|
|
|
|
GOVERNO FEDERAL TRANSFERI MILHÕES DO
BOLSA-FAMÍLIA PARA PROPAGANDA
Governo transfere R$ 83,9
milhões do Bolsa Família para investir em propaganda
Valor que seria usado no programa social é destinado para publicidade de ações
da gestão Bolsonaro; medida tomada durante a pandemia é criticada no Congresso
Camila Turtelli e Felipe Frazão, O
Estado de S.Paulo
04 de junho de 2020 | 15h52
Atualizado 05 de junho de 2020 | 10h40
BRASÍLIA – O governo federal retirou R$ 83,9 milhões que seriam usados no
programa Bolsa Família para destinar à Secretaria Especial de Comunicação Social
da Presidência (Secom). A medida atinge os recursos previstos para a região
Nordeste do País e causou críticas no Congresso por ocorrer durante a pandemia
do coronavírus, quando muitas famílias estão sem fonte de renda. O dinheiro será
utilizado para comunicação institucional, ou seja, para fazer publicidade das
ações da gestão de Jair Bolsonaro.
A portaria que prevê a transferência dos recursos do Orçamento foi publicada na
edição desta terça-feira, 2, no Diário Oficial da União (DOU). O ato foi
assinado pelo secretário executivo do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues.
Segundo técnicos do Congresso, como não há recurso extra, apenas realocação
dentro do Orçamento, não é preciso de aval dos parlamentares. O valor total
destinado ao Bolsa Família no ano inteiro é de R$ 32,5 bilhões.
Leia Também
TCU vê indícios de fraude em contratos de tecnologia do governo que somam R$ 500
milhões
Procurado, o Ministério da Cidadania informou que o pagamento do benefício está
garantido (leia nota abaixo). A justificativa da pasta é de que a maior parte
das famílias inscritas no programa recebeu, em abril, o auxílio emergencial de
R$ 600 do governo pago durante a pandemia do novo coronavírus. Como não podem
acumular benefícios, o repasse do Bolsa Família para estas pessoas foi suspenso,
o que, então, teria gerado a “sobra” de recursos. Ainda há, no entanto, uma fila
de 430 mil famílias esperando para entrar no programa.
Para comparação, os R$ 83,9 milhões transferidos para Secom bancar publicidade
institucional dariam para comprar 1.263 respiradores hospitalares – ao custo de
R$ 66,4 mil cada, um dos preços que o governo federal pagou em compras da Saúde.
Ou ainda 856.164 mil testes tipo RT-PCR para detectar a infecção pelo novo
coronavírus em pacientes – o preço unitário foi de R$ 98.
A Secom já gastou R$ 17,8 milhões com propaganda durante a pandemia do novo
coronavírus. Os recursos estão sendo utilizados para divulgar peças
publicitárias com o mote de que é preciso “proteger vidas e empregos”. Depois do
fracasso com a campanha “O Brasil não pode parar”, vetada judicialmente, a
secretaria e o presidente também adotaram a frase “ninguém fica para trás”.
A campanha institucional da Secom é diferente da produzida pelo Ministério da
Saúde para fins de utilidade pública, que tem objetivo de passar orientações
sobre a doença covid-19 e o novo coronavírus, bem como recomendações de higiene,
etiqueta e distanciamento social e até convocar estudantes de Medicina e
Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia. O ministério já gastou R$ 61 milhões e deve
ampliar a despesa com produção de mais conteúdo.
O dinheiro para bancar a publicidade institucional do governo Bolsonaro tem
saído do orçamento de “Enfrentamento da Emergência de Saúde Nacional”, de dois
dos ministérios mais envolvidos em ações diretas para atendimento à população,
Saúde e Cidadania. A Secom centralizou a produção das peças publicitárias.
A campanha é feita pela agência Calia Y2, sem que tenha havido uma seleção
interna das propostas das outras agências contratadas pela Secom, a NBS e a
Artplan, como é regra. Isso porque, segundo documentos internos da secretaria, a
Calia propôs a realização da campanha, e o governo aprovou e adotou a sugestão.
Nesse caso, o processo de seleção é dispensado, conforme previsto nas normas da
secretaria.
Na terça-feira, relatório produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
do Congresso apontou que governou veiculou 2 milhões de anúncios em canais com
conteúdos considerados “inadequados”. A lista inclui páginas que disseminam fake
news, propagam jogos de azar ilegais e até sites pornográficos.
A Secom disse que a escolha de onde os anúncios seriam veiculados coube ao
Google, mas a empresa rebateu e informou ser possível bloquear que propaganda
institucional seja publicada neste tipo de site.
Parlamentares criticam realocar recursos em publicidade
Parlamentares criticaram a realocação dos recursos nesta quinta-feira,
principalmente por envolver dinheiro que seria destinado à população de baixa
renda. “É importante lembrar que isso acontece no momento de aumento da fila do
Bolsa Família, ao mesmo tempo que pairam sobre a Secom denúncias de mal uso de
suas verbas para a propagação de fake news e mensagens e ódio”, disse a deputada
Tabata Amaral (PDT-SP) ao Estadão/Broadcast.
O líder do Novo, deputado Paulo Gamine (RJ), classificou a medida como “imoral”.
