JESUS CONTINUA UM DESCONHECIDO
Como a
Superinteressante sempre procurou trazer o melhor que há de novidades
científicas, pensei que dessa vez eles teriam encontrado alguma coisa que
provasse que Jesus tenha existido. Todavia, nada de concreto. Só
suposições baseadas nos escritos cristãos. Nada foi encontrado de fora do
Cristianismo que fizesse alguma referência a Jesus nos dias em que dizem que ele
viveu.
"Os anos ocultos de Jesus
O que ele fez antes dos 30 anos? A Bíblia não conta. Mas a história e a
arqueologia têm muito a dizer
por Eduardo Szklarz e Alexandre Versignassi
O Novo Testamento contém 27 livros, 7.956 versículos e 138.020 palavras. E uma
única referência à juventude de Jesus. O Evangelho de Lucas nos conta que, aos
12 anos, ele viajou com os pais de Nazaré a Jerusalém para celebrar o Pessach, a
Páscoa judaica. Quando José e Maria retornavam a Nazaré, perceberam que
Jesus tinha ficado para trás. Procuraram o garoto durante 3 dias e decidiram
voltar ao Templo, onde o encontraram discutindo religião com os sacerdotes. "E
todos que o ouviam se admiravam com sua inteligência" (Lucas 2:42-49).
Isso é tudo. Jesus só volta a aparecer no relato bíblico já adulto, por volta
dos 30 anos, ao ser batizado no rio Jordão por João Batista. É quando o
conhecemos realmente. Da infância, as Escrituras falam sobre o nascimento em
Belém, a fuga com os pais para o Egito - para escapar de uma sentença de morte
impetrada por Herodes, rei dos judeus - e a volta para Nazaré. Da vida adulta, o
ajuntamento dos apóstolos e a pregação na Galileia, além do julgamento e da
morte em Jerusalém. Mas o que aconteceu com Jesus entre os 12 e os 30 anos? Qual
foi sua formação, o que moldou seu pensamento nesses 18 "anos ocultos"?
Afinal, o que ele fez antes de profetizar na Galileia?
A notícia para quem deseja reconstruir o Jesus histórico é que novas análises
dos Evangelhos, documentos históricos e achados arqueológicos nos dão pistas
sobre a sociedade da época. E dessa forma podemos chegar mais perto de conhecer
o homem de Nazaré. E entender o que passava em sua cabeça.
O pedreiro cheio de irmãos
Uma coisa é certa. Aos 13 anos, Jesus celebrou o bar mitzvah, ritual que
marca a maioridade religiosa do judeu. E é bem provável que ele tenha seguido a
profissão de José, seu pai. Carpinteiro? Talvez não. "Em Marcos, o mais antigo
dos Evangelhos, Jesus é chamado de tekton, que no grego do século 1 designava um
trabalhador do tipo pedreiro, não necessariamente carpinteiro", diz John
Dominique Crossan, um dos maiores especialistas sobre o tema. Para o
historiador, os autores de Mateus e Lucas, que se basearam em Marcos, parecem
ter ficado constrangidos com a baixa formação de Jesus. E deram um jeito de
melhorar a coisa. Mateus (13:55) diz que o pai de Jesus é que era tekton. E
Lucas omitiu todo o versículo.
As mesmas passagens de Marcos e Mateus informam que Jesus tinha 4 irmãos (Tiago,
José, Simão e Judas), além de irmãs (não nomeadas). Mas dá para ir mais longe a
partir dessa informação. "Se os nomes dos Evangelhos estão corretos, a família
de Jesus era muito orgulhosa da tradição judaica. Seus 4 irmãos tinham nomes de
fundadores da nação de Israel", diz a historiadora Paula Fredriksen, da
Universidade de Boston. "Seu próprio nome em aramaico, Yeshua, recordava o homem
que teria sido o braço direito de Moisés e liderado os israelitas no êxodo do
Egito, mais de mil anos antes."
