Igreja
condenada a devolver doação de fiel
que recebeu promessa de cura do câncer
(Imagem meramente ilustrativa/Pixabay)
"Pessoa em condição de hipossuficiência, portador de grave enfermidade, câncer,
e que percebe parcos rendimentos da Previdência Social, acreditando em promessas
de milagres, veiculadas em programas televisivos muito bem feitos, com
estratégias de manipulação de massas, acabou dando o pouco que tem em busca da
cura prometida. Contexto de evidente vício na manifestação de vontade, a
justificar a intervenção judicial com a invalidação do negócio jurídico feito
sob coação moral".
Com
esse entendimento, a 9ª Câmara Cível do TJRS condenou a Igreja Mundial do
Poder de Deus a devolver uma doação de R$ 7 mil feita pelo autor com o objetivo
de se curar de um câncer.
Caso
Segundo o autor, na época dos fatos, sofria de câncer e foi induzido pelos
pastores da Igreja ré a fazer doações em troca da cura de sua doença. Afirmou
que largou o tratamento e suspendeu a medicação acreditando na palavra dos
pastores de que ficaria curado. Quando estava com a saúde extremamente
fragilizada, percebeu ter sido ludibriado. Destacou que a lavagem cerebral
foi tamanha que somente retornou ao tratamento diante da pressão da equipe
médica e de seus familiares.
Na
Justiça, ingressou com pedido de indenização por danos morais e materiais.
No
Juízo do 1º grau, na Comarca de Nova Petrópolis, o pedido foi considerado
improcedente pois o autor não apresentou provas concretas de que tenha sido
obrigado a fazer a doação.
O
autor recorreu da sentença.
Decisão
No
TJRS, o relator do recurso foi o Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, que
confirmou a sentença.
Para
o magistrado, ainda que a situação pessoal do autor seja delicada e que há
práticas reprováveis adotadas por alguns líderes espirituais, não há um mínimo
de provas que justifique indenização.
Conforme os autos do processo, não há filial da Igreja na Comarca e o autor, em
nenhum momento, informou onde ocorriam os cultos, tampouco quem seriam os
pastores que o teriam enganado. Disse ter sido influenciado quando assistia
programas de televisão.
Divergência
O
Desembargador Carlos Eduardo Richinitti apresentou voto divergente, destacando
que a situação do autor é uma das mais graves que o país vem enfrentando. Disse
que a crise financeira e moral pela qual passa o país é um campo fértil e
extremamente favorável àquilo que muitos chamam de "mercado da fé".
"A
garantia constitucional da liberdade religiosa vem hoje dando espaço, quase sem
nenhum tipo de controle, ao crescimento de grandes e lucrativos negócios, onde,
invocando Deus, prometendo o tudo para quem não tem quase nada, grupos estão
literalmente enriquecendo 'ao vivo' e 'online'",
afirmou o Desembargador Richinitti.
Ainda, conforme o relator do voto divergente, o rendimento mensal do autor é de
cerca de R$ 1 mil, assim, como seria possível, dentro de condições normais,
fazer uma doação de R$ 7 mil, equivalente a sete meses de seu rendimento?
"O
Judiciário tem sim de intervir, pois a livre manifestação de vontade, na grande
maioria das vezes, é uma mera ficção, pois pessoas fragilizadas,
hipossuficientes, estão sendo levadas, em nome de conforto espiritual, por
promessas de milagres, a entregar o pouco que têm",
ressaltou o magistrado.
O
Desembargador Eugênio Facchini Neto, também integrante da 9ª Câmara Cível, votou
de acordo com o voto divergente.
Conforme o novo Código de Processo Civil, nos julgamentos onde houver a votação
por 2 a 1, dois outros magistrados são chamados para julgar o mesmo processo.
Neste
caso, o Desembargador Miguel Ângelo da Silva votou de acordo com o relator. Já o
Desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, votou com a posição divergente.