O GENE DA
SEXUALIDADE
O
quebra-cabeça evolutivo da homossexualidade
William Kremer
Do Serviço Mundial da BBC
Atualizado em 23 de fevereiro, 2014 - 08:42 (Brasília) 11:42 GMT
Diversas
teorias tentam explicar permanência de genes que definem a homossexualidade
em humanos
Nas últimas duas décadas, dezenas de artigos científicos sobre as origens
biológicas da homossexualidade foram publicados – um deles, divulgado na
semana passada, reacendeu a polêmica sobre o assunto. Mas como esta constatação
se encaixa na teoria de seleção natural de Charles Darwin?
Na música Same Love, que se tornou um hino não-oficial de apoio ao
casamento gay nos Estados Unidos, a dupla Macklemore e Ryan Lewis, vencedores do
prêmio Grammy de Melhor Artista Revelação na última edição do prêmio musical,
ironiza quem diz acreditar que a homossexualidade é fruto
de uma "escolha".
'É triste ainda estarmos falando sobre isso'
Lésbica chinesa publica carta aberta para o pai desistir de lhe achar um marido
Livro polêmico afirma que homossexualidade pode ser definida na gravidez
A
opinião científica parece estar do lado deles. Desde o
início da década de 90, pesquisadores vêm mostrando que a homossexualidade é
mais comum em irmãos e parentes da mesma linhagem materna.
Segundo esses cientistas, isso se deve a um fator genético. Também relevantes –
apesar de ainda não amplamente comprovadas – são as pesquisas que identificam
diferenças fisiológicas nos cérebros de heterossexuais e
de gays, assim como os estudos que afirmam que o
comportamento homossexual também está presente em animais.
Mas, como gays e lésbicas têm normalmente menos filhos biológicos do que os
heterossexuais, uma questão continua intrigando pesquisadores de todo o mundo.
"Se a homossexualidade masculina, por exemplo, é um traço genético, como teria
perdurado ao longo do tempo se os indíviduos que carregam 'esses genes' não se
reproduzem?", indaga o pesquisador Paul Vasey, da Universidade de Lethbridge, no
Canadá.
"Trata-se de um paradoxo do ponto de vista evolucionário."
Muitas das teorias envolvem pesquisas realizadas sobre a homossexualidade
masculina. A evolução do lesbianismo permanece muito pouco estudada. Ela pode
ser semelhante ou muito diferente.
Os cientistas ainda não sabem a resposta para esse quebra-cabeça darwinista, mas
há muitas teorias em jogo e é possível que diferentes mecanismos atuem em cada
pessoa.
Conheça algumas das principais
teorias a respeito do assunto:
Genes
que definem a homossexualidade também ajudam na reprodução
Tendência de ajudar familiares a criar filhos poderia compensar déficit
reprodutivo de gays
O alelo – um grupo de genes - que às vezes influencia a orientação homossexual
também pode trazer vantagens reprodutivas. Isso compensaria a falta de
reprodução da população gay e asseguraria a continuação dessa característica,
uma vez que não-homossexuais também poderiam herdar esses genes e transmiti-los
a seus descendentes.
Há duas ou mais maneiras pelas quais esta transmissão dos genes pode acontecer.
Uma possibilidade é que este grupo de genes crie um traço
psicológico que torne os homens heterossexuais mais atraentes para mulheres,
ou as mulheres heterossexuais mais atraentes para os
homens.
"Sabemos que as mulheres tendem a gostar de traços e
comportamentos mais femininos nos homens e isso pode estar associado com coisas
como o talento para ser pai e a empatia", diz Qazi Rahman, coautor do
livro Born Gay; The Psychobiology of Sex Orientation ("Nascido Gay, A
Psicobiologia da Orientação Sexual", em tradução livre).
De acordo com essa teoria, uma quantidade pequena desses
alelos aumentaria as chances de sucesso reprodutivo do portador desses genes,
porque o torna atraente para o sexo oposto.
De vez em quando, um membro da família recebe uma "porção"
maior destes genes, que se reflete na sua orientação sexual. Mas porque
este alelo traz vantagens reprodutivas, ele permanece no DNA humano através das
gerações.
Gays seriam 'ajudantes no ninho'
Alguns pesquisadores acreditam que, para entender a evolução dos homossexuais, é
preciso observar qual é o papel que os gays têm nas sociedades humanas.
A pesquisa de Paul Vasey em Samoa, na Polinésia, baseou-se na teoria da seleção
de parentesco ou hipótese do "ajudante no ninho".