Assim, a família teria pelo menos 9 pessoas, mas nem por isso era pobre. Nazaré
ficava a apenas 8 km de Séforis - um grande centro comercial onde o rei Herodes,
o Grande, governava a serviço de Roma. Com a morte dele, em 4 a.C., militantes
judeus se revoltaram contra a ordem política. Deu errado: o general romano Varus
chegou da Síria para reprimir os rebeldes. E seu amigo Gaio completou o serviço,
queimando a cidade. "Homens foram mortos, mulheres estupradas e crianças
escravizadas", diz Crossan. Mas a destruição de Séforis teve um lado positivo:
Herodes Antipas, filho do "o Grande", transformou o lugar num canteiro de obras.
Isso trouxe uma certa abundância de empregos para a região. Um pequeno boom
econômico. Então o ambiente ao redor da família de Jesus não era de privações.
"A reconstrução da cidade deve ter gerado muito trabalho para José", diz Paula
Fredriksen.
Jesus nasceu no ano da destruição da cidade, 4 a.C. Ou perto disso. O Evangelho
de Mateus diz que Jesus nasceu no tempo de Herodes, o Grande (4 a.C. ou antes).
Lucas coloca o nascimento na época do primeiro censo que o Império Romano
promoveu na Judeia. E isso aconteceu, segundo as fontes históricas romanas,
em 6 a.C. A única certeza, enfim, é que "foi por aí" que Jesus nasceu. E que
o ódio contra o que os romanos tinham feito em Séforis permeava o ambiente onde
ele viveu. "Não é difícil imaginar que Jesus pensou muito sobre os romanos
enquanto crescia", diz Crossan.
Na década de 20 d.C., quando Jesus estava nos seus 20 e poucos anos, o
sentimento antirromano cresceu mais ainda. Pôncio Pilatos assumiu o governo da
Judéia cometendo o maior pecado que poderia: desdenhar da fé dos judeus no Deus
único.
Mas, em vez de se unir contra o romano, os judeus se dividiram em seitas. Os
saduceus, por exemplo, eram os mais conservadores. Os fariseus eram
abertos a ideias novas, como a ressurreição - quando os justos se ergueriam das
tumbas para compartilhar o triunfo final de Deus. Os essênios viviam como
se o fim dos tempos já tivesse começado: moravam em comunidades isoladas, que
faziam refeições em conjunto seguindo estritas leis de pureza. Já os zelotes
defendiam a luta armada contra os romanos.
Em qual dessas seitas Jesus se engajou na juventude? Não há consenso entre os
pesquisadores. Para alguns, porém, existem semelhanças entre a dos essênios e o
movimento que Jesus fundaria - ambas as comunidades viviam sem bens privados,
num regime de pobreza voluntária, e chamavam Deus de "pai". Essa hipótese ganhou
força com a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, em 1947. Eles trouxeram
detalhes sobre uma comunidade asceta de Qumran, que viveu no século 1 e estaria
associada aos essênios. O achado arqueológico não provou a ligação entre Jesus e
essa seita. Até porque os essênios eram sujeitos reclusos, ao passo que Jesus
foi pregar entre as massas da Galileia e Jerusalém.
Jesus podia não ser essênio. Mas, para alguns estudiosos, seu mentor foi.
João, o mestre
Dois dos 4 Evangelhos começam a falar de João Batista antes de mencionar Jesus.
É em Marcos e João. O homem que batizaria Cristo aparece descrito como um
profeta que se vestia como um homem das cavernas ("em pelos de camelo") e que
vivia abaixo de qualquer linha de pobreza traçável ("comia gafanhotos e mel
silvestre").
Para a historiadora britânica Karen Armstrong, outra grande especialista no
tema, isso indica que João pode ter sido um essênio. A vocação "de esquerda" que
Jesus mostraria mais tarde, inclusive, pode vir da ligação do mestre João com a
"sociedade alternativa" dos essênios. "É mais fácil passar um camelo pelo buraco
de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus", ele diria mais tarde.
Os Evangelhos não falam de João como mestre de Jesus. Nada disso. Ele apenas
reconhece Jesus como o Messias na primeira vez que o vê. Os textos sagrados
também informam que ele usava o batismo como expediente para purificar seus
seguidores, que deviam confessar seus pecados e fazer votos de uma vida honesta.
Então Jesus aparece pedindo para ser batizado. Na Bíblia, esse é o primeiro
momento em que vemos o Messias após aqueles 18 anos de ausência.
Depois de purificado nas águas do rio Jordão, Jesus parte para sua vida de
pregação, curas e milagres. A vida que todos conhecem.
