não podemos nos
deixar satisfazer com as respostas científicas já reveladas nem
descansar sobre os louros conquistados, relegando a busca de novas
respostas que tenham o poder de revelar uma visão mais profunda da
natureza.
Os
religiosos afirmam que a humanidade jamais descobrirá as verdades
mais fundamentais, como a origem do Universo e como surgiu a vida.
Krauss – Jamais saberemos se essas são de fato verdades
inatingíveis se não tentarmos elucidá-las. Os religiosos afirmam que
conhecem as verdades fundamentais... É inacreditável. Eles afirmam
saber que Deus criou o Universo. Isso é preguiça intelectual. A
ciência lida muito bem com a existência de mistérios à espera de ser
revelados. Sempre haverá perguntas sem resposta e mistérios a
descobrir. Os milagres se tornaram obsoletos.
A ciência
ensina que o Universo começou com o big bang e que antes dele não
havia nada.
Krauss – A ciência nos ensina que houve um big bang, mas
não diz o que havia antes. Em meu livro, explico por que, com base
nos conhecimentos de ponta atuais, é plausível imaginar a hipótese
de que o Universo tenha surgido a partir do nada. E, a partir do
nada, o Universo teria evoluído por meio de processos naturais que
levaram à formação de átomos, moléculas, estrelas, planetas,
galáxias e vida.
Como o
Universo surgiu do nada?
Krauss – Nosso Universo tem todas as características de um
universo criado a partir do nada. Uma das descobertas mais notáveis
da física moderna é que o vácuo espacial não é vazio. O vácuo pode
ser inteiramente vazio de matéria, mas não de energia. Se pudéssemos
observar o vácuo em dimensões infinitamente pequenas e lapsos de
tempo infinitamente curtos, muito menores e mais curtos do que a
tecnologia atual é capaz de fazer, veríamos que o vácuo é tudo,
menos estático, e que nele partículas pipocam a partir do nada e
desaparecem instantaneamente. Em determinadas condições, entretanto,
essas partículas virtuais não precisariam necessariamente
desaparecer. Elas poderiam não só continuar existindo, como se
multiplicar, dando origem a um big bang e a um novo universo em
expansão. A evidência de que isso pode ter sido realmente o caso da
origem de nosso Universo é um feito notável.
Aconteceu
apenas uma vez? O pipocar de partículas não poderia ter criado
outros universos?
Krauss – Sim, tudo leva a crer que é o caso, embora não
tenhamos como provar. Podemos viver num “multiuniverso”. Nosso
Universo pode ser apenas um entre infinitos outros de um
“multiuniverso que é eterno e infinito”.
ÉPOCA –
Os religiosos afirmam que Deus é anterior ao Universo e existiria
antes do big bang.
Krauss – O principal problema dessa noção da criação é que
ela requer a existência de alguma coisa que anteceda o Universo, de
modo a poder criá-lo. É aí que quase sempre entra a noção de Deus,
alguma entidade que existiria em separado do espaço, do tempo e da
realidade física. Para mim, Deus não passa de uma solução semântica
fácil para uma questão tão profunda como a criação. Os religiosos
nunca tocam na questão da criação de Deus, pois essa é ainda mais
confusa do que a solução religiosa que deram para a criação do
Universo. Para os religiosos, Deus simplesmente existe, não
importando quantas e quão fortes sejam as evidências que a ciência
fornece para indicar a extrema improbabilidade de tal coisa ser
verdade.
O Universo
se expandirá para sempre? Num futuro remoto, as galáxias
desaparecerão, as estrelas evaporarão e o cosmos voltará ao nada?
Saber disso não torna a vida sem sentido?
Krauss – A vida não precisa ter nenhum sentido, a não ser
aquele que damos a ela. Por que ficarmos deprimidos? Para mim, essa
é uma imagem revigorante. Justamente porque a vida é efêmera, todos
nós deveríamos tirar o máximo proveito do breve momento que
desfrutamos sob o sol. Deveríamos aproveitar ao máximo o fato de
evoluirmos com uma consciência que nos possibilita apreciar a beleza
do cosmos, ao mesmo tempo que buscamos melhorar a vida na Terra.
Prefiro viver num universo onde a vida é breve e preciosa a noutro
onde o sentido da vida nos é ditado por um Saddam Hussein dos céus!
O senhor
diz que vivemos num momento especial da história do Universo. Como
assim?
Krauss – O Universo tem 13,7 bilhões de anos. Ele é muito
antigo. Quando olhamos o infinito futuro a nossa frente, o Universo
ainda é muito jovem. Todas as evidências de que um dia há 13,7
bilhões de anos aconteceu um big bang ainda podem ser vistas por
meio de nossos observatórios astronômicos. É o que acontece quando
os astrônomos verificam que todas as galáxias estão se afastando
cada vez mais rápido umas das outras. Num futuro distante, as
galáxias estarão tão longe de nossa Via Láctea que não poderão mais
ser observadas. Elas desaparecerão no breu cósmico. Para todos os
efeitos, será como se jamais tivessem existido. Uma civilização que
viva num planeta da Via Láctea naquele futuro jamais saberá como o
Universo surgiu.
Para
entender e aceitar a origem do Universo como descrita pela ciência,
é preciso ter bom nível cultural e intelectual, pois não se trata de
conceitos simples. A religião lida com conceitos que podem ser
apreendidos por qualquer criança.
Krauss – Ninguém precisa ser um especialista em cosmologia
para apreciar o panorama do surgimento e da evolução do Universo, da
mesma forma como não é preciso ser músico para apreciar a música de
Bach (que, aliás, era muito complexa!). Sim, as versões da
ciência são mais complicadas que as da religião, mas também são
muito mais interessantes. O Universo tem uma imaginação muito maior
que a nossa e seus fenômenos que observamos, como a explosão de
supernovas ou a criação de buracos-negros, são muito mais
fascinantes do que os contos de fadas criados por gente que viveu há
milhares de anos, muito antes de descobrirmos que a Terra orbita o
Sol e que não estamos no centro do Universo.
Nos últimos
anos, muitos cientistas e intelectuais começaram a defender a
bandeira do ateísmo. É o caso de dois célebres ingleses, o biólogo
Richard Dawkins e o físico Stephen Hawking. O senhor pertence a esse
movimento?
Krauss – Acho que sim. As pessoas com frequência me colocam
ao lado de Dawkins e Hawking, o que me enche de orgulho. Mas prefiro
pensar em mim não como um ateu, e sim como um antiteísta. Não posso
provar sem sombra de dúvidas que Deus não existe, mas posso afirmar
que preferiria muito mais viver num universo em que ele não exista.
Deus se
tornou irrelevante para a humanidade?
Krauss – Porque eu penso que Deus é uma invenção da
humanidade, minha resposta é não. Se existisse um Deus, ele
certamente teria deixado de se preocupar com os desígnios do cosmos
logo depois de criá-lo, há 13,7 bilhões de anos, pois tudo o que
aconteceu desde então pode ser explicado pela ciência. Não, Deus
talvez não seja irrelevante. Ele é redundante.
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