O QUE DIZ O EVANGELHO DE JUDAS ISCARIOTES -- 23/06/2006 -
O que temos
certeza sobre o evangelho de Judas é que foi escrito por cristão gnóstico e que
ele não é menos autêntico do que os outros evangelhos. Se no ano 180, o bispo
Irineu fez severa crítica a ele, isso é prova de que ele refletia o pensamento
de parte do cristianismo, pensamento esse rejeitado pela ala cristã predominante
em Roma. Mas, aliado ao outros evangelhos excluídos pela igreja e os próprios
canônicos, é uma prova de que o cristianismo foi desenvolvido gradativamente
entre grupos de pensamentos diversos, vindo um desses grupos a eliminar os
outros e passar a ser considerado o cristianismo verdadeiro.
"Apresentar Judas como alguém que agiu a serviço de Jesus é uma história
bastante diferente das contadas em todas as fontes disponíveis - os evangelhos
canônicos, o Atos dos Apóstolos e os textos apócrifos. Mas, antes mesmo da
descoberta do novo evangelho, outros textos já passavam longe de pintar Judas
como grande vilão da história, ou então como uma pessoa gananciosa e demoníaca.
O Evangelho de Marcos, escrito por volta de 65 d.C. e considerado pelos
historiadores o mais velho entre os 4 canônicos, cita Judas nominalmente apenas
3 vezes, afirma ser ele o responsável pela traição mas diz que a recompensa em
dinheiro foi oferecida pelos sacerdotes.
A partir daí, a imagem de Judas na Bíblia vai se tornando progressivamente má.
Mateus, escrito por volta do ano 80 e o segundo mais antigo, atribui a
traição à ganância de Judas, dizendo que teria denunciado Jesus em troca das
famosas 30 moedas de prata - o preço de um escravo na época. Mas relata seu
remorso ao ver que Cristo foi condenado e conta que Judas reconheceu que tinha
entregado um justo, devolvendo as moedas e depois se enforcando. Lucas,
o seguinte na lista, diz que "Satanás entrou em Judas" e, por isso, ele
traiu Cristo. O texto de João, que teria sido escrito no início do século
2, diz que, além de possuído pelo demônio, Judas também era ganancioso e
ladrão.
Em textos apócrifos, outras hipóteses são levantadas. Uma delas diz que
os primeiros cristãos esperavam que Jesus lutasse com armas contra Roma.
Decepcionado com a covardia do mestre, Judas o teria entregado. Outra versão
diz que, ao delatar Jesus, Judas pretendia precipitar uma revolta no povo de
Jerusalém, que libertaria seu líder e o colocaria no trono. Uma espécie de
golpe à Jânio Quadros - só que, enquanto Jânio foi para casa, o erro estratégico
de Judas levou seu líder à cruz. Para Craig Evens, estudioso de assuntos
bíblicos do Acadia Divinity College, no Canadá, tantas
versões distintas sobre o mesmo tema revelam muito sobre a Bíblia. 'Um dos
evangelhos afirma que Judas agiu por dinheiro, outro não cita motivações, dois
falam em ação demoníaca. Creio que essas versões tão distintas deixam claro que
os escritores do Novo Testamento não sabiam exatamente quem era Judas Iscariotes.'
" (Superinteressante, maio/2006).
"Sua existência já era cogitada
desde que Santo Irineu de Lyon, no século II, citou-o e condenou-o."
(Revista Época, ed. 405, 20/02/2006).
O Evangelho de Judas diz que, longe de ser um traidor, Judas fez o que Jesus
determinou, sendo assim o mais importante dos apóstolos.
"A dúvida que fica é como um grupo de gnósticos concluiu que o suposto vilão é o
verdadeiro mocinho da história. Na Bíblia, há duas versões para o destino de
Judas. O Evangelho de Mateus conta que, tomado de remorso, ele devolveu as 30
moedas que havia recebido pela traição e se enforcou. Mas, segundo o Atos
dos Apóstolos, Judas comprou um terreno com o dinheiro e, "tombando para a
frente, arrebentou-se pelo meio, e todas as entranhas se derramaram". "As
versões da morte de Judas narradas na Bíblia são inconciliáveis, mas são os
únicos relatos que temos", afirma Chevitarese" (Idem).
Levando-se em conta que os evangelhos selecionados como canônicos e o livro Atos
dos Apóstolos dão versões diferentes para a morte de Judas, além de cada
evangelho em ordem cronológica dar uma versão mais sinistra para a pessoa de
Judas; e ainda considerando-se que há outros evangelhos que apresentam motivos
diferentes para o seu comportamento; o evangelho de Judas não é menos digno de
credibilidade do que os outros que estão da Bíblia. Diante do silencio
ensurdecedor sobre Jesus em seus dias, nada tendo dito sobre ele historiadores
da época, o Evangelho de Judas, em conjunto com os outros excluídos e os
canônicos, é um testemunho de que o cristianismo hoje conhecido é o produto do
prevalecimento de um dos muitos e confusos grupos religiosos formados em torno de
uma pessoa de cuja existência há cada vez mais dúvida. O evangelho de Judas só
reforça o que já sabíamos por outras fontes, inclusive os evangelhos canônicos:
o cristianismo nunca foi um doutrina unânime, vindo a unificar-se só com a
assunção do poder pela igreja romana, que eliminou os grupos dissidentes.
E, por isso, o que se crê quase no mundo inteiro é que existiu um Judas
Iscariotes, que traiu Jesus, um deus feito homem para pagar os pecados da
humanidade.
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