Para quem entende esse relato à luz da fé, isso basta. Mas é pouco para quem
tenta montar um panorama da vida de Jesus, um retrato puramente histórico de
quem, afinal, foi o homem da Galileia que sairia da vida para entrar na Bíblia
como o Deus encarnado. E uma possibilidade é que Jesus tenha sido um discípulo
de João Batista. Discípulo e sucessor.
As evidências: tal como João Batista, Jesus via o mundo dividido entre forças do
bem e do mal. E anunciava que Deus logo interviria para acabar com o sofrimento
e inaugurar uma era de bondade. Em suma: tanto um como o outro eram o que os
pesquisadores chamam de "profetas apocalípticos". E se os Evangelhos jogam tanta
luz sobre João Batista (Lucas fala inclusive sobre o nascimento do profeta,
assim como faz com Jesus), a possibilidade de que a relação deles tenha sido
mais profunda é real.
O grande momento de João Batista na Bíblia, porém, não é o batismo de Jesus. É a
sua própria morte. Morte que abriria as portas para o nosso Yeshua, o Jesus da
vida real, começar o que começou.
E Yeshua vira Cristo
João Batista podia se vestir com pele de animal e se alimentar de gafanhotos.
Mas tinha a influência de um grande líder político. Prova disso é que morreu por
ordem direta de Antipas. O Herodes júnior tinha violado o 10º mandamento da lei
judaica: "Não cobiçarás a mulher do próximo". Não só estava cobiçando como
estava de casamento marcado com a ex-mulher do irmão, Felipe. João condenou a
atitude do rei publicamente. E acabou executado.
Mateus deixa claro como Jesus, então já com seus 12 discípulos e em plena
pregação, recebeu a notícia: "Ouvindo isto, retirou-se dali para um lugar
deserto, apartado; e, sabendo-o o povo, seguiu-o a pé desde as cidades". Logo na
sequência, o Cristo emenda o maior de seus milagres. Sentido com a fome da
multidão que ia atrás dele, pegou 5 pães e dois peixes (tudo o que os apóstolos
tinham) e foi dividindo. Passava os pedaços aos discípulos, e os discípulos à
multidão. "E os que comeram foram quase 5 mil homens, além das mulheres e
crianças" (Mateus 14:21). Horas depois, no meio da madrugada, outro milagre de
primeiro escalão: Jesus apareceria para os apóstolos andando sobre as águas.
Esses episódios, claro, são parte da vida conhecida de Jesus (ou da mitologia
cristã, em termos técnicos). Mas deixam claro: a morte de João foi importante a
ponto de ter sido seguida de dois dos grandes episódios da saga de Cristo.
O filho do pedreiro assumiria o vácuo religioso deixado pelo profeta. Agora sim:
Yeshua caminharia com as próprias pernas. E começaria a virar Jesus Cristo. "Ele
não só assumiu o manto de João, mas alterou sua doutrina. A diferença
interessante entre João Batista e Jesus Cristo é que Jesus ergueu o manto caído
de Batista e continuou seu programa mudando radicalmente sua visão", diz Crossan.
Ele continua: "João dizia que Deus estava chegando. Mas João foi executado e
Deus não veio". Ou seja: para o pesquisador, Jesus teria ficado tão chocado ante
a não-intervenção divina que mudou sua visão sobre o que o Reino de Deus
significava.
"João Batista havia imaginado uma intervenção unilateral de Deus. Jesus imaginou
uma cooperação bilateral: as pessoas deveriam agir em combinação com Deus para
que o novo reino chegasse", diz o pesquisador. Ou seja: não adiantaria esperar
de braços cruzados. O negócio era fazer o Reino dos Céus aqui e agora. Como?
Primeiro, extinguindo a violência. Mas e se alguém me der um soco, senhor? "Ao
que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra" (Lucas 6:29). Depois, amando
ao próximo como a ti mesmo, ajudando ao pior inimigo se for necessário, como fez
o bom samaritano da parábola famosa... Em suma, a essência da doutrina cristã.
