A ECONOMIA À LUZ DA PSICOLOGIA

O tolo e seu dinheiro

Ao explicar como as emoções distorcem nossos cálculos e percepções, a "economia comportamental" está fazendo uma revolução na teoria e na prática dos investimentos

Juliana Garzon e Jerônimo Teixeira

Up Ilustração

Em muitas das teorias econômicas fundamentais as pessoas de carne e osso, falíveis e volúveis, não existem. Essas teorias só funcionam com o "homem estatístico", o somatório de agentes econômicos vistos como máquinas de calcular que administram com rigor seus recursos limitados. O pai da economia moderna, o escocês Adam Smith (1723-1790), enxergava um mundo ordenado em que cada indivíduo agia sempre no interesse pessoal e da família e, assim, acabava contribuindo para a prosperidade geral da nação. Disse Smith: "Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover o próprio autointeresse". Talvez a maioria das pessoas do círculo de conhecidos de Smith na Edimburgo protestante do século XVIII fossem mesmo seres racionais, donos do próprio destino e empenhados na promoção do seu autointeresse econômico. Mas é mais comum encontrar gente que gasta mais do que ganha e compra aquilo de que não precisa.

Nas últimas quatro décadas, os teóricos da economia têm tentado contemplar em suas análises pessoas de carne, osso e sangue quente. Essa escola, a "economia comportamental", nascida na década de 70 com o trabalho dos psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman, da Universidade Hebraica de Jerusalém, incorporou as inconstâncias humanas aos seus modelos de previsão. Tversky e Kahneman focaram seus estudos sobre o comportamento das pessoas em situações de incerteza e de alta carga emotiva, consideradas por eles, com acerto, como predominantes nas grandes decisões econômicas – seja a compra do primeiro apartamento ou a venda de ações nos momentos de queda das bolsas.

A economia comportamental arejou o pensamento econômico dando lugar a modelos mais sensíveis às vicissitudes da psicologia humana, com suas falhas de cálculo e percepções enganosas. Talvez seu maior mérito seja entender que os criteriosos padeiros e cervejeiros de Adam Smith existem, são numerosos, mas convivem com multidões para quem a racionalidade financeira no dia-a-dia é tão estranha quanto o popular esporte escocês de arremesso de troncos. Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de economia em 2002, tornando-se o único psicólogo a conseguir esse feito. No mundo de Kahneman os padeiros e cervejeiros nem sempre tomam decisões sóbrias e corretas. Eles agem de acordo com os misteriosos mecanismos mentais de aceitação e rejeição do risco. Uma mesma pessoa que só bebe água mineral e morre de medo de bactérias pode ser vista fazendo bungee jumping, esporte em que o praticante se joga de uma ponte sobre um abismo amarrado por uma corda elástica. No mundo econômico, atitudes incoerentes como essa são quase a regra.

Aplicadas ao estudo do comportamento dos investidores nas bolsas, as teses de Kahneman e seus colegas mostram que a convivência de atitudes racionais e irracionais é uma força considerável. Entre o início de 2003 e o máximo de alta em maio de 2008, o índice Bovespa, da Bolsa de Valores de São Paulo, valorizou-se 350%. Nesse período, a maioria dos investidores enxergou todos os acontecimentos, os bons e os ruins, com a lente da euforia. Passaram despercebidos os sinais precoces da crise que viria a se abater sobre a economia mundial com repercussões fortes no Brasil no fim do ano passado. Mesmo os investidores profissionais não estão imunes a ilusões. A mais comum é acreditar que projeções baseadas em dados recentes podem ser tomadas como tendências duradouras. O americano Robert Shiller, da Universidade Yale, ouviu investidores que acabavam de perder um naco considerável do valor de suas ações na famosa "Segunda-Feira Negra", como ficou conhecida a queda da Bolsa de Nova York em 19 de outubro de 1987. As ações perderam 22% de seu valor em um único dia. Shiller quis saber por que os investidores não caíram fora antes do desastre. A resposta que o professor de Yale ouviu foi que os investidores se achavam tecnicamente aparelhados para "saber" com certeza quando as ações cairiam. Que técnica era essa? Oitenta e oito porcento disseram que se tratava de feeling, palavra que pode ser traduzida como intuição.

No fundo, os investidores deixaram-se cegar pela confiança exagerada em suas habilidades confirmadas pelos excelentes retornos obtidos antes da Segunda-Feira Negra. Diz Plínio Chap Chap, professor de finanças corporativas da escola de negócios Brazilian Business School (BBS): "Bastam alguns ganhos para que as pessoas se julguem mais capazes que as outras para escolher ações". À confiança sem base técnica se junta, em especial nos mercados ainda imaturos como o brasileiro, a busca de conselhos de investimento junto a pessoas despreparadas. Diz José Fajardo, professor de finanças do Ibmec-Rio que estuda a interação social dos investidores brasileiros: "Os principais assessores do pequeno investidor brasileiro são o amigo, o colega de trabalho e o parente".

