O GOLPE DAS PRIVATIZAÇÕES
O golpe das privatizações e o fim do
neoliberalismo,
por Andre Motta Araujo
Curiosamente o "neoliberalismo" como credo foi ensinado nas universidades
americanas para ser aplicado fora dos EUA, quer dizer, na América Latina.
Andre Motta Araujo
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Publicado em 7 de dezembro de 2020, 7:00
Um dos maiores “fake news” do pensamento econômico do Século XX, nascido nos
anos 70, foi uma falsa repaginação dos conceitos de Adam Smith vendido ao mundo
como “neoliberalismo”. Nascido na Inglaterra, poucos países compraram esse
conceito, grandes economias emergentes do pós guerra, como Índia e China, não
tomaram conhecimento, EUA não precisaram aculturar esse conceito porque lá o
capitalismo era genético, era assim desde sempre, o capital construíra o País
mas partes importantes da economia ficaram a cargo do Estado e assim continuaram
até hoje, o País não foi afetado pelo “neoliberalismo”
inglês, mantido nos cursos como receita para terceiros países, como os da
América Latina especialmente.
Nos EUA, o Estado construiu um vasto sistema de apoio aos pequenos e médios
negócios, a Small Business Administration, na realidade um banco de
financiamento que até hoje já emprestou mais de um trilhão de dólares, um vasto
sistema de hipotecas para moradias, a Fannie Mae e a Freddie Mae, assim como a
Farm Loan, Veterans Loan e outras redes de financiamento de moradias, no crédito
rural a União criou um imenso sistema de financiamento baseado na Commodity
Credit Corporation, também o maior sistema de subsídios
agrícolas do mundo, que permite até exportar etanol de milho,
completamente antieconômico, para países que inventaram o mais racional etanol
de cana de açúcar, como o Brasil.
Mas o que demonstra mais ainda o caráter prático e não ideológico da economia
americana é o uso do Estado quando necessário, como no combate a Grande
depressão de 1929, enfrentada pela Reconstruction Finance Corporation, que
salvou 8.000 bancos e 200.000 empresas, recuperando uma economia que apresentou
índices de desemprego de 20% em 1933. Também na crise de 2008 foi o Tesouro dos
EUA quem salvou mega empresas como a seguradora AIG e a General Motors, além de
super bancos como o Citigroup, com um plano de apoio criado em uma semana, de
US$708 bilhões emprestados pelo programa TARP.
Os EUA nunca foram neoliberais porque sempre foram pragmáticos, uma economia do
Estado e outra do mercado privado, uma apoiando a outra.
O chamado “neoliberalismo”, sub-seita do antigo pensamento liberal britânico foi
propagado pela América Latina, seu maior laboratório de aplicação, especialmente
México, Chile, Argentina e Brasil. Não prosperou na Ásia com sua cultura própria
e muito menos na Europa continental com suas sólidas crenças no papel do Estado
social.
Curiosamente o “neoliberalismo” como credo foi ensinado
nas universidades americanas para ser aplicado fora dos EUA, quer dizer,
na América Latina.
O FALSO CAMINHO DAS PRIVATIZAÇÕES
O capitalismo americano construiu a maior parte do sistema elétrico dos EUA, a
base de usinas termoelétricas para cada região, tudo formado pelo capital
privado DESDE O INÍCIO. Nada foi construído pelo Estado e depois vendido, como
no Brasil já se fez e se pretende fazer mais. Mas há uma exceção importante. A
energia hidroelétrica no vale do Rio Tennessee foi inteiramente desenvolvida
pelo governo federal americano, a energia hidro supre 15%
da matriz americana e nenhum Presidente pretendeu privatizar a TVA,
autarquia dona das usinas porque entendem que ÁGUA E SEUS
RESERVATÓRIOS E REPRESAS SÃO UM BEM PÚBLICO, não podem ser privatizados,
bem como as usinas dela derivadas. Depois da TVA outros projetos hidros foram
desenvolvidos no Rio Colorado, servindo para produção de energia e grande
irrigação agrícola na Califórnia.
O neoliberalismo, portanto, NÃO SE APLICOU AOS EUA no sentido de diminuir o
papel do Estado que sempre foi central na economia americana, ao contrário do
que pregam aqui.
O CASO DO BRASIL
No Brasil, sempre o capital privado pode investir em energia elétrica, nunca foi
proibido. Chegou-se nos anos 40 e 50 com uma situação crítica. A maioria das
cidades do interior não tinha energia elétrica de qualidade, muitas funcionavam
até às 10 da noite e depois se desligava, havia usinas hidro particulares por
todo o Brasil. No interior do Estado de S.Paulo, a Companhia Paulista de Força e
Luz, de capital americano (Grupo Bond & Share) atendia mal seu mercado, não
investia. Havia outras empresas menores de capital nacional, como a Bragantina,
que existiam por todo o Brasil, MAS O BRASIL NÃO SE DESENVOLVIA POR FALTA DE
ENERGIA, tendo enormes rios que podiam ser represados, MAS NÃO HAVIA CAPITAL
PRIVADO interessado em investir ou com recursos para investir. Veio então o
ESTADO e construiu o maior parque hidroelétrico do planeta com recursos
públicos.