A natividade
Agora, um aparte: chamar de "anos ocultos" apenas a juventude de Jesus é
injustiça. O nascimento também é uma incógnita completa. A começar pela data de
nascimento: 25 de dezembro era a data em que os romanos celebravam sua festa de
solstício de inverno, a noite mais longa do ano. Não porque gostassem de noites
sem fim, mas porque ela marcava o começo do fim do inverno. Praticamente todos
os povos comemoram esse acontecimento desde o início da civilização - nossas
festas de fim de ano, a semana entre o Natal e o Ano-Novo são um reflexo disso.
O dia em que Jesus nasceu não consta na Bíblia - foi uma imposição da Igreja 5
séculos depois, para coincidir o nascimento do Messias com a festa que já
acontecia mesmo - com troca de presentes e tudo.
"Na verdade, não sabemos nada histórico sobre Jesus antes de sua vida pública,
já que os dois primeiros capítulos de Mateus e Lucas [os que relatam o
nascimento] são basicamente parábolas, não história", diz Crossan. De acordo com
Mateus, José soube num sonho que Maria daria à luz um menino concebido pelo
Espírito Santo. Quando Jesus nasce, magos surgem do Oriente e seguem uma estrela
que os conduz a Jerusalém. Lá, eles ficam sabendo que o Cristo nasceu em Belém.
Seguindo a estrela, os magos chegam à cidade para adorar o menino e lhe regalam
com ouro, incenso e mirra. Mas Herodes fica perturbado com o nascimento e manda
soldados matarem todos os bebês de até 2 anos em Belém. Assim, José foge com a
família para o Egito e depois vai morar em Nazaré, na Galileia, onde Jesus é
criado.
"Não há nenhum relato, em qualquer fonte antiga, sobre o rei Herodes massacrar
crianças em Belém, ou em seus arredores, ou em qualquer outro lugar. Nenhum
outro autor, bíblico ou não, menciona isso", diz o teólogo americano Bart D.
Ehrman no livro Quem Foi Jesus? Quem Jesus Não Foi?
No relato de Lucas, o anjo Gabriel vai à casa de Maria, em Nazaré, e lhe avisa
que daria à luz um futuro rei. E que o "Filho de Deus" se chamaria Jesus. Maria
era uma virgem prometida a José, e o anjo lhe explicou que o filho seria gerado
pelo Espírito Santo. Lucas diz que naquela época, "quando Quirino era governador
da Síria", um decreto do imperador Augusto obrigou os súditos a se registrar no
primeiro censo do Império. Todo mundo devia retornar à cidade de origem para se
alistar. Como os ancestrais de José eram de Belém, ele foi com Maria grávida
para lá. Jesus nasceu em Belém pouco depois, e foi envolvido em panos na
manjedoura. Lá o menino recebeu a visita de pastores e foi circuncidado aos 8
dias, para depois passar a infância em Nazaré.
"Os problemas históricos em Lucas são ainda maiores", diz Ehrman. "Temos
registros do reinado de Augusto, e em nenhum deles há referência a um censo para
o qual todos teriam de se registrar retornando ao lar dos ancestrais."
Ok, mas afinal por que Mateus e Lucas fazem Jesus nascer em Belém? Bom, de
acordo com uma profecia do livro de Miqueias, do Antigo Testamento, o salvador
viria de lá. Por que de lá? Porque era a cidade do rei Davi, o mais lendário dos
soberanos de Israel.
Depois que o general Pompeu invadiu a Judeia, em 63 a.C., e fez dela província
do Império Romano, os profetas passaram a dizer que um rei da linhagem de Davi
inauguraria o "reino de Deus". Chamavam essa figura de "o ungido" - já que Davi
e outros reis israelitas haviam sido ungidos com óleo. Os Evangelhos foram
escritos em grego, o inglês da época. E em grego "ungido" é christos. O Cristo
tinha que nascer em Belém. Yeshua provavelmente era de Nazaré mesmo.
Os Evangelhos, por sinal, são obra de autores desconhecidos. É apenas uma
convenção dizer que foram escritos por Marcos (secretário do apóstolo Pedro),
Mateus (o coletor de impostos), João (o "discípulo amado") e Lucas (o
companheiro de viagem de Paulo). Além disso, os escritores não foram testemunhas
oculares. "O autor de Marcos escreveu por volta do ano 70. Mateus e Lucas, de
80. E João, no final dos 90", diz Karen Armstrong. E claro: "Eram cristãos. Eles
não estavam imunes a distorcer as histórias à luz de suas crenças", diz Ehrman.
