O FIM DO MUNDO DE GABRIEL

 

26.01.12 | 07h05
Final do mundo
GABRIEL NOVIS NEVES

Sou da geração que cresceu sabendo que o mundo acabaria no ano 2000. A princípio, para quem nasceu em 1935, a data do apocalipse estava muito distante.

Como o tempo custa a passar para as crianças, esqueci aquela previsão e toquei tranquilamente a minha vida. Concluí o ensino básico em Cuiabá, depois morei doze anos no Rio de Janeiro, onde achei que tudo já tivesse acontecido comigo.

Fiz o meu curso de Medicina, servi o exército brasileiro, casei-me com uma argentino-brasileira, vi nascer a bossa nova, participei e acompanhei muitos fatos históricos da recente história verdadeira do Brasil.

Retorno à minha Cuiabá. Aqui nasceram os meus três filhos, e percebi que o tempo começou a andar bem mais rápido quando os meus filhos se casaram e o meu ninho ficou vazio. Todos os meus seis netos nasceram antes do ano 2000.

De repente, lembrei-me da história que ouvi quando criança sobre o fim do mundo. O ano 2000 estava chegando às minhas portas - a data fatal – e, em um rápido exame de consciência, percebi que tinha feito tão pouco, que precisava de uma prorrogação.

Enfrentei, abraçado com a minha família - todos vestidos de branco e rezando - a meia-noite do dia 31 de dezembro de 1999. Alegria, choro, abraços, solidariedade, os fogos de artifício pipocando pela cidade e o mundo continuou, não acabou. Logo fomos presenteados com o amanhecer de um novo dia, e mais tarde, com o crepúsculo, anunciando outro anoitecer.

Apenas um equívoco dos alarmistas intérpretes do futuro. “Tudo não passou de uma brincadeira” - disse-me minha mãe, antes de completar noventa anos de expectativa da data final da humanidade.

Passada uma década desse susto, não tenho mais a companhia vital da minha mãe e da minha mulher. Nova ameaça ganha as manchetes de revistas e jornais. Desta vez, não há erro, - o final do mundo será no dia 21 de dezembro de 2012.

Baita sacanagem! Estamos gastando uma nota preta para fazer essa Copa do Mundo em Cuiabá, para o mundo acabar antes? Reclamar pra quem? Ou tentamos com a Nasa uma viagem apressada para a lua, onde conhecemos bem o caminho e não fica tão longe assim, ou pereceremos todos.

Arca de Noé? Nem pensar. O mundo evoluiu. Não concebemos mais tafuiá alguns privilegiados em um barco para se salvarem.

Diante do imponderável, sugiro que, daqui para frente, ninguém mais trabalhe e receba salário mínimo ultrapassando o teto constitucional - com direito a verba indenizatória de gabinete, auxílio moradia e para compra de livros e revistas. Aluguel de avião pequeno, carro e moto. Correio, telefone, passagens de avião - sendo uma para o Rio de Janeiro - e emendas parlamentares a todos os cidadãos brasileiros.

O único plano de saúde será o atendimento no Hospital Sírio Libanês, podendo fazer convênio com outros congêneres como Albert Einstein, Samaritano, Oswaldo Cruz e alguns da rede privada do mesmo padrão. Fica extinto o SUS. Falta tão pouco tempo para que tudo se acabe, que seria bom parar de gastar esse dinheirão nas obras da Copa e direcionar esses recursos para exterminar a miséria e fome neste país.

Fica também acertado que não adianta mais roubar dinheiro público, pois mesmo sendo uma atividade que goza de imunidade e impunidade no Brasil, de nada adiantará diante da catástrofe eminente.

Preparemo-nos para que, no dia marcado, estejamos vestidos com trajes elegantes. Todos de roupas importadas de grifes e barriga cheia de comida, com direito a chefes de cozinha, com os melhores vinhos do mundo, igual aquele que se tomou para comemorar uma eleição presidencial. Iremos unidos para o mesmo lugar em situação de igualdade. E se falhar a previsão como das outras vezes?

Teremos um país mais justo, igualitário e humano.

GABRIEL NOVIS NEVES é médico em Cuiabá, foi reitor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

http://www.midianews.com.br/?pg=opiniao&idopiniao=2952

 

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