A ideia é que os homossexuais compensariam a falta de
filhos ao promover a aptidão reprodutiva de irmãos e irmãs, contribuindo
financeiramente ou cuidando dos sobrinhos. Partes do código genético de
um gay são compartilhadas com sobrinhas e sobrinhos e, segundo a teoria, os
genes que determinam a orientação sexual também podem ser transmitidos.
Vasey ainda não mediu o quanto que ser homossexual aumenta a taxa de reprodução
dos irmãos, mas comprovou que em Samoa, homens gays passam mais tempo fazendo
"atividades de tio" do que homens heterossexuais.
Atividade homossexual em animais
Foto: Thinkstock
Cerca de 400 espécies têm atividade homossexual,
incluindo os macacos bonobos (machos e fêmeas),
que são parentes próximos dos humanos.
Em alguns casos há razões reprodutivas. Os peixes machos da família Goodeidae,
por exemplo, imitam fêmeas para enganar os rivais.
A preferência de longo prazo por parceiros do mesmo sexo é rara entre os
animais, mas 6% dos carneiros-selvagens machos (na foto) são, de fato, "gays".
Pesquisas sobre o comportamento animal ajudaram a anular
as leis contra a sodomia no Texas - mesmo assim, os cientistas ressaltam
que a homossexualidade humana pode ser muito diferente da animal.
Fonte: Artigo "Same-sex sexual behavior and evolution", de Nathan Bailey e
Marlene Zuk, na publicação Trends in Ecology and Evolution.
"Ninguém ficou mais surpreso que eu", disse Vasey sobre suas descobertas. Seu
laboratório já havia comprovado que homens gays no Japão não eram mais
atenciosos ou generosos com seus sobrinhos e sobrinhas do que homens e mulheres
heterossexuais sem filhos. O mesmo resultado foi encontrado na Grã-Bretanha, nos
Estados Unidos e no Canadá.
Vasey acredita que o resultado em Samoa foi diferente porque os homens que ele
estudou lá eram diferentes. Ele pesquisou os fa'afafine,
que se identificam como um terceiro gênero, vestindo-se como mulheres e tendo
relações sexuais com homens que se consideram heterossexuais. Os fa'afafine são
parte de um grupo transgênero e não gostam de ser chamados de gays nem de
homossexuais.
O pesquisador especulam que parte da razão pela qual os fa'afafine são mais
atenciosos com seus sobrinhos e sobrinhas é sua aceitação na cultura de Samoa,
em comparação com os gays no Ocidente e no Japão. A lógica é a de que gays que
são rejeitados tendem a ajudar menos os familiares a criarem seus filhos.
Mas ele também acredita que há alguma coisa no estilo de vida dos fa'afafine que
os torna mais propensos a serem carinhosos com seus sobrinhos e sobrinhas. E
especula que encontrará resultados semelhantes em outros grupos de "terceiro
gênero" ao redor do mundo.
Se isso for comprovado, a teoria do "ajudante no ninho" pode explicar em parte
como um traço genético da atração pelo mesmo sexo não foi excluído dos humanos
ao longo da evolução.
Mesmo com uma menor capacidade de se reproduzir, homossexuais que se identificam
como um "terceiro gênero" ajudariam a aumentar a capacidade reprodutiva de seus
parentes heterossexuais, ao assumirem cuidados com as crianças.
Homossexuais também têm filhos
Elton John, David Furnish e seu filho | Foto: Getty
Elton John e David Furnish tiveram dois filhos com uma barriga de aluguel, mas
não revelam quem é o pai
Nos Estados Unidos, cerca de 37% da população lésbica, gay, bissexual e
transsexual têm filhos, 60% dos quais são biológicos. De acordo com o Instituto
Williams, casais gays com filhos têm, em média, dois.
Estes números podem não ser altos o suficiente para sustentar que traços
genéticos específicos ao grupo sejam passados adiante, mas o biólogo
evolucionista Jeremy Yoder lembra que durante boa parte da
história moderna, pessoas gays não viveram vidas abertamente homossexuais.
Obrigadas pela sociedade a casarem e terem filhos, suas taxas reprodutivas devem
ter sido mais altas do que são hoje.
Medir a quantidade de gays que têm filhos também depende de como você define
"ser gay". Muitos dos homens heterossexuais que têm relações sexuais com os
fa'afafine em Samoa casam-se com mulheres e têm filhos.
"A categoria da atração pelo mesmo sexo se torna muito difusa quando temos uma
perspectiva multicultural", diz Joan Roughgarden, um biólogo evolucionista na
Universidade do Havaí.
