"O Dia Nacional do Detento, 24 de
maio, convida a sociedade a refletir sobre as causas e critérios que levam ao
encarceramento em massa, bem como sobre a situação e condições da população
carcerária brasileira, tanto durante o cumprimento de penas como após o fim
destas.
Tema explorado por Graciliano Ramos, Fiódor Dostoiévski, Henri Charrière e Mano
Brown, dentre outros tantos, os cárceres e sua população constituem uma
contraditória marca das sociedades modernas, sendo o caso brasileiro, em
especial, dramático.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui cerca de
812.564 presos, dos quais 41,5% são de pessoas ainda aguardando julgamento e,
portanto, sem condenação, que podem a vir ser absolvidas. O último levantamento
realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2016, aponta que
a população encarcerada é predominantemente composta por pretos e pardos (65%),
55% têm entre 18 e 29 anos e 75% não completaram o ensino fundamental. Quanto
aos crimes que levaram ao encarceramento, a maioria relaciona-se a tráfico de
drogas e crimes contra o patrimônio – como o roubo –, segundo o Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN), do Ministério da Justiça. Em nosso código penal,
estes crimes possuem penas iguais ou mais severas do que os que atentam contra a
vida e a dignidade humana, como os relacionados à violência sexual. Este dado
revela que há uma prioridade quanto à defesa da propriedade privada e de uma
ordem geopolítica regional específica, ligadas ao sistema capitalista e a Guerra
as Drogas impulsionada pelos EUA desde final dos anos 1970.
Tais números dão ao Brasil a terceira maior população carcerária no mundo,
ficando atrás apenas dos EUA e da China. Segundo levantamento do DEPEN, a
população prisional brasileira cresce a um ritmo de 8,3% ao ano, o que
significaria que, em 2025, o número de apenados e apenadas pode chegar a
absurdos 1,5 milhão no Brasil. Tal situação no sistema prisional brasileiro
existe graças a demora na conclusão dos processos, as prisões cautelares (sem
condenação) que se estendem por muito tempo e o encarceramento de pessoas por
crimes de baixo potencial lesivo.
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal concluiu que as condições carcerárias do
país violavam direitos fundamentais dos presos e reconheceu o chamado “estado de
coisas inconstitucional” em relação ao sistema penitenciário nacional, de acordo
com a ADPF 347/DF. É importante apontar que, de acordo com a constituição
federal, é dever do Estado brasileiro garantir os direitos fundamentais de seus
cidadãos, inclusive daqueles que encontram-se em privação provisória de
liberdade. Mas o que se vê nos presídios brasileiros, via de regra, é uma
situação de tortura institucional que viola todos os padrões nacionais e
internacionais de direitos humanos: uma combinação de super lotação, deficiência
na prestação de serviços internos e na alimentação, número insuficiente de
agentes penitenciários, resultando em um desumano estado de calamidade.
Nos tempos atuais da pandemia de coronavírus, essa configuração torna o sistema
prisional brasileiro um campo propício ao alastramento da Covid-19, e transforma
os detentos brasileiros em um potencial grupo de risco de contágio. Para tentar
reverter essa situação, o CNJ expediu a resolução 62, recomendando “a adoção de
medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no
âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo”, como a disponibilidade
de equipamentos de proteção individual (EPIs) e álcool gel aos agentes
penitenciários e aos familiares visitantes, a implantação de protocolos de
higienização e, em especial, medidas de desencarceramento, visando reduzir, no
interior do sistema penal, o número de presos dos grupos de risco da Covid-19
(como idosos e gestantes). No entanto, poucas medidas práticas foram tomadas
pelas autoridades competentes para a implementação dessas recomendações.
Neste Dia Nacional do Detento, a Biblioteca Nacional propõe uma reflexão sobre a
construção histórica do “detento” e do “crime”. Assim como os hospícios
mencionados em post anterior, as prisões são um dispositivo central para
manutenção de determinada ordem social através da contenção e disciplinamento
dos chamados “desvios sociais”. A construção do “desvio” e do “desviante” varia
no tempo e no espaço de acordo com o desenvolvimento histórico e social de cada
nação. No Brasil, os “desviantes” são historicamente pessoas negras, indígenas e
mulheres: a esposa que fugiu do marido que a maltratava.
Convidamos à reflexão sobre como a sociedade brasileira tem lidado com a
disciplina punitiva e definido historicamente o que é certo e o que é justo.
Muitos documentos do acervo da Biblioteca Nacional mostram que o cárcere tem uma
longa história de disciplinamento social e vingança privada que pouco se
compatibiliza com o seu ideal declarado: ressocializar.
(Thiago Romão de Alencar)