Por que a evolução acabou?
Primeiro precisamos entender o que é
evolução. Charles Darwin a definiu em 3 palavras: “descendência
com modificação”. Descendência se refere à informação
passada de uma geração à outra. E modificação significa que
essa informação não é perfeita. Se isso acontecer em muitas
gerações, as diferenças vão se consolidar e a evolução vai
acontecer. Assim, parte da evolução é um acúmulo de erros
durante longos períodos de tempo. Mas Darwin tinha uma
segunda idéia sobre evolução: a seleção natural, que
influi nas diferenças herdadas na capacidade de se
reproduzir. Se você possui um gene que torna maiores as suas
chances de sobreviver, encontrar um parceiro e ter filhos –
em comparação com os que não possuem esse gene –, ele se
tornará mais comum, vai se espalhar entre a população e, com
o tempo, novas formas de vida vão aparecer. Portanto, a
seleção natural tem a ver com diferenças herdadas e com a
capacidade de copiar genes. Nos últimos séculos, porém,
essas diferenças se reduziram drasticamente entre os humanos
– daí a evolução ter parado ou ficado mais lenta.
De que maneira essas diferenças se
reduziram?
Nos dois principais quesitos que a evolução
exige: sobrevivência e reprodução. Na época de Shakespeare
[século 17], 2 em cada 3 pessoas morriam na Inglaterra antes
de chegar aos 21 anos. Muitas delas morriam porque tinham
genes que as tornavam mais suscetíveis a certas doenças.
Hoje, 99 em 100 chegam aos 21 anos. Isso se deve aos avanços
na saúde pública e na medicina, entre outros fatores, mas o
importante é que todas sobrevivem. Mas sobreviver não basta:
para que a evolução aconteça, as pessoas também precisam
encontrar um parceiro e se reproduzir. Quanto mais filhos
tiverem, melhor. As mulheres são limitadas nesse quesito,
mas os homens não. Toda vez que um homem faz sexo, ele
produz esperma suficiente para fertilizar todas as mulheres
da Europa, por exemplo. E é também nesse quesito que houve
uma mudança drástica em relação ao passado: já não há tanta
diferença no número de filhos que cada pessoa tem
como antigamente.
Por que isso é importante?
Se todo mundo tivesse 16 filhos, não haveria
seleção natural. E, se todos tivessem um filho, tampouco
haveria seleção natural. Ela só pode existir se algumas
pessoas tiverem 16 filhos e outras tiverem nenhum. Ou seja,
se essa diferença for grande. Mohammed Bin Laden, pai de
Osama, teve 22 mulheres e 53 filhos. Ora, se um homem tem 22
mulheres, outros 21 homens não terão nenhuma. Assim, na
sociedade de Mohammed Bin Laden houve uma enorme diferença
no número de filhos das pessoas: algumas tiveram muitos,
outras poucos, outras nenhum. Mas casos assim são cada vez
mais raros, salvo em regiões como o Oriente Médio. Em geral,
poucas pessoas não têm filhos, algumas têm 1, outras 2,
pouquíssimas têm 5. Praticamente nenhuma tem 22! Portanto,
já não há mais diferenças na sobrevivência nem no sucesso
reprodutivo das pessoas. Com isso, não há matéria-prima para
evolução.
Mas não existe a possibilidade de
mutações genéticas devido à radiação, por exemplo?
A mutação é uma parte secundária do meu
argumento, mas é real. Ninguém nega que a radiação e os
químicos fazem isso, mas os efeitos são muito pequenos. A
principal fonte de mutações não são os reatores nucleares, e
sim os homens que os constroem. Isso ficou evidente após a
2ª Guerra Mundial, quando os americanos mandaram uma equipe
de geneticistas a Hiroshima para analisar as pessoas
expostas à bomba nuclear. Anos depois, eles retornaram
esperando encontrar muitos erros genéticos – mutações – nos
filhos das pessoas expostas à bomba. Mas encontraram apenas
28 mutações. Dessas, 25 vinham do pai, não da mãe. Foi a
pista de que a principal causa de mutação está no homem, não
na mulher.
Por quê?
As mulheres produzem os seus óvulos antes de
nascer. Isso significa que há apenas 24 divisões
celulares entre o óvulo que fez a mulher e o óvulo que ela
libera. Já os homens produzem esperma o tempo todo,
inclusive agora ao ler esta revista. Em um homem de 28 anos
[idade média de reprodução na Europa], ocorrem cerca de
300 divisões entre o esperma que fez esse homem e o que ele
passa adiante. E em cada divisão dessas existe chance de
mutação. Por isso, há mais mutações em homens do que em
mulheres. E há muito mais mutações nos homens que têm filhos
em idade avançada. Em um pai de 65 anos, ocorrem 2 mil
divisões entre o esperma que o fez e o esperma que ele passa
adiante. E também nesse ponto houve uma enorme mudança:
antigamente, os homens continuavam tendo filhos enquanto
podiam. Hoje, ocorre o contrário. Começamos a ter filhos
mais tarde, mas paramos mais cedo. A maioria das pessoas
deixa de ter filhos aos 30 e tantos anos. Resultado: como
o número de pais mais velhos diminuiu, o número de mutações
também diminuiu.
De que forma a globalização influi na
mudança?
O isolamento é outro ingrediente da
evolução. Populações isoladas tendem a se diferenciar umas
das outras. No entanto, hoje a população mundial é densa e
em constante movimento. Não precisamos mais casar com o
rapaz ou a garota da porta ao lado. Podemos pegar um avião e
encontrar nosso par a quilômetros de distância. As
pessoas fazem sexo com gente de
qualquer lugar do mundo, e com isso o planeta está se
tornando um único continente genético.
