HOMINÍDEO DE DOIS MILHÕES DE ANOS
Homínideo africano de 2 milhões de anos
tem traços humanos
Análises aprofundadas do fóssil indicam que Australopithecus
sediba possuía características modernas, como fazer ferramentas
Tatiana Tavares, especial para o iG | 08/09/2011 11:01
Crânio do Au. sediba: fóssil de dois
milhões de anos com características de seres humanos modernos
Cinco artigos que serão publicados na edição desta semana do
periódico Science indicam que o Australopithecus sediba –
hominídeo que viveu há dois milhões de anos – pode estar mais
próximo do gênero Homo, ao qual pertence o ser humano, do que se
imaginava.
Dois espécimes – uma mulher adulta (chamada de MH-2) e um
menino (MH-1) – foram descobertos numa caverna da África do
Sul e divulgadas em abril do ano passado, às vésperas da Copa,
por um estudo coordenado por Lee Berger, da Universidade de
Witwatersrand, em Johannesburgo, e também publicado pela Science.
Agora, os cinco novos artigos demonstram um avanço nas pesquisas
e, a partir da análise detalhada do cérebro, da pélvis, das mãos
e dos pés desses exemplares, trazem novas evidências. Entre
elas, a de que o Au. sediba carregaria as características
primitivas do Australopithecus, mas também as características
modernas e os traços humanos do Homo. Nesse contexto, os
pesquisadores, liderados por Berger, sugerem que o Au. sediba
seja encarado como o melhor candidato a antepassado do gênero
Homo.
As descobertas estão lançando dúvidas sobre antigas teorias a
respeito da evolução humana, incluindo a noção de que a pélvis
dos primeiros humanos teria evoluído em resposta a um cérebro de
grandes proporções, em uma clara adequação ao momento do
nascimento de cada indivíduo. Sugerem ainda que, tendo em vista
as características dos pés e das mãos, o Au. sediba carregaria
a capacidade de produzir e manejar ferramentas, ou seja,
ele poderia ser considerado um “faz tudo”. Poderia ser o caso,
inclusive, de rever o grupo em que a espécie se encontra
atualmente, de acordo com os cientistas.
“Existem aspectos que sugerem a produção e o uso de ferramentas
feitas de pedra, o que geralmente é um traço associado com o
gênero Homo”, explicou Steve Churchill, da Universidade de Duke,
nos Estados Unidos. Mas quando questionado sobre a possibilidade
de enquadrar o hominídeo em questão no gênero Homo, Lee Berger
indica cautela: “Que eu saiba, não faz parte da definição do
gênero Homo o manuseio de ferramentas. Isso me parece ser
aplicado com muita frequência. Se você tem ferramentas, então
você está inserido no gênero Homo. Mas, tecnicamente, isso não
faz parte da definição”.
“As muitas características modernas encontradas no cérebro e no
corpo do Au. sediba, em conjunto com a data em que ele viveu,
torna-o possivelmente o melhor candidato a ancestral ao nosso
gênero, mais até do que achados anteriores, como o Homo habilis”,
explica Lee Berger.
Raio-x do crânio permitiu detalhamento
inédito do cérebro do Au. sediba
Cérebro escaneado
Em relação ao cérebro do Australopithecus sediba, a
pesquisa realizou o raio-X mais apurado e revelador já feito em
um ancestral humano – o escaneamento do crânio em alta resolução
do hominídeo, realizado no European Synchrotron Radiation
Facility (ESRF), na França, deu aos pesquisadores uma visão
profunda e detalhada sobre o Au. sediba e a época de seu
surgimento, formando uma imagem de alta resolução que mostra
detalhes mil vezes menores do que um milímetro.
Entre os achados, está o de que o cérebro do Au. sediba
possui uma mistura de características humanas quanto de
chimpanzés. Segundo a autora principal do artigo que dá
conta dos achados sobre o cérebro, Kristian Carlson, da
Universidade de Witwatersrand, uma das descobertas é a de que o
conteúdo e a forma do cérebro do Au. sediba se assemelham mais
aos humanos do que aos chimpanzés. Sua forma geral se assemelha
mais aos humanos do que aos chimpanzés e, dado o seu pequeno
volume, este resultado é consistente com um modelo de
reorganização gradual neural na parte frontal do cérebro, uma
região ligada a linguagem e comportamento social em humanos.
"De fato, uma das maiores descobertas é que a forma do cérebro
do sediba não é consistente com um modelo de aumento gradual do
cérebro, hipótese que havia sido lançada anteriormente e que
justificaria a transição entre Australopithecus e Homo", afirma
Kristian Carlson.
