Autor mostra em 'Lunáticos por Deus' a
insanidade das religiões.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
O
filosofo americano Michael Largo (na
foto abaixo), 61, testemunhou sacrifício
de animais, ouviu tambores vodus no
Haiti, ingeriu cogumelos tóxicos,
frequentou comunidades de nudistas que
acreditam que só quem vive como Adão e
Eva antes da expulsão do Éder obterá a
salvação divina e por aí vai.
http://www.paulopes.com.br/2011/12/autor-mostra-em-lunaticos-por-deus.html
Após
tal vivência ao longo de mais 20 anos
pesquisando religiões, ele concluiu que
as religiões semeiam a insanidade
“[porque] os mais loucos conceitos se
tornam dogmas, demandando fé para
aceitá-los”.
No livro “Lunáticos por Deus” (Lafonte,
416 págs), lançado recentemente no
Brasil, Largo, que foi educado por
jesuítas, apresenta um inventário de
suas viagens a vários países para
estudar as religiões e faz algumas
confirmações, como a de que o sistema de
crenças é gerador e catalisador de
fanatismo e bizarrice.
Segue a entrevista que o caçador de
religiões concedeu a Érica Kokay, da
revista Galileu.
A morte é uma das principais razões para
a humanidade ter inventado a religião.
As vidas dos nossos primeiros ancestrais
foram atormentadas pelas incríveis
incertezas. A morte foi a mais
atormentadora. Naquela época, a
expectativa de vida era de apenas 18
anos de idade, então a mortalidade era
uma experiência cotidiana. Eu imagino um
bando de humanos primitivos de pé ao
lado do corpo de um familiar morto, se
perguntando: “Para onde foi aquela coisa
que dava vida e animação ao meu
companheiro?”. Quando não havia mais
respostas para a vida e para a
sobrevivência, os humanos precisaram
inventar explicações, que
invariavelmente se tornaram
catalisadoras para a teologia e a
religião.
Quais foram os primeiros vestígios de
religiosidade na história humana?
Os Neandertais provavelmente ensinaram
aos humanos como praticar rituais
religiosos e como buscar respostas ao
inexplicável. Eles colocavam, por
exemplo, crânio de urso e adereços
ritualísticos em volta dos cadáveres. Os
primeiros túmulos humanos, datados de
100 mil anos atrás, foram descobertos em
uma caverna perto de Nazaré, em Israel.
Os restos mortais tinham sido sepultados
ritualisticamente, com os ossos pintados
de vermelho, conchas marinhas dispostas
ao redor e crânios apontando o Norte.
Isso indica que nossos mais remotos
ancestrais tinham uma crença, pelo
menos, na vida após a morte.
Como começou essa sua vontade de
conhecer diferentes religiões? O que
você buscava?
Existem muitas religiões que vêm e vão e
algumas milhares que são praticadas até
hoje. Eu queria ver se havia uma verdade
ou algum tipo de consistência entre a
variedade de sistemas de crença. Para
meus outros livros, eu pesquisei sobre a
morte por muitos anos. Eu admito que, em
alguns momentos, enquanto eu compilava
estatísticas e contava as infinitas
colunas de vidas humanas que vinham e
iam – geralmente não deixando nenhuma
marca de sua existência além de um mero
dígito no cálculo –, eu me perguntava:
“Qual é o propósito de tudo isso?”.
E você encontrou essa verdade?
Você passou 25 anos de sua vida
conhecendo religiões. Como se deu essa
jornada, na prática?
Eu fui educado por jesuítas, mas minha
experiência de campo começou como um
coroinha católico que falava Latim.
