JESUS  TERIA RAZÃO

- 06/10/2001 -

 

Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado” (Mt. 25: 29). Dizem que essas palavras foram registradas há quase dois mil anos; são atribuídas a Jesus Cristo e, até hoje, por mais avanços jurídicos que tivemos, não conseguimos escapar dessa dramática realidade. Está na natureza, e ninguém muda o quadro. O Direito do consumidor, fundado com base na CF/88, veio para atenuar esse princípio, porém, ainda que em menor grau, a verdade dessas palavras permanece.

Quando foram escritas tais palavras, duras penas eram determinadas para aquele que não conseguisse cumprir seus compromissos: o devedor inadimplente podia ser escravizado, sofrer castigos corporais, várias barbaridades eram legais. O Direito mais avançado do mundo de então, o romano, procurou desviar da pessoa a execução e aplicá-la só sobre o patrimônio do devedor, o que é mais racional. Os séculos passaram; houve avanços e regressos no mundo jurídico. Hoje, com toda sua maldade, o homem moderno reconhece como absurdos e repudia determinados princípios de um “Deus zeloso que traz punição pelos erros dos pais sobre os filhos” (Dt., 5:9 - Tradução do Novo Mundo), determinando que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (Constituição Brasileira/88, art. 7, XLV). Tais princípios divinos foram aplicados à descendência de Tiradentes, no tempo em que a religião ainda se sobrepunha a tudo (“declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real”).

Todavia, se na área penal se corrigiu uma inaceitável injustiça, no lado econômico é bem mais difícil. Exemplo contundente é o nosso Código Civil, que estabeleceu o limite de cláusula penal, aplicável para um simples atraso, em cem por cento do débito (arts. 917 e 920). Assim, como as palavras de Jesus, o credor poderia dizer ao devedor inadimplente: Se você não tem condições de me pagar cem, pague duzentos, e, destarte, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.

Recentemente, há poucos anos, não obstante a propagada irredutibilidade salarial, todos os trabalhadores perderam, mais uma vez, parte de seus salários em nome do combate à inflação. Meses depois, uma medida provisória aplicava o mesmo critério às escolas. Recebemos uma correspondência na qual o Colégio pedia a compreensão e colaboração dos pais de alunos, porque, se fosse cumprida a medida, a Escola teria que se fechar. Os trabalhadores não podiam se fechar! E, como a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância, a cúpula do Judiciário decidiu a favor dos estabelecimentos de ensino e puderam majorar ainda mais suas mensalidades. Uma mensalidade escolar que no final de 1993 equivalia a aproximadamente oitenta dólares, em 1998 já estava próximo dos trezentos reais e em 2000 já era mais do que isso, não obstante dizerem estar quase eliminada a inflação. Ainda em 2001, com a grande alta do dólar, as mensalidades escolares brasileiras permanecem superando-o muito em aumentos. E os salários? Ao que não tem até o que tem lhe é tirado ainda.

Voltando às multas moratórias, a Lei 9.298/96 é um grande avanço, estabelecendo multas de 2% para mensalidades escolares, empréstimos bancários, cartões de crédito, planos de saúde, compra a prazo, todavia, não obstante a lei, muitas escolas persistem na cobrança de multas de 10% ou mais, só recuando após a intervenção do Judiciário. E a morosidade legislativa ainda deixa os economicamente menos favorecidos, que não podem comprar um imóvel, sujeitos à obrigatória adesão a contratos de locação com multas de 20%, e uma lei de 1964 (Lei 4.591) ainda vigora, cominando 20% de multa para aqueles que não conseguirem saldar os débitos de condomínio até a data estipulada, como se o condomínio tivesse que pagar igual multa. No caso dos bancos, como TÊM EM ABUNDÂNCIA, têm o apoio legal para cobrar juros extorsivos, o que para uma pessoa física seria crime.

Não podemos dizer que não houve grandes avanços no sentido oposto às palavras de Jesus, mas ainda quem tem o poder econômico continua ganhando muito e tendo em abundância, e o que não tem, deste continua sendo tirado muito, estando ainda muito distante a chamada justiça social.
 

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