Graças ao nosso sistema de concurso
público, o pensamento primitivo está perdendo força. Se os magistrados fosse
eleitos pelo povo, nossa situação estaria pior do que está.
"Orações obrigatórias afetam ateus e
minorias religiosas na rede pública
Justiça considerou ilegal leis que impunham reza na Bahia e no Paraná
Irene Maria da Costa, vice-diretora da Escola Municipal Aurino Nunes, em
Teresina, reza o Pai Nosso com os alunos
Efrém Ribeiro
TERESINA e RIO- Os 161 alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental da Escola
Municipal Aurino Nunes, no povoado rural Bela Vista, a 32 quilômetros do centro
de Teresina, começam as aulas no pátio rezando o Pai Nosso e cantando um cântico
religioso que fala na presença de Deus e do Espírito Santo. Ao fim do “amém”, os
alunos fazem o sinal da cruz antes de entrar na sala de aula.
Veja também: Ensino religioso é obrigatório em 49% de
escolas públicas, contra lei
A vice-diretora da escola, Irene Maria da Silva conta que implantou a oração e o
cântico religioso antes das aulas quando entrou no colégio, em 1986. Católica,
ela diz que as práticas religiosas são importantes porque, além de deixar os
alunos mais comportados, as orações tornam as crianças menos violentas. Após a
oração e os cantos, os professores discutem sobre drogas, problema que está
avançando na zona rural.
— Aqui os alunos têm uma fezinha em Deus. Após o Pai Nosso, fazemos uma palestra
sobre o que se passa na comunidade. Eles obedecem demais e já sabem o Pai Nosso
decorado. Sou religiosa, e todas as escolas deveriam começar as aulas com uma
oração — defende Irene, que também dá aula de ciências e matemática.
Os alunos evangélicos dizem que os pais não gostam que rezem na escola com
professoras católicas. Mãe de dois alunos, a dona de casa Suely Feitosa, de 30
anos, se opõe a que os estudantes rezem antes de começar a estudar nas salas de
aula. Segundo ela, as crianças ficam confusas por aprender a rezar a Ave Maria,
já que as religiões não-católicas não têm culto à mãe de Jesus.
— A escola tem várias crianças que são de outra religião, o que fica
desagradável para a formação psicológica dos alunos — diz Suely.
As orações incomodam também os que não acreditam em Deus. Em Miraí, a 300km de
Belo Horizonte, o caso de preconceito contra o estudante ateu Ciel Vieira ficou
famoso em 2012. Ele postou um vídeo no YouTube contando que,
após se recusar a
rezar o Pai Nosso conduzido por uma professora de geografia da Escola Estadual
Santo Antônio, ouviu dela que “jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser
nada na vida”.
Após o episódio, durante uma oração no início de uma aula em que chegara
atrasado, parte dos alunos católicos trocou a última frase do Pai Nosso de “mas
livrai-nos do mal” por “mas livrai-nos do Ciel”.
O estudante denunciou o caso à Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea),
que interveio junto à secretaria estadual de Educação. Depois de muita polêmica,
a secretaria informou que havia orientado a professora a parar de rezar.
Atualmente morando em Juiz de Fora, Ciel faz um balanço um ano após ter se
formado no Santo Antônio — um dos nomes mais populares entre as 160 mil escolas
brasileiras, ao lado de Nossa Senhora, Jesus Cristo, São Francisco.
— Desconhecer que o estado é laico é falta de estrutura da escola. As pessoas se
reprimem normalmente e não têm a coragem que tive. Meu objetivo principal foi
mostrar que, apesar de ser minoria temos uma força grande — diz Ciel.
O presidente da Atea, Daniel Sottomaior, cuida atualmente de dois casos
semelhantes: um aluno que é obrigado a assistir a aulas de religião numa escola
estadual de Esteio (RS), e outro a fazer orações num colégio militar de Goiânia.
— O primeiro passo é oficiar a instituição informando a ilegalidade pela
Constituição e a LDB. Damos cinco dias para não cobrar a oração, liberar das
aulas e passar uma circular a todos alunos dizendo que são facultativas. Se não
cumprem, acionamos as secretarias de Educação, o MP e o Conselho Tutelar —
explica Sottomaior.
Há quem defenda transformar a oração em lei. No início de 2012,
a Câmara
Municipal de Ilhéus (BA) tentou implantar na cidade uma lei que obrigava os
alunos da rede pública a rezarem o Pai Nosso antes do início das aulas. A “Lei
do Pai Nosso”, de autoria do vereador Alzimário Belmonte (PP-BA), foi aprovada
na Câmara e sancionada pelo então prefeito Newton Lima (PT).
TJ proibiu lei do pai nosso
Logo depois, o Ministério Público Estadual entendeu que a lei violava “de modo
explícito” as Constituições Federal e Estadual “por afrontar diretamente a
liberdade de religião e culto”, entrando com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia para
suspender os efeitos da lei. O desembargador Clésio Rômulo Carrilho Rosa acatou
o pedido do MPE e suspendeu a lei em abril de 2012.
Em Apucarana, no norte do Paraná, um projeto de lei similar foi derrubado na
segunda votação, em julho de 2012, por pressão do Ministério Público, que
ameaçou entrar com uma Adin caso fosse aprovado.
Em março do ano passado, a família de um estudante de 15 anos que sofreu
bullying por se recusar a fazer orações na escola Antônio Caputo, em são
Bernardo do Campo, decidiu processar o estado de São Paulo por discriminação
religiosa.
Tocantins é o estado com maior percentual de escolas públicas em que há orações
ou cantos: 74%. Em seguida, vêm Goiás (67%), Espírito Santo (66%), Amazonas
(65%) e Minas Gerais (64,8%).
<http://oglobo.globo.com/educacao/oracoes-obrigatorias-afetam-ateus-minorias-religiosas-na-rede-publica-7928328>
Se não tivéssemos um judiciário e um
ministério público composto de pessoas bem educadas, que chegam lá por concurso
público, a situação estaria muito pior. Pois, no legislativo, meio onde os
membros chegam escolhidos por uma população com predominância da falta de conhecimento, o poder está por
demais infestado de idéias primitivas. Parece que ainda levará muito tempo
para isso mudar. Mas esse progresso no judiciário já é muito promissor.
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