Veja-se que é completamente diferente dos EUA onde o capital construiu a base de
geração e distribuição em cada região, com exceção das usinas hidro federais,
como a TVA.
Mais ainda, o ESTADO brasileiro montou um sistema único de
transferência e transmissão pelo qual se pode passar energia de Norte a Sul e
vice-versa, com imensos investimentos em linhas de transmissão, tudo com
dinheiro público. Esse sistema não existe nos EUA, onde a energia é
regionalizada. O ESTADO brasileiro construiu mais de cem reservatórios, alguns
deles dos maiores do mundo. Os alucinados NEOLIBERAIS
brasileiros querem então vender por uma fração do preço de custo esse imenso
investimento público que hoje não se faria por menos de 500 bilhões de dólares.
Portanto é uma história e um modelo COMPLETAMENTE DIFERENTE dos EUA. Mais ainda,
no conceito americano NÃO SE VENDE NADA RELACIONADO À ÁGUA, nunca se cogitou de
vender reservatórios de água que, além da energia, tem um valor estratégico para
outros fins.
Dois dos três sistemas de bacias da antiga CESP já foram vendidos ao capital
privado. Executivos americanos e chineses, hoje donos desses sistemas, em
conversas privadas, estão satisfeitos com a compra, mas confessam que acham
incrível que o Estado brasileiro venda represas imensas para o capital privado
estrangeiro. Ouvi essa conversa reservada em um dos grupos que compraram pedaços
da CESP, grupo para o qual trabalhei na cúpula por muitos anos, portanto sou
insuspeito para dizer que até eles acharam estranho um País vender imensos
reservatórios estratégicos que servem para muito mais coisa do que energia, água
é um tesouro a ser resguardado por um País organizado.
Portanto, maior mega absurdo é pensar em vender a
ELETROBRAS, uma das três maiores empresas de geração de energia do mundo, com
147 usinas e mais de 60.000 km de linhas de transmissão, espinha dorsal da
economia de um País. Só gente doida e pensando em negócios
exclusivamente poderia ter semelhante ousadia. Rússia e
China, que também têm imensos parques hidroelétricos preservam o controle do
Estado sobre esses sistemas estratégicos, nos EUA o que o Estado fez com
o Estado fica, não se vende BEM PÚBLICO.
Mas o X da questão é que o capitalismo NÃO INVESTIU PARA CONSTRUIR ESSE SISTEMA
ELÉTRICO e agora depois de pronto quer se beneficiar do patrimônio público
construído com recursos do povo brasileiro. Os valores de venda cogitados são
ridículos, não chegam a 1% do custo do sistema ELETROBRAS, não se coloca no
ativo o valor da concessão.
O NEOLIBERALISMO À BRASILEIRA é de golpes para o “mercado”
que quer comprar de graça o que custou muito caro, e os que defendem as
privatizações são figuras com LAÇOS fortíssimos com esse “mercado” de golpes e
jogadas, comprar barato, quase de graça o que outros fizeram com dinheiro
público, essa é a tradução do NEOLIBERAL latino.
Está ai o Chile em frangalhos, com mega concentração de renda e um povo na
miséria, uma sociedade desintegrada pelo NEOLIBERALISMO DE EXPORTAÇÃO das
universidades americanas que lá não praticam o que ensinam. Por que não
privatizam os sistemas de águas nos EUA, as rodovias pedagiadas, os transportes
coletivos em cidades? Não há político americano algum, nem Trump, que tenha
proposto um programa neoliberal nos EUA, lá o que é do Estado, e é muita coisa,
continua sendo do Estado.
O ENTERRO DO NEOLIBERALISMO
O conceito de “neoliberalismo” na expressão de sua impulsionadora, a
Primeira-Ministra Margaret Thatcher, era uma reação ao Estado de bem estar
social na Inglaterra dos anos 70. Só serviu aos problemas fiscais específicos do
Governo inglês, especialmente no campo de mineração de carvão e suas
aposentadorias. Thatcher tentou desmontar o sistema de
seguro saúde público e não conseguiu. Hoje a
memória de Mrs.Thatcher foi demonizada na Inglaterra, virou pó, tais os danos
que sua política causou ao Reino Unido. O seu “neoliberalismo” foi uma proposta
demoníaca não seguida por nenhum outro Pais do continente europeu, na França,
por exemplo, a EdF, grande companhia elétrica segue controlada pelo Governo
francês, inclusive com investimentos no Brasil, há forte papel do Estado na
maioria dos países da União Europeia e seus sólidos sistemas de saúde gratuitos.