Nem todos os enganos são originários da autoconfiança. O investidor também pode ser atrapalhado por uma emoção de natureza bem diversa: a angústia. O investidor novato, sobretudo, tende a entrar no mercado com a sensação de que está atrasado – e de que seus amigos ganhavam fortunas enquanto ele aplicava nos fundos conservadores de seu banco. Essa sensação conduz a escolhas precipitadas. Em vez de traçar uma estratégia sólida, o novato dá grandes tacadas de uma vez só, para evitar a tensão de analisar e optar – ou não – por determinada ação. A impaciência custa caro. "Ficamos vulneráveis porque somos intolerantes às frustrações. Essa intolerância nos faz buscar caminhos mais fáceis e rápidos", diz a psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira, representante no Brasil da Associação Internacional de Pesquisa em Psicologia Econômica. As frustrações se tornam ainda mais agudas quando as cotações caem. O investidor que tomou sua decisão de compra sem base sofre por não saber se deve vender as ações que estão patinando e estancar as perdas ou apostar na recuperação dos papéis e mantê-los em carteira.

Uma recomendação básica é nunca tomar decisões em momentos de euforia ou de tristeza profunda – essas emoções passageiras comprometem a avaliação a longo prazo. Em tempos de vacas magras, o melhor é respirar fundo e estudar o mercado. Não se deve, porém, levar a cautela ao ponto da paralisia. A tendência de projetar a conjuntura recente para o futuro não é equivocada apenas nos momentos de alta. O mercado vive hoje um momento de pânico, que cria distorções de percepção poderosas. Mas o investidor que der um passo atrás para observar o cenário com emoções menos exacerbadas poderá ter uma visão mais realista da economia brasileira e de suas perspectivas: uma boa oportunidade de investimentos tanto para os padeiros e cervejeiros de Adam Smith quanto para os bungee jumpers de Kahneman.

O NASCIMENTO DA NEUROCIÊNCIA

Montagem sobre fotos de Photodisc/Bettmann/Corbis/Latinstock/Istock

AUTOINTERESSE
O mundo de Adam Smith tinha padeiros, açougueiros e cervejeiros racionais e sóbrios

 

Se a economia comportamental introduziu o estudo mais detalhado das emoções na análise financeira, era apenas natural que alguns pesquisadores dessem o passo seguinte para investigar muito literalmente como funciona a cabeça do investidor. A neuroeconomia combina as mais recentes descobertas da neurociência – em particular, técnicas de mapeamento cerebral como a ressonância magnética funcional (fMRI), aperfeiçoada nos anos 90 – com os conceitos da psicologia financeira e da economia. É um campo de estudos ainda recente – conta cerca de uma década –, mas já acena com um entendimento fascinante da biologia do investidor.

 

A neurociência tem avançado muito com o estudo de pacientes que sofreram alguma lesão cerebral, e o mesmo se dá com a neuroeconomia. Um experimento feito com pessoas que sofreram danos no córtex pré-frontal – área do cérebro responsável por grande parte do raciocínio – confirmou a incapacidade delas para o planejamento econômico. Esses pacientes assistiram, na televisão, a uma série de comentários financeiros feitos por especialistas e tiveram a oportunidade de comparar essas previsões com os resultados efetivos do mercado. Mas, ao ser questionados sobre qual seria o melhor comentarista, eles recorreram a critérios aleatórios – um dos pacientes optou pelo comentarista que tinha atrás de si um fundo verde, pois, afinal, era primavera.

 

Embora o experimento mostre a importância do pensamento racional, será um equívoco concluir que a mente do investidor é pura objetividade. Exames de ressonância magnética realizados enquanto o paciente participa de um jogo eletrônico de apostas financeiras mostram atividade no núcleo acumbens, uma parte do cérebro vinculada ao sentimento que as pessoas têm ao ganhar uma recompensa (e é importante inclusive no sexo). O mais curioso é que a atividade do núcleo acumbens é mais intensa antes da confirmação de um ganho financeiro no jogo. Esse é um dado importante da psicologia do investidor: a expectativa por um bom resultado acaba se revelando mais excitante que o resultado em si.