Pélvis do Au. sediba já era larga para acomodar
fetos de cabeças maiores, como aconteceria mais tarde com o
gênero Homo
Pélvis moderna
As pesquisas também demonstraram uma combinação de
características primitivas e modernas na pélvis da espécime
feminina encontrada (MH-2): as articulações sacroilíaca e da
coxa são pequenas, e o ramo pubiano é longo, como visto em outra
espécie de Australopithecus. Por outro lado, foram encontradas
outras características que são típicas do gênero Homo.
Acredita-se que a pélvis do gênero Homo evoluiu para ajustar
cérebros maiores dos filhotes, para viabilizar os nascimentos.
Mas o Au. sediba já apresenta pélvis moderna sem que a caixa
craniana seja grande o suficiente para justificar a mudança.
Segundo Job Kibii, pesquisador da Universidade de Witwatersrand,
a descoberta do sediba lança sérias dúvidas sobre outro modelo
estático na evolução da pélvis no gênero Homo, aquele que indica
um aumento da pélvis para que esta se acomodasse ao tamanho do
crânio. “Foi surprendente descobrir tão avançada pélvis em uma
criatura com um cérebro tão pequeno, em função das ideias
anteriores que tínhamos, como a origem do formato da pélvis
humana”, disse Kibii.
Mão direita do fóssil feminina comparada a
uma mão humana: possibilidade do uso de ferramentas
Com as mãos de um faz-tudo
Assim como as outras partes analisadas, as mãos e os pés do Au.
sediba também apresentam características modernas e primitivas
ao mesmo tempo. O fóssil analisado é o mais completo fóssil de
hominídeo já encontrado – estão faltando apenas alguns ossos da
mão e do pulso. Assim, foi possível estudar a mão como um todo e
não apenas ossos isolados, como até então havia sido feito.
Os pesquisadores analisaram a presença de uma série de
características humanas, tais como a precisão do Au. sediba ao
pegar objetos e sua capacidade de construir ferramentas de
pedra. Concluíram que o Au. sediba tem muitas características
humanas, incluindo um polegar relativamente longo em comparação
aos outros dedos, o que poderia facilitar a execução de
muitas tarefas. E o mais importante: constataram que o Au.
sediba apresenta maior capacidade de fabricar ferramentas em
comparação ao fóssil OH 7 (conhecido como "Johnny's Child",
descoberto em 1960) que foi utilizado para definir a espécie
Homo habilis, conhecidos até então como os primeiros “faz tudo”.
Outra conclusão a que chegaram os pesquisadores a partir da mão
do Au. sediba é a de que ele conseguia se locomover pelas
árvores – a morfologia verificada nas mãos do hominídeo
sugere que ele seria capaz de subir em árvores e realizar as
flexões necessárias para a tarefa.
Segundo Tracy Kivell, pesquisadora do Departmento de Evolução
Humana do Instituto Max Planck Institute para Antropologia
Evolucionária, na Alemanha, a mão do Au. sediba ainda é
primitiva em diversos aspectos se comparado com um humano
moderno. Ela esclarece que a equipe de cientistas não está
sugerindo que o Au. sediba seja o único hominídeo capaz de
fabricar ferramentas há cerca de 2 milhões de anos. As
diferentes capacidades do Au. sediba e do Homo habilis em
produzir ferramentas poderia, assim, sugerir que existiram
hominídeos com mãos morfologicamente distintas mas com as mesmas
característica de um “faz tudo”.
“Quando nós comparamos o sediba com o Homo habilis percebemos
que o sediba tem um aspecto mais moderno. Isso sugere que o Au.
sediba tenha sido também um ‘faz tudo’”, afirma Tracy.
Uma caminhada bípede
A análise dos pés e dos tornozelos do Au. sediba demonstra
que muito provavelmente ele subia em árvores e praticava uma
forma de caminhada bípede, reforçando os achados sobre as mãos
da espécime e colocando luz sobre um possível caminhar ereto. De
acordo com Bernhard Zipfel, cientista da Universidade de
Witwatersrand, o tornozelo da fêmea (MH-2) é um dos mais
completos já encontrados entre os hominídeos. Ele destaca que
nunca um tornozelo com esse misto de características primitivas
e modernas havia sido descrito.
Verificou-se que a articulação do tornozelo é larga como a de um
humano, chegando o hominídeo a ter um tendão de Aquiles bem
definido. No entanto, o calcanhar e o osso da canela se parecem
mais aos descritos em macacos, achado que surpreendeu a equipe.
“Existe uma área na parte frontal do calcanhar do Au. sediba
encontrada apenas em humanos e em alguns hominídeos, sugerindo
um arco para o pé. Vimos que esse primitivo fazia buracos em seu
calcanhar, o que normalmente não se vê em uma criatura que
andava ereta. Essa foi a maior surpresa”, disse Zipfel.
(http://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/hominideo-africano-de-2-milhoes-de-anos-tem-tracos-humanos/n1597199606402.html)
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