O fim do ideal “neoliberal” deveria acender uma luz amarela no Brasil, NÃO É
MAIS ÉPOCA DE PRIVATIZAÇÕES e sim do capital privado CONSTRUIR ATIVOS NOVOS, há
espaço no Brasil para investimentos em muitos setores, mas é o Estado, através
de suas estatais e BNDES quem garantiu o crescimento a taxas altíssimas entre
1950 e 1980, as estatais com suas compras de bens e serviços e o BNDES
financiando a expansão das empresas, esse foi o modelo vitorioso e não a simples
transferência de ativos nacionais a grupos especulativos, plano fracassado na
Argentina que vendeu tudo, até o Jardim Zoológico de
Buenos Aires e afundou em uma recessão interminável, o
Chile cavou com a receita neoliberal uma mega crise social
ainda não resolvida, o México perdeu o rumo de um
Pais próspero e hoje vive rastejando frente ao seu vizinho do Norte.
O NEOLIBERALISMO foi uma doutrina diabólica que trouxe miséria e desemprego nos
países onde seu receituário especulativo foi aplicado. O Brasil pré-neoliberal
era mais justo, mais igualitário, mais próspero e mais forte do que o Brasil que
surgiu da Era das Privatizações dos anos 90. Agora por causa do conceito
neoliberal a PETROBRAS, uma das 20 maiores petroleiras do
mundo, está sendo retalhada e vendida em pedaços até acabar, enquanto as demais
estatais do petróleo, 12 das 20 maiores empresas de petróleo globais, estão
crescendo e investindo em forte expansão, enquanto a PETROBRAS, a 2ª mais
antiga, caminha velozmente para a extinção.
É toda uma cultura de jogadas financeiras, como vender pacotes de ações na Bolsa
até perder o controle, fizeram com a BR Distribuidora, a PETROBRAS se desfez do
controle sem cobrar o universal “prêmio de controle”, é negócio que deve ser
feito com a ELETROBRAS, no espírito do “neoliberalismo do Leblon”, uma vida
mantida com jogadas.
A TRAJETÓRIA ECONÔMICA DAS PRIVATIZAÇÕES
Nos leilões de ativos do povo brasileiro colocados à venda aparecem, NO CLIMA
ECONÔMICO DE HOJE, especuladores, fundos abutres e empresas de 2ª linha. Os
compradores imediatamente após a compra começam o processo de CORTE DE FOLHA,
despedindo os funcionários mais antigos para colocar no lugar jovens mais
baratos, VENDEM PEDAÇOS E PRÉDIOS, cortam serviços,
COMEÇAM A IMPORTAR DE SUAS MATRIZES, todo um caminho que vai CONTRA O
INTERESSE NACIONAL. Não compram mais um parafuso no Brasil.
A Vale, logo que privatizada, fez mega encomenda de navios na China,
os estaleiros nacionais hoje estão quebrados, mas
já construíram muitos navios para a Vale estatal.
As “privatizações” são estimuladas pelos “mercados” porque são campos de jogadas
de bolsa, IPOs, golpes, apostas cambiais, tudo o que o mercado gosta, MAS SÃO UM
PERDA PARA O PAÍS A LONGO PRAZO. No meio século da VALE
estatal nenhuma represa se rompeu, na VALE
privatizada duas grandes estouraram provocando cerca de 400 mortes,
resultado de CORTE DE CUSTOS para gerar mega bônus para a diretoria, esse o
grande balanço da Era das Privatizações do primeiro ciclo neoliberal.
E não se cite o caso da TELEFONIA como exemplo. Nesse campo houve uma revolução
tecnológica que mudou completamente o modelo de negócios, que aconteceria com ou
sem privatização porque a telefonia celular é um campo competitivo por sua
própria natureza, então é um caso específico que não serve de exemplo, como
citam os “neoliberais”.
O Brasil hoje afunda em um projeto econômico falido, de negação de políticas
públicas, repudiado na Europa, EUA e Ásia, um novo ciclo pós pandemia recomeça a
construção de uma economia mundial mais equalitária para reparar os estragos da
pandemia, com forte ação do Estado, a ideologia privatista não encontra mais
espaço no globo.
A NOVA ONDA PÓS PANDEMIA
A economia do mundo PÓS PANDEMIA se volta para POLÍTICAS PÚBLICAS visando
relançar a economia, o oposto do neoliberalismo dos anos 70. Esse é o caminho
que resgatará a economia brasileira, hoje em profunda crise de emprego e renda.
Será pela ação do Estado, como fará nos EUA no governo Biden e seu pacote de
estímulos. É uma economia para o interesse nacional e não para os “mercados”
concentradores de renda. O Brasil deve se adaptar a um novo ciclo mundial onde
não há lugar para o carcomido neoliberalismo.
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