LEONARD MLODINOW

09/10/2009

"Nunca acreditei em Deus sempre fui da Ciência. Alguns cientistas acreditam, mas não faz sentido para mim, nem para as leis da natureza. Não vejo evidências. Talvez eu seja agnóstico. Se eu tiver provas, posso vir a acreditar. Seria bacana. Agora, acreditar só porque livros de 2 mil anos atrás dizem que sim? Há muitos livros de 2 mil anos nos quais eu não acredito"

Leonard Mlodinow tem 45 anos, um título de Ph.D. em física, uma coluna no New York Times e um livro com Stephen Hawking (Uma Nova História do Tempo). Guarda em sua casa, na Califórnia, um diploma de matemático, um BMW conversível e roteiros de séries como MacGyver e Star Trek. Mais do que isso, ele é dono de uma baita sorte. Einstein dizia que Deus não jogava dados com o Universo. Leonard joga. E desde o berço. Casado e pai de três crianças - uma delas, uma menina adotada na China -, o cientista escapou do 11 de Setembro e é, ele próprio, filho de uma cadeia de coincidências. Seus pais conheceram-se em Nova York, emigrados da Polônia. Saíram de lá fugidos do Holocausto. "Devo agradecer a Hitler pela minha existência", escreve no livro O Andar do Bêbado, recém-lançado no Brasil. A obra é um tratado divertido sobre o poder do imprevisível em áreas da nossa vida que vão de jogar futebol e conseguir um bom trabalho a receber um diagnóstico médico. Em um bar de Los Angeles, o escritor falou a Galileu sobre o papel do acaso.

*Você diz que diagnósticos médicos e notas escolares têm elementos de acaso. Isso não é preocupante?
Leonard:
Sim, há razões de sobra para se preocupar. As pessoas deveriam tomar mais cuidado ao analisar números. Existe um monte de estatísticas incorretas por aí. Muitas vezes, quando um médico diz que há 90% de chance de o teste ser correto, ele pode simplesmente estar interpretando apressadamente um dado. Passei por isso com um diagnóstico de HIV. O médico se enganou com as informações do meu exame. Analisou os dados baseado em informações gerais, sem levar em conta minhas especificidades. Uma coisa leva a outra, e pronto, um diagnóstico errado. Há médicos de alto nível que assustam pessoas, que, por sua vez, tomam más decisões com base nisso. É um escândalo. No caso das notas escolares, tem muita bobagem mesmo. Como alguém pode ser tão preciso a ponto de dar uma nota como 9,3?

* Se a vida é regida pelo acaso, como viver sem controle?
Leonard:
Para muitos, é amedrontador. Para outros, reconfortante. Ele é uma ilusão e pode ser libertador não ter controle. Você não precisa mais se responsabilizar e não se martiriza porque algo não deu certo. As emoções desempenham um grande papel nas decisões. Economistas perceberam que, nos últimos dez ou vinte anos, as pessoas não tomam mais decisões racionais, e sim baseadas no humor, em coisas que não entendem. Em muitos casos, as emoções fazem você tomar as piores decisões.

* Que tipo de eventos são causados pelo acaso?
Leonard:
Desastres ecológicos, como Chernobyl, surgem de uma cadeia de erros, a soma de diferentes fatores controlados por pessoas sujeitas a falhar. A probabilidade é uma em mil, mas essa única chance está lá. E acontece. É o caso do 11 de Setembro…
 

"Nunca acreditei em Deus, sempre fui da ciência. Alguns cientistas acreditam, mas não faz sentido para mim, nem para as leis da natureza. Não vejo evidências. Talvez eu seja agnóstico. Se eu tiver provas, posso vir a acreditar. Seria bacana. Agora, acreditar só porque livros de 2 mil anos atrás dizem que sim? Há muitos livros de 2 mil anos nos quais eu não acredito"


* E você estava lá. Como foi?
Leonard:
Não foi divertido [silêncio]. Eu tinha deixado meu filho no jardim de infância e estava indo para o metrô, que é ao lado do World Trade Center. Vi o avião vindo, voando muito baixo e se chocando contra o prédio. Vi coisas enormes, do tamanho de um carro e em chamas, caindo em cima das pessoas, matando gente. Basicamente, tentei desviar do que estava caindo. Tive alguns pequenos ferimentos.