A neuroeconomia tem encontrado seus críticos. Em um texto duro publicado em 2005, o economista Ariel Rubinstein, das universidades de Nova York e Tel-Aviv, acusou os estudos com ressonância magnética de ser vagos e inconclusivos. De modo geral, porém, a neuroeconomia encontra-se em um estágio semelhante ao da neurociência em geral: conheceu avanços imensos nos últimos anos – e está apenas começando.  

 

Em busca de palpites

O engenheiro catarinense Alfio Kalil, 29 anos, desenvolveu um método próprio para tomar decisões em relação às ações em que vai investir: "Sempre consulto antes três amigos ou familiares". Entre seus conselheiros, há pessoas que trabalham no mercado financeiro e outras que, como ele, só gostam de palpitar. Há dois anos investindo em ações, Kalil se tornou leitor de sites e revistas especializadas, de onde também retira informações para amparar suas escolhas. Jura que jamais saiu no prejuízo. Ele reconhece, no entanto, suas próprias limitações. "Sou apenas mais um amador na bolsa."

 

 Nervoso e vulnerável

O sobe-e-desce da bolsa mexe com os nervos do publicitário paulista Fabio Aubin, 29 anos. Quando bate a ansiedade, ele começa a comprar e vender ações freneticamente. Participante assíduo de um fórum de discussões sobre finanças na internet, Fabio costuma investir em ações nas quais os conhecidos apostam. "Caso contrário, fico consumido com a sensação de estar perdendo uma grande oportunidade de ganhar dinheiro", diz. Meses atrás, seus colegas de site diziam tratar-se de um bom momento para investir em ações da Telebrás e, num efeito dominó, todos eles colocaram algum dinheiro nisso, inclusive o ansioso Fabio. O preço das ações, de fato, subiu, mas logo despencou. E o publicitário até hoje não se recuperou do prejuízo. "Na bolsa, o mais difícil é manter o sangue-frio."

 

As emoções do capitalista

Embora sejam instrumentos fundamentais na tomada de decisões, as emoções também podem distorcer a capacidade de avaliação de quem busca oportunidades na bolsa. Cada investidor deve encontrar seus próprios meios de evitar essas armadilhas, de acordo com sua personalidade. Mas algumas dicas gerais dos especialistas são sempre úteis

 

Arrogância
O ERRO
Depois de ter obtido ganhos na bolsa, o investidor se torna confiante demais nas próprias previsões – e entra em uma "bolha" do mercado
AS RAZÕES Uma história de sucesso no mercado pode criar o que os psicólogos chamam de "ilusão de controle" – a falsa ideia de que a realidade obedece às previsões que você faz sobre ela
O REMÉDIO A autoconfiança é importante, mas é necessário discipliná-la. Manter um diário de investimentos pode ser uma maneira de ganhar uma consciência mais objetiva do mercado

 

Tristeza
O ERRO
Deprimido, o investidor vende antes da alta e compra ações ruins por preços elevados


AS RAZÕES Pessoas tristes são presas da necessidade de mudanças drásticas de situação. São, portanto, mais propensas a fechar negócios impensados
O REMÉDIO Nunca tome decisões financeiras quando estiver triste ou deprimido. Em casos de depressão continuada, busque ajuda profissional de um psiquiatra

 

Empolgação
O ERRO
O investidor confia em uma dica "quente" de um primo ou de um site na internet - e entra em uma roubada
AS RAZÕES A promessa de ganhos fáceis e rápidos ativa o chamado "mecanismo da recompensa" no cérebro - que muitas vezes contorna as decisões mais racionais do córtex pré-frontal
O REMÉDIO Nunca invista apenas por impulso ou entusiasmo. Às vezes, basta contar mentalmente até 10 para "desativar" o mecanismo de recompensa

 

Medo
O ERRO
A demora na tomada de decisões acaba levando o investidor a comprar uma ação quando ela já está no pico
AS RAZÕES A ansiedade faz o investidor buscar confirmação para suas apostas. E o medo leva a uma percepção exagerada dos riscos do mercado
O REMÉDIO O melhor modo de superar o medo é tomar consciência dele. Alguns investidores usam "escalas de sentimento" - pesquisas que buscam aferir o nível de ansiedade no mercado.  Avaliar o medo coletivo é um bom meio de superar o medo individual

 

Orgulho
O ERRO
A ação está em queda há tempos, mas o investidor teima em segurá-la, na esperança de que ela volte a subir
AS RAZÕES Estudiosos da psicologia financeira atribuem esse equívoco ao medo do arrependimento. Vender uma ação é admitir um equívoco – e muitas vezes é mais fácil ater-se ao erro do que admiti-lo
O REMÉDIO Estabeleça um limite para suas perdas e seja rígido na sua aplicação: venda assim que atingi-lo.

 

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