Pratiquei uma série de doutrinas
orientais, do Zen à Meditação
Transcendental. Nos anos 1970,
presenciei uma cerimônia rastafariana na
Jamaica. Também assisti a palestras da
Nova Era, inclusive sobre teorias de
anjos viajantes no tempo e a respeito do
valor esotérico dos cristais. Comi
cogumelos com algumas mulheres adeptas
das religiões Druidas e Gaia, em Nova
Iork. Cerimônias de anglicanos,
metodistas, calvinistas – já assisti
muitas. Dei a palma da minha mão para
que a lessem, participei de uma sessão
de regressão a vidas passadas, fui a
retiros espirituais cristãos e orientais
em fins de semana. Sem contar com os
templos sagrados em Roma que visitei e o
culto de santeria em Miami que
participei. Reconhecidamente,
e em nome
da ciência, eu tomei alucinógenos,
tentando infrutiferamente tomar notas
sobre os diversos conhecimentos
religiosos.
E em que países isso aconteceu?
Como existe mais de 300 mil locais de
culto nos Estados Unidos, o meu país tem
sido um terreno furtivo para a pesquisa.
Mas eu gosto particularmente do Caribe.
Estive também no México, na França, na
Inglaterra, apesar de que a Itália, para
mim, é o local mais cheio de santuários
intrigantes.
Qual foi a situação mais exótica e
bizarra por que você já passou?
Testemunhar sacrifício de animais foi
tão bizarro quanto revoltante. Mas eu
diria que um breve caso amoroso com uma
freira dominicana, que eu conheci
durante entrevistas na República
Dominicana, foi a mais exótica – poderia
chamar também de experiência erótica
religiosa.
Qual sua dica aos curiosos religiosos?
Eu recomendo que eles confiram os
detalhes de cada religião, antes de
comprar a ideia. Façam isso lendo os
dogmas de cada crença, da mesma forma
que você leria o relatório de um
produto. Muitas pessoas fazem uma
pesquisa mais minuciosa sobre o celular
novo que vão comprar do que sobre a
religião que eles herdaram da família ou
a que aderiram no decorrer da vida. Os
cultos, que são definidos como grupos
religiosos que demandam lealdade a um
líder, são os mais arriscados. Muitos
são especialistas em explorar o carisma,
que pode facilmente cegar alguém da
realidade e torná-lo um fanático.
Se você pudesse escolher apenas uma
história de toda a sua jornada para
contar, qual seria?
Depois de todas as igrejas que visitei e
as entrevistas com pessoas religiosas
que fiz, o momento mais comovente de
como a religião funciona ocorreu no
leito de morte da minha mãe. Ela sentia
um grande desconforto e visualmente
sofria de ansiedade e medo.
Eu segurei
sua mão e disse a ela uma mentira:
que
logo ela encontraria meu pai, pois ele
estava esperando por sua noiva. Ela
abriu os olhos só mais uma vez e sorriu,
antes de falecer.
Como foi o processo de escrita do livro?
Eu já tinha muitos anos de anotações das
minhas pesquisas de campo, mas passei um
ano comprometido com a rotina devota.
Trabalhei sobre textos antigos, li
doutrinas e dogmas das religiões, fiquei
atento ao que alguns monges chamam de
lectio divina, ou leitura divina. Eu
tentei não abordar nenhuma ideologia
religiosa com condenações
pré-condicionadas ou preconceitos.
Mas você consultou muitas fontes, além
das experiências práticas?
Eu precisei ler o Velho e o Novo
Testamento inteiros, além do Corão, é
claro. No livro, eu listo uma centena de
textos religiosos que usei como fonte.
O uso de chás, cogumelos e substâncias
psicotrópicas faz parte de muitas
crenças. Por que essas religiões
aderiram a essas substâncias?
O escritor Aldous Huxley, durante seu
experimento com substâncias
psicotrópicas, notou que elas abriam as
chamadas portas de percepção.
Muitas
religiões dão grande valor aos sonhos,
como se fosse uma maneira de conhecer a
voz de Deus. Mesmo no Império Romano,
praticava-se o que se chamava de
mistérios de Elêusis,
que recomendava
ingerir cogumelos pelo menos uma vez ao
ano, a fim de ver e experimentar o que
apenas Deus sabia. No entanto, tal
atividade pode ser
prejudicial à saúde.