* Sua vida é cheia de acasos impressionantes. A história de seus pais, por exemplo.
Leonard:
Sim. Se Hitler não tivesse matado a primeira família de meu pai, sua mulher e filhos, eu não estaria aqui. É um pensamento bem esquisito, tenho consciência de que foi uma época bem ruim, mas muitas coisas realmente ruins podem dar em coisas boas, entre aspas. Outro exemplo se deu na década de 1980. Os escritores de Hollywood estavam em greve. Foram tempos complicados financeiramente, mas, provavelmente, a melhor coisa que aconteceu na minha carreira. Foi quando os produtores de Star Trek tiveram tempo de ler os roteiros empilhados e acabaram escolhendo o meu. O acaso leva você a direções que podem ser ruins e depois boas.

* Como foi escrever MacGyver?
Leonard:
Foi divertido. Ao mesmo tempo em que os produtores queriam que os truques do MacGyver fossem reais, era um programa que não se levava a sério.

* Qual foi sua invenção favorita?
Leonard:
Uma que eu costumava fazer no colegial. Pegava uma garrafa de amônia, usada como produto de limpeza, e ácido nítrico, usado em piscinas. Um é acido e outro é básico, ambos corrosivos. Quando se encontram, formam um sal. Eu abria as duas garrafas e os dois juntos formavam um pó que, no ar, não lhe permitia enxergar mais nada. Na série, MacGyver tinha que driblar um sensor, então ele abriu as duas garrafas e o pó "cegou" o aparelho. Foi divertido fazer isso na TV.
 

"Um jogo de futebol é como um experimento físico. Você pode esperar o mesmo resultado toda vez, mas, porque as pessoas têm dias bons e ruins, não dá para prever o desempenho. O acaso não é algo indeterminável, mas algo em que as condições você não pode controlar"


* Você se irrita com especialistas adivinhando o futuro ou o resultado de jogos?
Leonard:
Quando eles dizem coisas estúpidas, sim. Exemplo: um atleta está em "boa fase" tendo jogado apenas três vezes. Um número tão pequeno de tentativas não é suficiente para fazer uma estimativa. Se você puder ver um jogador em campo mil vezes, aí sim terá condições de julgar. Com apenas três, cinco oportunidades, uma pessoa muito boa pode não conseguir nada e uma muito ruim pode se tornar uma celebridade.

* Existem outras coisas que determinam resultados?
Leonard:
Se dois times jogassem com as mesmas condições todas as vezes, você teria o mesmo resultado sempre. O melhor ganharia. Mas o acaso vem quando você chuta a bola e ela não vai do jeito que quer, vai mais devagar. O acaso não é algo necessariamente indeterminável, mas algo em que as condições você não pode controlar. Um jogo de futebol é como um experimento físico. Você pode esperar o mesmo resultado toda vez, mas, porque as pessoas têm dias bons e ruins, não dá para prever o desempenho. É onde o acaso entra. Pode ser num determinado dia, num determinado chute. Existe uma margem de erro. É por isso que times melhores perdem para piores.

* Como é trabalhar com Stephen Hawking?
Leonard:
Nós nos conhecemos já faz alguns anos. Stephen leu meu livro A Janela de Euclides [2001]. Ele estava à procura de alguém que entendesse de física e tivesse uma escrita de que gostasse para redigir uma versão simplificada de Uma Breve História do Tempo. É bom trabalhar com ele, mas é difícil também, especialmente porque Stephen se comunica de outra maneira, uma ou duas palavras por minuto. Antes eram seis, mas está mais devagar. Estamos escrevendo um novo livro há quatro anos, sobre a origem do Universo e por que as leis da natureza são como são. Deve sair no final do ano.

* Se existem tantas variáveis no Universo, é possível afirmar alguma coisa? 2 mais 2 são sempre 4?
Leonard:
Nem sempre. Se você admitir que 2 mais 2 é igual a algo além de 4, eu posso usar essa hipótese para provar, matematicamente, o que eu quiser. Confuso? Tem uma história famosa com o Bertrand Russell - um filósofo e matemático do começo do século 20 - que explica isso. Assim: ele estava numa festa. Um sujeito chegou e lhe disse: "Há uma teoria de que, se 1 é igual a 2, você pode provar o que quiser". "Sim, é verdade", responde o Bertrand. O sujeito replica: "É? Supondo que você disse que 1 é igual a 2, prove que eu sou o papa". A resposta: "Ok. Você e o papa são dois, então você e o papa são um".

(Leonard Mlodinow, físico  - Galileu, outubro, 2009, pág. 70).

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