Câmara aprova fatia maior do Fundeb para escolas ligadas
a igrejas
Bancada evangélica conseguiu que
escolas ligadas a igrejas recebam mais verbas do fundo,
o que havia sido rejeitado por relator; deputados
analisam propostas de alteração no texto
Isabella Macedo e Renata Mariz
10/12/2020 - 18:59
BRASÍLIA — A Câmara aprovou, nesta quinta-feira, o texto
base que faz a regulamentação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb). A votação, que
estava prevista para a noite de ontem, havia sido adiada
por falta de acordo. Hoje, após os deputados chegarem a
um consenso em torno do relatório do deputado Felipe
Rigoni (PSB-ES), o acordo foi
novamente quebrado com uma emenda apresentada para que
escolas privadas sem fins lucrativos, incluindo as
confessionais (ligadas a igrejas), recebam verbas do
fundo no ensino fundamental e médio. A emenda foi
aprovada e a possibilidade retornou ao texto.
O relatório mantinha as regras
atuais, de que essas escolas só podem receber recurso do
fundeb nas etapas de ensino infantil, ensino
especial e ensino do campo, mas
não no ensino fundamental e médio regular. Rigoni
havia incluído apenas os colégios de educação técnica
profissionalizante articulados com ensino médio, que
havia gerado divergência em relação ao texto e acabou
retirado no relatório que foi à votação. Entretanto, um
destaque foi apresentado em plenário para que o trecho
retornasse ao texto e foi aprovado.
O dispositivo aprovado em plenário prevê que os recursos
do Fundeb serão distribuídos às instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins
lucrativos que estejam conveniadas com o governo.
A inovação se deu em permitir que
essas instituições privadas receberão recursos não
apenas para o ensino infantil, mas também no ensino
fundamental e no médio. O cálculo para a
distribuição é limitado a 10% das vagas ofertadas pelo
ente federado em cada uma das etapas, o que equivale à
maior fatia das matrículas.
O Fundeb é a principal fonte de financiamento da
educação básica brasileira e sua vigência termina no
final deste ano. Em julho, o Congresso aprovou uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tornou o
mecanismo permanente. O fundo é responsável por
redistribuir verbas entre entes federativos para
equalizar investimentos na área. A PEC também incluiu
novas ferramentas de distribuição. Sem a regulamentação
que está em votação, o dinheiro não pode ser distribuído
para os entes federados.
Caso a regulamentação não seja aprovada pela Câmara e
pelo Senado ainda em 2020, 1.499 municípios de alta
vulnerabilidade, que reúnem sete milhões de alunos,
deixarão de receber cerca de R$ 3 bilhões adicionais que
serão distribuídos a partir da nova modelagem do Fundeb.
O valor considera apenas o ano de 2021, segundo
estimativas do Todos Pela Educação.
A inclusão das escolas ligadas a igrejas era um desejo
do governo de Jair Bolsonaro, conforme revelou O GLOBO
em outubro, mas Rigoni havia atendido apenas parte do
pleito governista. Ele incluiu em seu relatório o ensino
profissional técnico no rol de escolas privadas sem fins
lucrativos que podem receber recursos do Fundeb.
Outra modificação aprovada em plenário e que não estava
prevista no relatório é que as instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins
lucrativos poderão receber parte de recursos do Fundeb
de acordo com o número de alunos matriculados no
contraturno.
Os deputados também aprovaram
outra modificação em plenário para incluir trabalhadores
de instituições privadas sem fins lucrativos, como as
filantrópicas e confessionais, na fatia do fundo público
direcionado ao pagamento de profissionais da educação.
Psicólogos e profissionais de serviço social que
trabalham nas escolas também estão incluídos entre os
profissionais que poderão ser pagos com recursos do
Fundeb. Rigoni já havia incluído esses trabalhadores em
seu relatório, mas a emenda
apresentada pelo partido Novo ampliou ainda mais
a possibilidade, abarcando também os profissionais
terceirizados e os das instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas privadas sem fins
lucrativos.
A Emenda Constitucional do Fundeb aprovada no meio deste
ano estabelece que 70% dos recursos do fundo seriam
direcionados para o pagamento dos profissionais de
educação pública no país.
A inclusão foi aprovada por uma margem apertada, de
apenas 7 votos, em um placar de 212 a favor da emenda e
205 contra. Durante a votação, a
emenda foi duramente criticada por ameaçar "destruir o
piso salarial dos professores".
Segundo o relator, a emenda será corrigida para
"contenção de danos", especificando que os profissionais
que também serão pagos com recursos do Fundeb serão os
psicólogos, assistentes sociais e os das áreas
pedagógica, técnica e administrativa. O receio, pela
redação dada, é que o salário de qualquer profissional
multissetorial pudesse ser pago com os recursos
públicos.
Em plenário, logo após a modificação ser aprovada,
Rigoni afirmou que o autor da emenda, Tiago Mitraud
(Novo-MG), faria uma correção no texto para evitar que o
piso do magistério esteja em risco. Ele também cobrou o
comprometimento feito pelo vice-líder do governo na
Câmara, Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM), de
alterar o texto no Senado.
— Então, neste ponto vai ficar igual ao meu texto.
Segundo: é necessário aqui, e o Capitão Alberto já
afirmou isso, mas o compromisso muito grande do governo
da modificação, especialmente às filantrópicas e
possivelmente em relação aos terceirizados, para
modificar no Senado. Justamente porque já está amplo o
suficiente e não é necessário ampliar mais. E a gente
espera que o governo tenha esse compromisso com a gente
— cobrou Rigoni.
Rigoni também fez modificações ao relatório e atendeu
algumas das reivindicações do bloco que questionava o
texto inicialmente apresentado. O Custo Aluno-Qualidade
(CAQ), instrumento para se chegar ao valor necessário a
ser investido por aluno, passou a ser mencionado no
texto para ser regulamentado a partir do ano que vem. O
relator também havia retirado do texto o conveniamento
com o Sistema S em acordo com a oposição, mas a
possibilidade foi reintegrada ao texto por meio de uma
emenda aprovada.
Com o texto aprovado na Câmara, os Senadores precisam se
debruçar sobre a regulamentação ainda na próxima semana,
que deve ser a última antes do recesso parlamentar. O
tempo é ainda mais curto levando em consideração a
sessão conjunta do Congresso, marcada para ter início na
próxima quarta-feira (16), que deve votar a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o próximo ano. Caso
o Senado não vote o texto, o governo pode fazer a
regulamentação por meio de uma Medida Provisória (MP).
<https://oglobo.globo.com/sociedade/camara-aprova-fatia-maior-do-fundeb-para-escolas-ligadas-igrejas-1-24791319>
É mais um pequeno avanço nas manobras de transferência
de recursos públicos para empresas privadas religiosas.
Assim, fica menos para o que é realmente público.
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