Por que a religiosidade, em algumas
pessoas, se torna insanidade?
Além do medo da morte, existe o medo da
condenação eterna. Religiões que dão
muito valor à vida após a morte e
ameaçam quem não segue suas regras com a
perspectiva de punição eterna geralmente
levam seus fiéis ao fanatismo.
Substâncias alucinógenas, rituais de
jejum, automortificação e outros meios
bizarros que as pessoas utilizam para
atingir o êxtase religioso também
costumam alterar a química do corpo,
levando a um desequilíbrio mental.
No livro, você falou sobre “nudismo
religioso”. Como funciona essa crença?
Ela ainda existe hoje em dia em algum
lugar do mundo?
Ela decorre de uma interpretação do
Livro de Gênesis. O pecado foi o que
levou à prática de vestir roupas e ao
matrimônio. Adão e Eva, quando possuíam
a inocência pura, não precisavam nem de
vestimenta nem de casamento. A nudez,
segundo a religião, é uma prova de que
eles atingiram o estado de graça e estão
libertos de todas as restrições morais
concebidas pela humanidade.
Hoje, existe
a Igreja Batista do Calvário Nudista, no
Texas.
Por que a ideia de apocalipse está tão
incrustada nas diversas religiões? Por
que os religiosos se apegam a ele?
Na minha pesquisa, eu descobri que mais
de 80% dos cultos usam revelações de
Agamemnon para arrebanhar seguidores.
Novamente, o medo é a ferramenta que
controla seguidores, especialmente
quando envoltos na conversa de ter
visões divinas.
Você acha que a religiosidade está
ganhando cada vez mais força entre os
humanos? Ou você acha que a humanidade
caminha para a não religião?
Na estatística, menos pessoas estão indo
à igreja, enquanto muitos continuam
querendo aderir a uma ou outra religião.
O ateísmo está em ascensão em todo o
mundo, e saindo do armário. Como a
tecnologia e a informação estão cada vez
mais disponíveis, novos deuses estão
sendo concebidos. O terrorismo mundial
também ajudou a abrir muitos olhos, para
ver em primeira mão o que fanáticos
religiosos podem fazer.
Eventos atuais
indicam que nosso próprio fim dos dias,
ou pelo menos uma transformação
significante de nossa cultura, possa ser
instigado por alguma forma de insanidade
religiosa.
Você conheceu e pesquisou diversas
religiões. Mas no que você acredita de
verdade?
Eu acredito nas possibilidades do
inimaginável. Como Stephen Hawking já
notou, nós vemos o mundo a partir de uma
perspectiva distorcida. Ele usa a
analogia de um peixe em uma tigela
redonda, observando todas as coisas se
movendo em uma curva, devido à refração
da luz através da água. Essa é a verdade
para o peixinho. Seria necessária certa
arrogância para pensar que nós realmente
sabemos alguma coisa, não importa
quantos livros nós tenhamos lido ou a
graduação que possuímos.
Em sua opinião, para onde vamos quando
morremos?
Talvez, nossos átomos são colocados em
um liquidificador cósmico, e nós vivemos
como parte de qualquer outra coisa. Eu
não tenho a mínima ideia. Quem tem?
Certamente será uma viagem
inacreditável, mas uma viagem que eu
prefiro evitar pelo tempo mais longo
possível. [Risos].
O que você ainda não descobriu que quer
descobrir?
Se existe um Deus. Acho que, se ele (ou
ela) existisse, deveria ser capaz de vir
até aqui e arrumar todas essas muitas
ideias religiosas de uma vez por todas.
Ou mandar um texto para o mundo inteiro,
ou algo do tipo. Mas até nisso muitos
não acreditam.
Sua próxima pesquisa será sobre o quê?
Estou terminando um texto sobre bestas e
criaturas, reais e imaginárias,
descrevendo como eles viveram e
morreram.