No Ocidente há indícios de que
muitas pessoas passam por uma fase de atividade
homossexual, mesmo que sejam principalmente heterossexuais.
Isso tornaria mais complicado afirmar que somente pais que levam uma vida
homossexual poderiam passar "genes gays" adiante.
Nos anos 1940, o pesquisador de sexo americano Alfred Kinsey descobriu que
apenas 4% dos homens brancos eram exclusivamente gays após a adolescência, mas
10% dos homens tiveram um período de atividade gay de 3
anos e 37% tiveram relações com alguém do mesmo sexo em algum momento de suas
vidas.
Uma pesquisa nacional de atitudes em relação ao sexo feita na Grã-Bretanha em
2013 apresentou número mais baixos. Cerca de 16% das mulheres disseram ter tido
alguma experiência sexual com outra mulher (8% tiveram contato genital) e 7% dos
homens disseram ter tido alguma experiência sexual com um homem (5% tiveram
contato genital).
Mas a maior parte dos cientistas pesquisando a evolução gay estão mais
interessados na existência de um padrão de desejo interno contínuo.
Identificar-se como gay ou heterossexual não é tão importante, nem ter relações
homossexuais com maior ou menor frequência.
"A identidade sexual e os comportamentos sexuais não são boas medidas da
orientação sexual. Os sentimentos sexuais, sim", diz Paul Vasey.
Nem
tudo está no DNA
Qazi Rahmandiz afirma que grupos de genes que determinam a atração pelo mesmo
sexo só explicam parte da variedade da sexualidade humana.
Outros fatores biológicos que variam naturalmente também interferem.
Um em cada sete homens, por exemplo, devem sua sexualidade
ao "Efeito Big Brother": observou-se que garotos com irmãos mais velhos
têm maiores chances de serem gays - cada irmão mais velho aumentaria as chances
de homossexualidade em cerca de um terço.
Ainda não se sabe o porquê, mas uma teoria é a de que a
cada gravidez de um bebê do sexo masculino, o corpo da mulher desenvolve uma
reação imunológica a proteínas que tem um papel no desenvolvimento do cérebro
masculino.
Como isto só interfere de alguma forma no bebê depois que muitos irmãos já
nasceram - a maioria dos quais serão heterossexuais e terão filhos - esta
peculiaridade pré-natal não foi descartada pela evolução.
A exposição a níveis incomuns de hormônios antes do
nascimento também pode afetar a sexualidade. Por exemplo,
fetos de fêmeas expostos a altos níveis de testosterona
antes do nascimento demonstram altos índices de lesbianismo depois.
"A identidade sexual e os comportamentos sexuais não são boas medidas da
orientação sexual. Os sentimentos sexuais, sim." Paul Vasey
Estudos mostram que mulheres lésbicas e homens
"machões" tem uma diferença no comprimento dos dedos indicador e anular
- que demonstra a exposição pré-natal à testosterona. Em lésbicas "femininas"
esta diferença é muito menor.
Os gêmeos idênticos também provocam questionamentos. Pesquisas descobriram que
se um gêmeo é gay, há cerca de 20% de chance de que seu gêmeo idêntico tenha a
mesma orientação sexual. Apesar de a probabilidade ser maior do que o normal,
ainda é pequena considerando que os dois tem o mesmo código genético.
William Rice, da Universidade da Califórnia Santa Barbara, diz que pode ser
possível explicar isso olhando não para nosso código genético, mas para o modo
como ele é processado. Rice e seus colegas se referem ao campo emergente da
epigenética, que estuda como partes do nosso DNA são
"ligadas" ou "desligadas".
Para Qazi Rahman, é a mídia que simplifica excessivamente as teorias genéticas
da sexualidade, com suas reportagens sobre a descoberta do "gene gay". Ele
acredita que a sexualidade envolve dezenas ou centenas de grupos de genes que
provavelmente levaremos décadas até descobrir.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/02/140219_quebra_cabeca_evolucao_homossexualidade_lgb.shtml?ocid=wspor_bra_smc_facebook_mkt_gn_evolucao_na
Pensar que a homossexualidade vem de uma simples escolha é só perpetuação do
pensamento primitivo. Só religiosos pensam assim atualmente. Foge a
toda lógica manter essa idéia depois das informações que já temos hoje. Os
cientistas só têm dúvida quanto à causa da homossexualidade, mas que a pessoa já
nasce com a sexualidade formada é praticamente indiscutível.
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