ESTRAGO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO
Miguel Nicolelis: destruição da soberania e da ciência custará décadas de
reconstrução
26 Junho 2019
Reconhecido mundialmente, o neurocientista Miguel Nicolelis avisa:
a renascença vivida pelo Brasil com a ampliação das
universidades e do acesso ao ensino superior, bem como os programas de fomento e
estímulo ao desenvolvimento científico, chegou ao fim. E não é só
isso. O processo de desmonte que começou com Michel
Temer e vem sendo agravado com Jair Bolsonaro é tão profundo que custará décadas
de reconstrução ao país. As declarações foram dadas durante debate
nesta terça-feira (25), no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de
Itararé, em São Paulo.
Texto e fotos por Felipe Bianchi
"Bolsonaro representa uma posição extremamente anticientífica, com repulsa pela
academia e pelo conhecimento. Não dá nem para chamar de medieval, pois o
pensamento medieval é brilhante se comparado ao dele. Nem com o neanderthal
podemos comparar, pois seria ofensivo ao neanderthal", avalia Nicolelis. "Nem em
regimes muito mais autoritários têm-se a cara de pau de destruir a academia como
Bolsonaro pretende, pois isso extrapola os limites da racionalidade. O que me
preocupa é que, apesar da velocidade do processo de destruição e desmonte, a
reconstrução leva décadas".
De seus 58 anos de vida, Nicolelis viveu 31 fora do país. Nos Estados Unidos,
encontrou condições para levar a cabo pesquisas que culminaram no sucesso de,
dentre outros, o emblemático projeto Walk Again (Andar de Novo), marcado pelo
chute inicial da Copa do Mundo de Futebol de 2014, realizada no Brasil, quando
um para-atleta (Juliano Pinto) vestiu um exoesqueleto. Apesar disso, revela
Nicolelis, foi em seu retorno ao país que descobriu o que é ser brasileiro. "Fui
fazer pesquisa no interior do nordeste, no Rio Grande do Norte, onde vivi por um
período. Ali entendi o que estava acontecendo no Brasil, ali entendi o que o
talento brasileiro é capaz quando tem oportunidades e ali entendi, de fato, o
Brasil", relata.
"O mundo inteiro viu o Brasil do período de 2002 a 2014 como algo admirável,
exemplar. Isso está sendo desmontado numa velocidade absurda. Quem está por trás
de tudo isso entende muito bem como se desmantela uma nação", opina. "É assim
que se puxa o tapete de um país emergente como o nosso, que construía um
processo democrático orgânico". Apesar da velocidade do processo de destruição e
desmonte, alerta Nicolelis, a reconstrução é inversamente proporcional.
"Reverter um processo de sucateamento da educação é algo que leva décadas. Não
podemos voltar no tempo. Nossa renascença durou só 12 anos, mas retomá-la levará
décadas".
Nicolelis contou com a companhia de Flávia Calé, presidenta da Associação
Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). Na avaliação dela, o Estado é fundamental
para investir em uma produção científica robusta, mas o que se passa hoje no
Brasil é a vigência de um Estado de exceção. "As denúncias trazidas à tona pelo
The Intercept Brasil deixa ainda mais claro", avalia. O que é mais grave do
ponto de vista da soberania, argumenta Calé, é o abismo que o Brasil deixa se
formar à sua frente no xadrez global. "Na disputa geopolítica, à medida que o
Brasil abandona a ciência, nos defasamos muito em relação a outras nações. Eles
avançam muito e nós retrocedemos muito". Para ela, o Brasil oferece hoje dois
caminhos para quem quer fazer ciência: o aeroporto ou o subemprego.
<http://baraodeitarare.org.br/site/noticias/sobre-o-barao/miguel-nicolelis-destruicao-da-soberania-e-da-ciencia-custara-decadas-de-reconstrucao>
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