Homofobia é coisa de
veado
Denis Russo Burgierman 29 de abril de 2013
Aquela não foi uma manhã comum no laboratório do departamento de psicologia da
Universidade da Georgia, no sul dos Estados Unidos, em 1996. Desde cedo,
começaram a chegar por lá os “sujeitos de pesquisa”: 64 homens, com 20 anos na
média, que se declaravam heterossexuais, divididos em dois grupos. O primeiro
era o dos “homofóbicos”: pessoas que tinham respondido com uma grande maioria de
“sim” a perguntas como “sente-se desconfortável trabalhando ao lado de
homossexuais?”, “ficaria nervoso num grupo de homossexuais?”, e “se um membro do
gênero masculino se insinuasse para você, ficaria furioso?”. O segundo grupo era
o dos não-homofóbicos, que haviam cravado uma grande maioria de “não”.
Os cientistas levavam os rapazes para uma sala com luz baixa, pediam que se
sentassem numa cadeira reclinável e entregavam um pletismógrafo a cada um.
Pletismógrafo é uma palavra que vem do grego plethynen (crescimento) e graphein
(registrar, medir): “medidor de crescimento”. Trata-se de uma argola de borracha
recheada de mercúrio líquido. A argola deve ser colocada ao redor do objeto que
se quer medir. Se o objeto crescer, ela estica, a camada de mercúrio fica mais
fina e a engenhoca registra o aumento de tamanho. O objeto a ser medido era o
bilau.
Com o pletismógrafo instalado, todos assistiam a três filmes pornôs, cada um com
quatro minutos de duração. O primeiro filme mostrava uma cena de sexo entre um
homem e uma mulher, o segundo entre duas mulheres, e o terceiro entre dois
homens. O resultado foi claro. Todo mundo registrou crescimento da
circunferência de seus amiguinhos quando via o fuzuê entre homem e mulher ou
entre mulher e mulher. Mas, quando o chamego era entre homem e homem, os homofóbicos registraram um aumento peniano quatro vezes maior que os
não-homofóbicos. Mais da metade dos homofóbicos fica animadinha quando vê dois
homens transando, contra menos de um quarto dos não-homofóbicos.
Aí os cientistas perguntavam a cada um se eles tinham tido ereção. Os
homofóbicos que o pletismógrafo flagrou olhavam para os pesquisadores e
respondiam, convictos: “não”.
Para resumir: homofóbicos, que são pessoas que sentem grande desconforto quando
pensam em homossexualidade, frequentemente são homossexuais reprimindo suas
próprias tendências biológicas. A pesquisa não foi contestada em 17 anos e suas
conclusões foram reforçadas por outro teste mais preciso, realizado na
Inglaterra no ano passado, com imagens cerebrais de homofóbicos.
Claro que nem todos os homofóbicos são gays: pode ser cultural ou simplesmente
uma dificuldade de lidar com o diferente. Mas pessoas que nascem gays em
ambientes repressivos muitas vezes aprendem a suprimir a homossexualidade e
sentem raiva dela. Essa autorraiva acaba projetada para fora, contra aquilo que
parece com o que se odeia em si próprio. É como escreveu o psicanalista
ítalo-brasileiro Contardo Calligaris em sua coluna na Folha de S.Paulo: “quando
reações são excessivas e difíceis de serem justificadas, é porque emanam de um
conflito interno”.
O documentário OutRage, de 2009, mostrou como esse distúrbio psicológico afeta a
política dos Estados Unidos. O filme conta a história do jornalista
investigativo homossexual Michael Rogers, que resolveu se transformar de caça em
caçador e foi investigar a vida de políticos ultraconservadores que votavam
sempre contra direitos homossexuais. Vários deputados e senadores americanos
foram flagrados, alguns com as calças na mão. Um deles, um senador respeitável
com mulher e filhos, foi pego transando com um desconhecido no banheiro de um
aeroporto longe de casa. É que muitas vezes o desejo reprimido acaba escapando
nas ocasiões mais constrangedoras.
No começo do filme, sente-se raiva desses políticos hipócritas. Aí começam a
aparecer na tela personagens cada vez mais humanos. Um dos últimos entrevistados
foi um senhor inteligente chamado Jim Kolbe, deputado republicano do Arizona,
que passara sua longa e produtiva carreira de político firmemente trancado no
armário, sempre votando contra qualquer lei que desse direitos a homossexuais.
Na década de 1990, Kolbe soube que suas escapadas homossexuais estavam prestes a
serem reveladas na imprensa. Antes da publicação, ele foi a público e contou a
verdade aos eleitores. “Foi provavelmente a sensação mais gloriosa que já senti
na vida”, disse, feliz.
Ao contrário do que temia, a confissão não destruiu sua carreira: Kolbe
reelegeu-se várias vezes até se aposentar da política em 2003, aos 61 anos, por
vontade própria. Após deixar o armário, ele mudou seu jeito de votar, que passou
a ser sempre a favor de que homossexuais tivessem direitos.
*
Talvez esses políticos de penteados milimetricamente arrumados que fazem
discursos de ódio no Congresso Nacional do Brasil contra direitos gays mereçam
mais compaixão que ódio. Talvez eles sejam vítimas infelizes de repressão
psicológica, que perpetuam políticas de desigualdade para transferir a outros o
desconforto que sentem com si próprios.
O fato é que, no Brasil, homossexuais têm menos direitos que heterossexuais –
segundo uma reportagem de capa da SUPER de 2004, eram 37 direitos a menos, que
afetam vários aspectos da vida, da herança aos financiamentos bancários ao
imposto de renda. Que uns cidadãos tenham menos direitos que outros é uma
injustiça, independente da tendência política ou religião. É premissa da
democracia que todos tenham os mesmos direitos. Quem nega isso com muita
convicção talvez precise entender por quê.
Ilustração: Alexandre Piovani – todos os direitos reservados.
Este texto foi originalmente publicado na edição de maio da Super, cuja capa é
Câncer. A edição, que está com muita coisa legal, está nas bancas.
(Superinteressante, maio de 2013, págs.
26 e 27).