MAIS AGROTÓXICOS LIBERADOS
O governo Jair Bolsonaro (PSL) bateu
um novo recorde de liberação de agrotóxicos: são 166
novos venenos somente em 2019, após a concessão de 12 novos
registros no último dia 30. A lista consta no Ato nº 29, publicado na mesma
data no Diário Oficial da União (DOU).
Estatísticas anteriores já apontavam que o governo vinha em linha ascendente na
autorização desse tipo de produto. Nos primeiros dois meses do ano, foram 86
novos registros. Ao final de março, o total chegou a 121. Agora, ao atingir a
marca de 166, o país atualiza o número total de agrotóxicos para 2.232,
considerando os herbicidas em circulação no mercado.
"Não temos tantos problemas agrícolas no Brasil para que se necessite tamanha
multiplicidade de venenos. Se esses novos venenos forem mais eficientes e menos
perigosos que os antigos, os antigos têm que ser retirados do mercado", assinala
o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, membro da Campanha Permanente contra
os Agrotóxicos e pela Vida. "O que está caracterizado é que o governo está
permitindo [novos registros] sem fazer as análises necessárias sob o ponto de
vista da saúde e da eficiência dos venenos".
Entre os novos produtos liberados este ano, 24 são considerados “altamente
tóxicos” e 49 estão dentro da escala dos “extremamente tóxicos”. Juntos, eles
representam 43,9% do total. A classificação oficial é feita pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do Poder Executivo que responde
também pela autorização dos pesticidas. A chancela final é dada pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
"Nós estamos tendendo a ampliar o leque de produtos de pior qualidade. Está
claro que o governo está deixando de fazer o seu papel de triagem sob o ponto de
vista dos interesses públicos. Está permitindo que o mercado tome as decisões
que deveriam ser do Estado", critica Melgarejo, acrescentando que os agrotóxicos
têm reconhecida capacidade de causar prejuízos à saúde humana e ao meio
ambiente.
Entre as empresas que obtiveram liberação para a venda de herbicidas este ano,
estão companhias como a Adama Brasil S.A., controlada por israelenses e
chineses, que, sozinha, conseguiu 13 autorizações este ano. Também figuram na
lista uma cooperativa associada ao grupo francês InVivo Agrosciences e as
chinesas Rotam do Brasil e Xingfa & Wenda do Brasil Ltda.
Esta última tem destaque na lista por ter conseguido o registro da marca
Glifosal, uma variante do glifosato, que teve a validação renovada pela Anvisa
em fevereiro deste ano sob intensos protestos de especialistas e segmentos
populares. O produto é associado a casos de câncer e intoxicações agudas, sendo
estas últimas reconhecidas pelo Ministério da Saúde, conforme documento
publicado em 2018.
Jogo
Historicamente, o jogo político que circunda a liberação de pesticidas no país é
marcado por intensa polarização entre ruralistas e especialistas em associação
com setores sociais.
O deputado Nilton Tatto (PT-SP), membro da Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, destaca que a propaganda
comercial e política em torno da defesa dos venenos é bancada pelas grandes
corporações que dominam a cadeia de produção e distribuição de agrotóxicos no
país.
Para dar sustentação aos seus interesses, essas empresas buscam, por meio do
jogo político e de um intenso lobby, o apoio estatal. Na administração de
Bolsonaro, o problema ganhou ênfase especialmente por conta da composição da
gestão, que não só conta com o apoio político da bancada ruralista, como tem a
Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) participando organicamente do governo. A
relação se dá principalmente por meio do Mapa, capitaneado pela ruralista Tereza
Cristina, ex-coordenadora da FPA.
Diante desse contexto, a liberação dos 166 registros de agrotóxicos em 2019 é
vista como um efeito colateral do processo neoliberal que consolidou a
associação entre o atual governo e o grande capital agrário.
“Isso mostra claramente a vocação do governo Bolsonaro, em que o setor mais
atrasado da agricultura brasileira é hegemônico no centro do governo, no
Ministério da Agricultura e também no Ministério do Meio Ambiente (MMA), que
está com uma agenda completamente subordinada aos interesses desse setor agrário
atrasado brasileiro”, critica Tatto, lembrando o atual desmonte das políticas
ambientais no país.
O parlamentar sublinha que, além de afetar a soberania alimentar do povo
brasileiro, o meio ambiente e a saúde da população, a expansão do uso de
agrotóxicos tende a atingir inclusive produtores de alimentos com veneno.
“É um tiro no pé da própria agricultura e do agronegócio, na medida em que, em
outros países que importam os produtos agrícolas brasileiros, a população local
também vem cobrando os seus dirigentes para que comecem a vetar a importação de
produtos com muito agrotóxico, o que vem ocorrendo no Brasil”, lembra.
Governo
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a Anvisa e o Mapa para
obter um posicionamento oficial dos dois órgãos sobre o avanço na liberação de
novos agrotóxicos. Ambos responderam por meio de nota.
A assessoria de comunicação do Mapa afirmou que "o registro de agrotóxicos tem
relação direta com o aumento no uso apenas nos casos em que não existe nenhuma
alternativa já autorizada no mercado. Para outras situações o aumento no
registro de agrotóxicos vai permitir o aumento na competição do mercado, um
direito previsto na Lei de Agrotóxicos e na Lei Agrícola. Os produtos de baixa
toxicidade tem tramitação priorizada, já os demais seguem a fila de protocolo
conforme a Lei n. 9784/1999 Lei de Processo Administrativo".
A Anvisa informou que "todos esses processos foram avaliados e autorizados não
só pela Anvisa, mas também passaram pela análise técnica do Ibama e do próprio
Mapa. Ou seja, todos esses produtos foram analisados pelos três órgãos e
demonstraram que todos os requisitos legais para a concessão de registro foram
atendidos, não havendo outra ação possível a ser tomada pelo poder público além
da concessão do registro".
Ainda segundo a Agência, os produtos glifosato, 2,4 D, abamectina e tiram serão
reavaliados este ano: "A Anvisa tem priorizado esse processo para que mais
produtos possam ser reavaliados anualmente, retirando do mercado aqueles que
possuem risco inaceitável a população", finaliza a nota.
Edição: Daniel Giovanaz