Afinal, "evangelho" deriva da palavra grega euangélion, que significa "boas
novas". O objetivo dos autores não era escrever a biografia de Jesus, e sim
propagar a nova fé. Levando isso em conta, chegamos a outra polêmica: os anos
considerados como os mais conhecidos da vida de Jesus também são cheios de
episódios misteriosos. Vejamos.
Yeshua sai da vida para entrar na Bíblia
Talvez tenha sido em busca de audiência que Yeshua rumou com os discípulos da
Galileia para Jerusalém, por volta do ano 30 d.C. Depois de 3 anos pregando na
periferia, já seria hora de atuar no palco principal.
Jerusalém era o pivô do fermento espiritual judaico, e milhares de judeus iam
para lá na Páscoa. Os Evangelhos nos dizem que Jesus causou um tumulto no local,
destruindo as banquinhas de câmbio (que trocavam moedas estrangeiras dos
romeiros por dinheiro local cobrando uma comissão), já que seria uma ofensa
praticar o comércio em pleno Templo de Jerusalém, o lugar mais sagrado da Terra
para os judeus. Por perturbar a ordem pública, ele foi condenado à cruz. Parece
historicamente sólido, mas o episódio central do Novo Testamento também é fonte
de reinterpretações.
No julgamento, por exemplo, a multidão teria pedido que Barrabás, um assassino,
fosse solto em vez de Jesus - já que era "costume" da Páscoa. Esse costume,
porém, não é mencionado em nenhum lugar, exceto nos Evangelhos. Além disso,
Jesus pode não ter sido exatamente crucificado, mas "arvorificado". É a teoria
(controversa, é verdade) do arqueólogo Joe Zias, da Universidade Hebraica de
Jerusalém. Suas pesquisas indicam que as vítimas dos romanos eram mais comumente
crucificadas em árvores, pregando uma tábua de madeira no tronco para prender os
braços do condenado. Seja como for, não há por que duvidar de que ele tenha sido
executado. Roma usava e abusava do expediente para tentar manter o controle das
regiões que conquistava. Segundo Flávio Josefo, historiador judeu do século 1,
numa só ocasião 2 mil judeus foram executados.
A história de Jesus não acaba aí, claro. "Alguns discípulos estavam convencidos
de que ele ressuscitara. E que sua ressurreição anunciava os últimos dias,
quando os justos se reergueriam das tumbas", diz Armstrong. Para esses judeus
cristãos, Jesus logo retornaria para inaugurar o novo reino. O líder do grupo
era Tiago, irmão de Jesus, que tinha boas relações com fariseus e essênios. E o
movimento se expandiu. Quando Tiago morreu, em 62, Jerusalém vivia o auge da
crise política. Em 66, romanos perseguiram os judeus com medo de uma
insurgência. Os zelotes se rebelaram e conseguiram manter as tropas do Império
afastadas por 4 anos. Com medo de que a rebelião judaica se espalhasse, Roma
esmagou os revoltosos. Em 70, o imperador Vespasiano sitiou Jerusalém, arrasou o
Templo e deixou milhares de mortos.
"Não temos ideia de como seria o cristianismo se os romanos não tivessem
destruído o Templo", diz Armstrong. "Sua perda reverbera ao longo dos livros que
formam o Novo Testamento. Eles foram escritos em resposta à tragédia."
Para os pesquisadores, então, os textos sagrados refletem a realidade da Judeia
do final do século 1 - e não a do início, a que Jesus viveu de fato. Por
exemplo: Barrabás personificaria os sicários, judeus que saíam armados de
punhais para matar romanos na calada da noite, como uma forma de vingança pela
destruição do Templo. E que por isso mesmo eram assassinos amados pela
população.
Quer dizer: Barrabás seria um personagem típico da década de 70 d.C., inserido
no episódio da morte de Jesus, fato que aconteceu na década de 30 d.C, num
momento em que o ódio aos romanos e o louvor a quem se dispusesse a matá-los não
eram tão violentos.
