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JORNALISTA PROCURA ENTENDER
A CURA GAY
Jornalista homossexual vai à Igreja
Universal atrás da cura gay: “Me senti um peixe na chapa quente”
Publicado por Tiago Chagas em 20 de maio de 2015
A chamada “cura gay” envolve polêmicas de todos os lados. Para quem é
homossexual, o termo pode sugerir que existam pessoas que acreditam que são
doentes. Para quem não é, o termo soa um menosprezo à inteligência alheia, pois
sugere que aqueles que não concordam com a homossexualidade, assim pensam porque
acreditam que é uma doença.
O jornalista Felippe Canale, do site Vice (voltado ao público gay) escreveu uma
matéria sobre a chamada “cura gay”, e como forma de entender o que acontece nas
igrejas neopentecostais, foi a uma reunião da Igreja Universal do Reino de Deus.
“Resolvi ir […] e averiguar se existe mesmo uma cura e quanto ela custa.
Confesso que fiquei meio apreensivo. Eu já fiz matérias em que abordei
prostitutas, garotos de programa e moradores de rua, mas nunca havia ficado tão
tenso quanto naquela visita à igreja. Acabei bebendo umas doses de whisky para
tentar relaxar”, escreveu Canale.
Ao chegar à igreja, disse ter pedido “proteção ao meu deus” e tentado entrar de
maneira discreta: “As minhas tatuagens nos braços e na nuca, ou talvez o meu
cabelo moicano, chamaram a atenção dos fiéis e, ao invés de me sentir um peixe
fora d’água, me senti um peixe na chapa quente, sendo fritado por olhares que me
diziam que eu não pertencia àquele lugar. Me sentei em uma fileira da frente,
pois queria ser visto e poder avaliar melhor como as coisas funcionavam ali”,
relatou.
A estratégia do jornalista era obter uma impressão mais próxima da realidade,
sem se apresentar como repórter: “Eu estava decidido a falar com o pastor após o
culto, só não sabia direito como faria isso sem que ele percebesse que eu estava
ali em busca de uma reportagem”, contou. A oportunidade, segundo ele, surgiu no
momento em que o pastor começou a pedir contribuições.
“Peguei a fila indiana que se formou e abri a carteira enquanto andava junto com
outras pessoas. Só então percebi que tinha apenas uma nota de R$ 50,00 e mais
nada. ‘Como sou estúpido’, pensei. Mas já era tarde, fiquei constrangido de
voltar ao meu lugar sem mostrar o valor da minha fé. Ao colocar a nota em cima
da Bíblia me senti um pouco mal, mas fui incentivado pelo pastor, que me olhou
com um sorriso largo e fez um sinal de que queria falar comigo após o culto.
Bingo! Consegui chamar a sua atenção sem precisar abordá-lo. De estúpido passei
a me sentir sortudo! Pelo que vi, a maior contribuição do dia havia sido a minha
e talvez isso tenha chamado a atenção dele”, afirmou o jornalista.
Na sequência da reportagem, Felippe Canale reproduz um diálogo em que ele finge
intenções e o pastor, de acordo com a doutrina que prega, sugere ações:
“Após o culto e com a igreja quase vazia, eu subi no palco e recebi um aperto
de mão acompanhado de uma voz suave:
– Você está aflito, não é mesmo?
Eu percebi assim que você entrou por aquela porta. Como
Jesus pode lhe ajudar?
– Padre, eu vim aqui…
– Não sou padre, sou pastor!
– Desculpe, é a primeira vez que eu venho e não sei direito…
– Não tem problema, estou aqui como um instrumento de
Deus. Pelo seu hálito eu vejo que você tem problemas com o álcool, certo?
– Não, não tenho… Quer dizer, eu bebi um pouco antes de vir para cá, eu estava
meio tenso.
– Fique tranquilo! Para tudo há uma solução e isso só
depende da sua fé. Pode abrir o coração e dizer o que te aflige.
– Bom, eu vou ser direto. Eu tenho uma namorada, mas às vezes eu pratico a
homossexualidade. E isso não deixa o meu pai feliz. Ele está muito doente, à
beira da morte já, mas eu quero que ele morra sentindo orgulho de mim. Por isso
eu procurei vocês. Eu tenho um irmão que usava cocaína e só conseguiu se curar
na igreja. E eu acredito que Deus possa me curar também.
– O seu irmão frequenta a Universal de qual cidade? Você
sabe o nome do pastor?
– Não sei o nome do pastor, mas sei que é no interior de São Paulo, ele mora lá.
Posso perguntar pra ele…
– Entendo. Bom, você veio ao lugar certo. O
homossexualismo é condenado pela Bíblia e não é um comportamento digno de quem
tem Jesus no coração. Às vezes o diabo vem na forma de um amigo que te
leva para o mau caminho, aí você se sente culpado e desconta no álcool. Mas
se você realmente está disposto a entregar a sua vida para Jesus…
– Eu estou sim, vou fazer tudo que for necessário. Eu só preciso saber se
realmente é possível deixar de ser gay. O senhor conhece alguém que já tenha se
curado?
– Ninguém nasce gay, a pessoa passa a ser gay quando o
diabo encosta na vida dela. Ser gay é anormal, ninguém é feliz dessa forma,
porque sempre há o sentimento de culpa. Se fosse algo normal, todo mundo
seria gay e não haveria mais famílias. É exatamente por isso que você se
sente tão culpado, bebe e tem nojo do seu comportamento. Estou certo?
– Sim.
– Eu vejo nos seus olhos que você tem fé e Jesus vai tocar
o seu coração através da oração que vou fazer para você. Se levante, por favor.
Foi aí que o pastor colocou as duas mãos na minha cabeça e começou a mexê-la
de um lado para o outro, me causando um pouco de tontura. Fiquei meio
constrangido, pois ainda havia algumas pessoas na igreja e ele gritava enquanto
orava: ‘Jesus tem poder, Jesus é mais forte e eu ordeno
que o diabo saia do seu corpo. Queima, capeta! Queima, pomba-gira! Queima,
Iemanjá! Queima, demônio do homossexualismo! Esta alma é de Jesus e você não
pode nada contra nós!’ […] Senti vontade de chorar, tanto que fiz isso na
frente do pastor e de quem estava em volta. Ele perguntou se eu me sentia melhor
após a oração e eu falei que sim, inclusive, que estava chorando de felicidade e
alívio”, relatou o repórter.
Ao final, segundo Canale, o pastor teria dito que tudo não passava de uma
questão de prova de fé: “Satisfeito, ele disse que faríamos juntos
um trabalho de sete sextas-feiras e, caso eu tivesse fé,
estaria curado dentro deste período. Mas, segundo o pastor, eu teria que me
dedicar e provar para Jesus que realmente era merecedor dessa cura. Eu
não cheguei a perguntar qual o valor”, concluiu.
Talvez esse diálogo explique porque a sociedade construiu
o estereótipo de que acreditar que a homossexualidade é pecado seja o mesmo que
odiar o homossexual. Talvez seja necessário um ajuste do discurso e da
prática àquilo que o Evangelho sugere, de verdade.
É isso que fazem como "cura gay": procuram incutir na cabeça do indivíduo que
ele está sendo instrumento de Satanás, que está praticando uma abominação, que
deus o rejeitará por isso, e ele irá queimar-se eternamente no inferno se não
abandonar a homossexuaidade. Diante dessa ameaça, o pobre se submete a qualquer
sacrifício para se ver livre daquela horrível sentença: não entrar no reino dos
céus e ser assado por toda a eternidade.
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