“No meio a uma crise onde os brasileiros estão perdendo emprego, renda e a
extrema miséria vem crescendo no País, é preocupante ver o governo preocupado
com publicidade institucional”, disse. Ele afirmou ainda que o recurso da Secom
foi reduzido de R$ 273 milhões para R$ 73 milhões na votação do Orçamento para
2020. “Nós reduzimos esse gasto e agora o governo que recompor esse valor. A que
custo? Para que?”, afirmou.
A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) criticou a ação no plenário da Câmara.
“Tirar R$ 83 milhões da boca de famílias pobres para fake news é crime”, disse
ela.
“Enquanto tivermos pessoas sofrendo na fila do Bolsa Família ou do Auxílio
Emergencial, qualquer redução no orçamento do ministério da Cidadania é
questionável. Mais ainda quando o recurso acaba direcionado para comunicação”,
afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
O Estadão revelou em março que a região Nordeste, que teve recursos do Bolsa
Família transferidos nesta quinta-feira, só recebeu 3% dos novos benefícios
concedidos no mês de janeiro de 2020. Por outro lado, Sudeste e Sul foram
priorizadas nas novas concessões e reuniram 75% dos benefícios liberados no
primeiro mês deste ano. O Tribunal de Contas da União avalia se houve
irregularidade.
Questionado sobre as 430 mil famílias que ainda aguardam para ingressar no
programa, o secretário especial do Desenvolvimento Social, do Ministério do
Cidadania, Sérgio Queiroz, respondeu que não há que se falar em fila. “Após a
entrada em vigor do auxílio-emergencial, todas as pessoas do cadastro único que
se adequam às exigências da lei do auxilio, foram contempladas”, disse ao
Estadão/Broadcast. Pela regra vigente, no entanto, o benefício de R$ 600 será
pago por apenas três meses.
O Ministério da Cidadania, responsável pelo Bolsa Família, enviou nota sobre a
transferência de recursos do programa assistencial para a Secretaria de
Comunicação do Governo, mas não esclareceu o motivo para a realocação do
recurso.
“A folha de pagamento do Programa Bolsa Família (PBF), no mês de abril, foi
custeada em 95% por recursos do auxílio emergencial. Naquele mês, 13.566.568
famílias beneficiadas com o PBF receberam o benefício. Em abril foram destinados
às famílias mais de R$ 15 bilhões”, diz a pasta comandada por Onyx Lorenzoni.
“É importante destacar que o auxílio emergencial destinou às famílias do PBF, na
Região Nordeste, mais de R$ 7,7 bilhões, em abril, o que beneficiou a 6.851.543
famílias”, conclui o ministério.
O Ministério da Economia, também em nota, reforçou que não faltarão recursos
para os atuais beneficiários do programa, sem esclarecer o motivo de destinar R$
83,9 milhões para publicidade institucional.
Leia abaixo a íntegra da nota da pasta comandada por Paulo Guedes:
“Sobre o remanejamento de dotações orçamentárias por meio da Portaria nº 13.474,
de 2 de junho de 2020, que suplementou a Presidência da República em R$ 83,9
milhões, o Ministério da Economia esclarece:
Nenhum beneficiário do Programa Bolsa Família foi prejudicado no recebimento de
seu benefício e, com a instituição do Auxílio Emergencial no âmbito do
coronavírus, a maioria teve benefícios superiores. De acordo com o Ministério da
Cidadania, a legislação não permite que sejam pagos os dois benefícios para os
mesmos beneficiários, concomitantemente. Portanto, esse espaço orçamentário pode
ser utilizado para atendimento de outras despesas da União, o que justifica o
cancelamento citado na referida Portaria.
O pedido de reforço da dotação para a Secretaria Especial de Comunicação Social
- SECOM, solicitado pela Presidência da República, foi aprovado pela Junta de
Execução Orçamentária - JEO. Ele vai recompor o orçamento que foi reduzido
durante a apreciação do Projeto de Lei Orçamentária 2020 no Congresso Nacional.
Esta recomposição está autorizada pelo art. 4º, caput, inciso V, da Lei nº
13.978, de 17 de janeiro de 2020 (LOA 2020).
Cabe ainda citar que, após a execução orçamentária e financeira do primeiro mês
do Auxílio Emergencial observou-se que, em abril, aproximadamente 95% dos
beneficiários do Programa Bolsa Família se qualificaram para receber o Auxílio
Emergencial em substituição ao PBF. Desse modo, ocorreu forte redução na
execução da dotação dessa ação, caindo de uma média mensal em torno de R$ 2,5
bilhões para R$ 113,1 milhões, conforme abaixo:
Janeiro/2020 - R$ 2.476.039.000,00
Fevereiro/2020 - R$ 2.470.677.819,00
Março/2020 - R$ 2.530.838.900,00
Abril/2020 - R$ 113.137.782,00
Por fim, em função das restrições orçamentárias, dos recursos que não serão
utilizados do Programa Bolsa Família, R$ 11,4 milhões já foram utilizados para
ampliar as dotações do Sistema Nacional para Identificação e Seleção de
Público-Alvo para os Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único.
Outros valores serão utilizados em despesas prioritárias nos próximos meses.
Estes remanejamentos serão implementados em acordo com as projeções do
Ministério da Cidadania de forma a que não haja prejuízo aos beneficiários do
Programa Bolsa Família.
Ver mais POLÍTICA BRASILEIRA
|
..
|
. |
|
|