Até a época em que os Evangelhos foram escritos, o movimento de Jesus era apenas
um entre as várias seitas judaicas. Os primeiros cristãos se diziam "o
verdadeiro Israel" e não tinham intenção de romper com a corrente principal do
judaísmo. Mas tudo mudou com a destruição do Templo.
Ela intensificou a rivalidade entre as facções judaicas. "Em sua ânsia por
alcançar o mundo gentio (o dos não-judeus), os autores dos Evangelhos estavam
dispostos a absolver os romanos da execução de Jesus e declarar, com estridência
crescente, que os judeus deviam carregar a culpa", diz Armstrong. João, o
Evangelho mais virulento, declara que os judeus são "filhos do Diabo" (João
8:44). Até o autor de Lucas, que tinha uma visão mais positiva do judaísmo,
deixou claro que havia um bom Israel (os seguidores de Jesus) e um Israel mau -
os fariseus.
A rixa com os fariseus tem lógica, já que eram competidores diretos dos judeus
cristãos. "Num extremo do judaísmo estavam os saduceus, a ala mais conservadora.
No outro, os essênios, a mais radical. Já os fariseus e os judeus cristãos
estavam no meio. Eles lutavam pela mesma coisa: a liderança do povo, que estava
entre as duas pontas", diz Crossan.
Não é surpresa, aliás, que os livros do Novo Testamento contenham tantas
contradições entre si. "Quando os editores finais do Novo Testamento juntaram
esses textos, no início da Idade Média, não se incomodaram com as discrepâncias.
Jesus havia se tornado um fenômeno grande demais nas mentes dos cristãos para
ser atado a uma única definição", diz Armstrong. Os Evangelhos atribuídos a
Marcos, Lucas, Mateus e João seriam finalmente selecionados para o cânon da
Igreja. Dezenas de outros evangelhos ficaram de fora.
Só no século 2, quase 100 anos após a morte de Jesus, começam a aparecer relatos
sobre ele no centro do Império. Um deles é uma carta do político romano Plínio
ao imperador Trajano. Plínio cita pessoas conhecidas como "cristãs" que
veneravam "Cristo como Deus". Outra fonte é o historiador romano Tácito, que
menciona os "cristãos (...), conhecidos assim por causa de Cristo (...),
executado pelo procurador Pôncio Pilatos". Suetônio, que escreveu pouco depois
de Tácito, informa sobre uma perseguição de cristãos, "gente que havia abraçado
uma nova e perniciosa superstição". Uma "superstição" cuja mensagem convenceria
cada vez mais gente, a ponto de, no século 4, o imperador romano em pessoa
(Constantino, no caso) converter-se a ela. E o resto é história. Uma história
que chega ao seu segundo milênio. Com 2 bilhões de seguidores.
Lost Years
Antes dos 30, Jesus provavelmente teve a mesma formação religiosa dos judeus de
sua época. Ou seja: seguia outro Jesus. Outro profeta.
16 anos
O jovem Yeshua (Jesus, em aramaico) tinha 4 irmãos homens e pelo menos duas
irmãs mulheres. E cresceu na cidade onde nasceu: Nazaré.
20 anos
Ele pode não ter sido carpinteiro, mas pedreiro. O engano de 2 mil anos seria
culpa de um erro de tradução.
28 anos
Na Bíblia, o profeta João apenas batiza Cristo. O mais provável, porém, é que
ele tenha sido o grande mentor do jovem Yeshua.
33 anos
Os romanos crucificavam em massa. E também usavam árvores como base. Esse pode
ter sido o cenário da morte de Jesus.
Quem Jesus Foi? Quem Jesus Não Foi?
Bart D. Ehrman, Ediouro, 2009
A Origem do Cristianismo
Karl Kautsky, Civilização Brasileira, 2010
http://super.abril.com.br/religiao/anos-ocultos-jesus-634671.shtml
O que o artigo nos
trouxe sobre Jesus? Apenas o que os cristãos disseram.
Nada de prova extracristianismo. Sua
informação é de que "documentos históricos e achados arqueológicos nos dão pistas
sobre a sociedade da época." Mas sobre Jesus mesmo, nada. Até
hoje nenhum achado arqueológico nos indicou que Jesus tenha existido. Ele
continua uma incógnita.
Ver mais sobre
JESUS, UM COMPLETO DESCONHECIDO