Pastores recorrem até ao inferno para vencer guerra por fiéis no mercado da fé.
Igreja Universal, de Macedo, perde fiéis e receita para a Mundial, de Valdemiro
Leonardo Coutinho
Edir Macedo para fiel supostamente possuída pelo
demônio: “É você que tem tirado os pastores da Universal?”
Fiel: “Eu me sinto bem no meu trono (na Igreja Mundial).
Eu curo todo mundo.”
Edir Macedo: “Quer dizer, demônio, que você faz a
festa lá no Valdemiro?”
Os hoje arqui-inimigos Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, e
Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, convocaram o demônio
para ajudá-los na batalha que travam pela alma e generosidade dos fiéis.
Recentemente, em seu programa de TV, Macedo “interrogou” o diabo, que,
supostamente encarnado em uma devota, “confessou” ter se instalado na igreja
rival e ser o responsável pelas propaladas curas operadas por Valdemiro. As
entrevistas com o demônio para difamar a concorrência passaram a ser recorrentes
na programação da Rede Record. O chefe da Mundial, por sua vez, rebateu as
acusações com outras de igual fineza: em seu programa no Canal 21, ele afirmou
que o “câncer” de Macedo é obra do demônio. Na tréplica, Macedo levou sua médica
à TV para atestar que não sofre da doença e ainda exibiu no programa Domingo
Espetacular, da Rede Record, uma reportagem sobre a compra, por Valdemiro, de
três fazendas avaliadas em 50 milhões de reais.
O acirramento da guerra dos pastores se dá num momento em que a Universal, de
Macedo, perde fiéis e receita aos borbotões para a Mundial, de Valdemiro.
Estima-se que, em catorze anos, o segundo tenha conquistado mais de 20% de
seguidores do primeiro. Durante muito tempo, Valdemiro foi membro da cúpula da
Universal. Preterido por Macedo na indicação para um posto de maior visibilidade
na organização, ele rompeu com o chefe e fundou a sua própria igreja.
Habilidoso, deu um passo atrás e resgatou o modelo primitivo que deu origem ao
fenômeno da Universal: a luta contra Lúcifer e a promessa de curas e milagres de
toda ordem — pilares que Macedo mais tarde substituiu pela “teologia da
prosperidade”. Ao adotar essa estratégia, Valdemiro passou a atender um nicho de
fiéis que Macedo havia negligenciado com o amadurecimento do seu negócio, o
público de menor poder aquisitivo e alta credulidade. Seus seguidores passam
horas de pé em filas para poder tocar o seu corpo ou recolher um pouco de seu
suor em toalhas ou pedaços de pano que são distribuídos na igreja.
Valdemiro fomenta a crença de que sua transpiração tem
o condão de realizar milagres.
Com os cofres recheados, Valdemiro passou a assediar os membros da Universal.
Oferecendo salários e comissões mais altos que os pagos por Edir Macedo, ele
atraiu prepostos do rival na Argentina, Inglaterra e em países africanos. Para
profissionalizar seus negócios, canibalizou executivos da Record e do Banco
Renner, controlado pela Igreja Universal. A riqueza que Valdemiro Santiago
ostenta Macedo contabiliza como prejuízo. O estrangulamento de suas contas
pela concorrência chegou a afetar as operações da Record e a atrasar salários na
TV, como ocorreu no ano passado. O quadro de deterioração das finanças de Macedo
se tornou ainda mais calamitoso com a penhora pela Justiça da sede da emissora
no Rio de Janeiro para garantia do pagamento de dívidas da Universal do Reino de
Deus.
A má fase não terminou aí. Em setembro, o Ministério
Público denunciou Edir Macedo pelos crimes de estelionato, evasão de divisas,
lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Os procuradores o acusam de
lavar no exterior o dízimo recebido pelos fiéis para depois despejá-lo nas
contas da Record. Ao lançar suspeitas sobre a forma como Valdemiro adquiriu suas
fazendas, Macedo quer mostrar que o ex-discípulo também dá suas trombadas com a
lei. Valdemiro já esteve enroscado em outras diabruras. Em 2003,
o chefão da Mundial foi condenado a pagar cestas básicas
por porte ilegal de armas. Ele foi flagrado em uma blitz com uma
escopeta, duas carabinas e munição. Em 2010, três de seus pastores foram presos
em Mato Grosso do Sul transportando sete fuzis M-15. Em depoimento à polícia, o
motorista afirmou que o destino das armas era a cidade de Niterói, no Rio de
Janeiro.
A crise desencadeada pela Mundial do Poder de Deus obrigou Macedo a redesenhar a
administração de seu negócio. Uma das providências foi baixar as exigências para
a abertura de novos templos. Antes, para abrir uma franquia, o pastor tinha de
comprovar um potencial de arrecadação mínimo de 150 000 reais mensais, a ser
atingido em seis meses. Agora, esse piso caiu para 50 000 reais. A comissão a
que cada pastor tinha direito sobre o total arrecadado além da meta era
originalmente de 10%. Macedo agora a dobrou. O que ele não abre mão é da
eficiência. Os pastores que não cumprem as metas dentro do prazo contratado são
transferidos ou perdem o comando da franquia. Essa mudança, que aponta para uma
capilarização da Universal, faz parte da estratégia de Macedo de substituir o
modelo de construção de megatemplos pela pulverização de igrejas menores no
país, de manutenção mais barata e mais próximas da casa dos fiéis. Com isso, ele
espera baixar os seus custos de operação e evitar que outras ovelhas se
desgarrem. Pastores e assessores próximos dos dois líderes afirmam que estes são
apenas os primeiros movimentos de uma guerra sem previsão de fim.