Para alguns de seus críticos, essa
mistura genética é a própria evolução acontecendo agora.
Em certa medida, isso de fato é evolução. Mas
não é o tipo de evolução na qual as pessoas geralmente
pensam – em que uma população evolui para se adaptar às
condições climáticas de lugares diferentes, por exemplo. Foi
esse tipo de evolução que levou à existência de pessoas
negras na África e brancas na Europa. Isso nunca mais vai
acontecer, porque as pessoas estão se movendo muito de um
lugar a outro. Esse movimento não leva a diferenças, ao
contrário, estamos todos cada vez mais parecidos.
Quer dizer que não há mais diferenças
entre fracos e fortes? Todo mundo é apto?
Bem, todos morrem no final. O importante é
que, embora muitos morram por motivos relacionados aos genes
– como diabetes e câncer –, eles morrem quando já estão
velhos. Se você morre depois de ter filhos, isso é
totalmente irrelevante para a evolução.
O fim da evolução significa o fim da
eugenia, a idéia de que é possível melhorar uma raça?
Depende do que você quer dizer com eugenia. O
termo significa “ser bem-nascido”. Coisas terríveis foram
feitas em nome do movimento eugenista, que começou
exatamente aqui em meu departamento [Francis Galton, que dá
nome ao laboratório de Steve Jones, foi quem inventou a
palavra “eugenia”]. Milhares de pessoas morreram em campos
de concentração em nome dessa idéia, e não nego isso nem por
um instante. Hoje, no entanto,
quando você pode escolher entre ter um bebê que sofrerá
muito com uma doença severa – e morrerá cedo – e outro que
será uma criança feliz, creio que vai escolher o segundo.
Isso é eugenia, é “nascer bem”. E também não posso negar
esse fato.
Parar de evoluir é algo ruim?
As palavras “bom” e “ruim” não significam
nada para a ciência. O que podemos dizer é que a evolução
acabou no mundo industrializado, e por enquanto. Acredito
que na América do Sul as condições que descrevi sejam
similares às da Europa, mas na África é diferente: lá ainda
existe mortalidade maciça em função de problemas como o HIV.
Além disso, pode ser que a evolução volte a operar no mundo
dentro de 20 ou 100 anos. Digamos que uma epidemia mate
milhões de pessoas. Algumas terão genes para resistir a ela,
outras não. Estas últimas vão morrer, as primeiras vão
sobreviver – e a evolução vai começar de novo. Ou seja, essa
etapa com certeza não é para sempre. Mas espero que seja por
muito tempo.
Temos de nos adaptar ao mundo ou o
mundo a nós?
Em certa medida, tivemos que nos adaptar ao
mundo. Somos apenas mais um animal. Mas agora o mundo
precisa se adaptar a nós. Se você olhar ao redor do globo,
verá que na verdade todos vivem nos trópicos. Mesmo no
Alasca ou na Sibéria, as pessoas usam roupas quentes e
calefação. Nós levamos nosso ambiente aonde vamos, e assim o
mundo tem que se adaptar a nós. Mas não creio que ele esteja
fazendo isso muito bem. O aquecimento global é um sinal
disso e, se a situação piorar, teremos que nos adaptar ao
mundo de novo. Descobriremos que nossa capacidade de fazer o
mundo trabalhar para nós depende muito de nossa capacidade
de trabalhar para ele.
O ser humano, essa obra-prima
Mudanças sociais e avanços na saúde
pública estão nos protegendo da evolução, pelo menos por
enquanto. Entenda os principais argumentos de Steve
Jones
A SELEÇÃO NATURAL
No passado, os humanos dependiam de
diferenças herdadas para suportar frio, fome e doenças.
Isso mudou. Antes algumas pessoas tinham muitos filhos e
outras não tinham nenhum. Hoje, todo mundo tem mais ou
menos o mesmo número de filhos. Assim, quase todos
passam pelas provas de sobrevivência e reprodução da
mesma maneira.
PAIS JOVENS
Hoje os homens começam a ter filhos
tarde, mas param cedo. Essa mudança repercute na
genética: num pai de 28 anos, ocorrem cerca de 300
divisões no esperma; já num pai de 50 ocorrem mais de 1
000 divisões. E, cada vez que ocorre uma divisão
celular, existe a possibilidade de uma mutação. Em pais
mais novos, as chances de mutação diminuem.
POPULAÇÕES MISTURADAS
Séculos atrás, as pessoas permaneciam a
vida toda perto do lugar onde nasciam. Hoje, ninguém
precisa casar ou fazer sexo apenas com quem mora ao
lado. A população humana está em constante movimento.
Assim, grupos pequenos e isolados são cada vez mais
raros. O mundo está se transformando num único
continente genético.
Steve Jones
• Tem 64 anos e nasceu no País de Gales.
• É um dos maiores especialistas do mundo
em caracóis. Para analisar as diferenças nas conchas,
ele coletou centenas de milhares de espécimes na Europa.
• Recebe todo dia e-mails indignados com
sua teoria sobre o fim da evolução. Ele costuma ler, mas
dá de ombros: “Em geral, são bastante chatos”.
• Quando não trabalha no laboratório,
gosta de ir para sua casa na França e escrever livros.
• Não tem comida nem música favorita.
“Meu hobby é fazer ciência”, afirma. (Superinteressante,
ed. 259, dez/2008).